Sandra Santos, da BA Glass: O legado de uma mulher na indústria

Depois de uma década como CEO da BA Glass, Sandra Santos deixou o cargo nas mãos de Tiago Moreira da Silva, filho do acionista Carlos Moreira da Silva, e passou a administradora não executiva desta gigante do vidro, que faturou mais de 1,5 mil milhões de euros em 2023, tem 15 fábricas em oito países, e emprega mais de 5 mil pessoas na Europa e no México.

Sandra Santos deixou o cargo de CEO e é agora administradora não executiva da BA Glass.

Sandra Santos “conduziu com sucesso a BA Glass através de uma forte transformação e crescimento. A sua liderança, inspiração, perseverança e paixão por novos desafios marcaram o seu mandato de dez anos fizeram com que o volume de negócios da BA passasse de 500 milhões para 1,6 mil milhões de euros. O conselho de administração ficou extremamente impressionado com a habilidade de Sandra em liderar a empresa em todos os momentos, mas, em particular, durante a pandemia e a crise energética que se seguiu”, referiu o grupo em comunicado a BA Glass.

 

O seu contexto familiar não fazia antever que seria gestora de empresas.

Nasci em Leça do Balio, a mais velha de três irmãos. Na geração dos meus pais ninguém na família era licenciado. A minha mãe tem a 4.ª classe e o meu pai o 9.º ano – teve de interromper os estudos para começar a trabalhar e ajudar a minha avó nas despesas da casa. Na minha família sempre se deu  muito importância à educação, porque entendiam ser a única forma de termos liberdade de escolha sobre o que queríamos fazer. Éramos todos muitos bons alunos lá em casa. O meu irmão licenciou-se em Engenharia e a minha irmã em Medicina Veterinária e, posteriormente, fez o doutoramento.

Eu e os meus irmãos somos os mais novos da família.Na minha geração de primos já todos são licenciados: quase todos engenheiros. Para mim, a engenharia estava fora de questão, pois tinha umas bases miseráveis de formação em Física e Química. Por isso, elegi como primeira opção, quase única, aquilo que iria descobrir mais tarde gostar muito de fazer. Durante a minha vida de estudante não tive grandes referências que me levassem a escolher determinada profissão. Era um mundo aberto que fui descobrindo. E os meus pais nunca influenciaram ou questionaram as nossas escolhas académicas. Diziam-nos apenas: “o que escolheres é preciso que garanta que encontras trabalho”.

Como os meus pais não tinham dinheiro para eu viver e estudar fora, só poderia estudar no Porto e as únicas opções para mim eram Economia ou Gestao na FEP. Claro que nem punha a hipótese de não entrar na faculdade; tinha mesmo de conseguir, o que me obrigou desde o início a marcar objetivos altos e a não falhar muito. Licenciei-me, em 1994, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto entre os melhore alunos.

 

Da banca para a indústria

Qual foi o seu primeiro emprego?

Comecei a trabalhar aos 22 anos, em 1994, no Porto, no Banco Espírito Santo.

Como entrou no BES?

Comecei a trabalhar antes de terminar o curso de Gestão. Na altura era um curso novo e inovador, que foi desenhado com um sentido muito prático, para atrair também pessoas que já trabalhassem. Por isso, era lecionado entre as 17h e as 23h. Entrei para este curso no ano em que saíram os primeiros licenciados de Gestão na FEP, que tinham várias opções em várias empresas. Sinto que fui privilegiada por estar em contacto com pessoas, professores,  que imaginaram a educação de forma distinta da tradicional (naquele tempo, claro).

No último semestre do curso tínhamos de fazer um estágio e todos os bancos queriam ter estagiários da FEP. Entrei no BES, embora soubesse que não seria o que queria como carreira, mas fui aprender. Quando chegaram os primeiros licenciados em Economia, em Setembro desse ano, eu já lá estava, para os receber e ser sua mentora.

 

Tinha 28 anos, e estava convencida de que iria ficar na empresa apenas uns quatro anos, e depois iria fazer outra coisa. Mas a empresa continuou a crescer e tinha muitos planos de transformação.

 

Como evoluiu depois o seu percurso no BES?

Apenas com seis meses de estágio, comecei a liderar equipas no departamento comercial central. Houve muitas competências que aprendi com o meu primeiro chefe que depois transportei para a BA. Ele fazia uma gestão muito profissionalizada e competitiva. Depois de um ano nesse departamento, convidaram-me para ser gerente de um balcão. Liderei uma pequena agência comercial onde muito pouco se aplicava do que eu tinha aprendido na faculdade. Foi duro!. Na altura, não se podia despedir pessoas, mesmo quando não tinham as skills necessárias para a função. Foi um choque, mas aprendi imenso sobre o que não queria fazer.

Um ano depois, voltei a ser promovida para integrar os centros de empresas que o banco estava a abrir. Estive durante 4 anos na banca, a ganhar muito bem, com uma série de regalias.

Porque saiu do BES?

Tinha apenas 26 anos e estava prestes a ser promovida, de novo, mas achei que não queria fazer aquilo a vida toda, sobretudo só trabalho comercial. E também porque a banca não tinha a cultura de teamwork que eu procurava. Naquela época, havia uma cultura muito hardcore, competitiva, de comunicação pouco transparente. O ambiente não era o que eu procurava.

Eu queria sair do mundo da banca. Sabia que queria ir trabalhar na indústria, mas não conhecia ninguém e precisava de ter outro tipo de relacionamentos e contactos. Pedi uma licença sem vencimento e fui fazer um MBA na Porto Business School (PBS). Gastei todas as minhas poupanças. Quando terminei o MBA, o BES convidou-me para outro projeto, que recusei porque não me fazia sentido continuar.

O MBA na PBS era relativamente recente e o programa estava muito bem feito. A turma era composta essencialmente por pessoas que já trabalhavam há algum tempo, em diferentes áreas. Aprendi imenso com todos. No final fui galardoada com o prémio José Valente, reconhecendo o mérito académico, mas, principalmente, o companheirismo

Como ingressou na BA?

Quando terminei o MBA, falei com o Prof. Daniel Bessa para saber se ele saberia de alguma oportunidade de trabalho na indústria, e mais tarde ele sugeriu-me duas pessoas para eu contactar, uma da SuperBock, com quem falei, mas que não resultou em nada, e outra da BA. Nunca tinha ouvido falar da BA. No dia em fui entrevistada pelo CEO, o Carlos Moreira da Silva, à tarde, depois do CFO, Jorge Alexandre, ter falado comigo, fui logo convidada para me juntar a equipa da BA.

A BA, enquanto indústria, correspondeu às suas expetativas?

Correspondeu totalmente e confirmou o que eu sempre soube: a indústria era muitíssimo mais gira. Na altura, ninguém conhecia a empresa – era muito pequena, faturava pouco mais de 100 milhões de euros -, e em algumas das fábricas existia uma desgraça de desempenho. Quando eu entrei, estavam a comprar a 2.ª fabrica do Grupo em Espanha. Havia imenso trabalho a fazer, em termos de procedimentos, sistemas de reporte. Comecei rapidamente a identificar-me com a cultura, a trabalhar muito perto do CEO e do CFO e a perceber o negócio todo. Todos os meses fazíamos uma semana de carro juntos a percorrer as fábricas.

Tinha 28 anos, e estava convencida de que iria ficar na empresa apenas uns quatro anos, e depois iria fazer outra coisa. Mas a empresa continuou a crescer e tinha muitos planos de transformação. Acabei por ficar..

 

Sempre fui muito curiosa e, muitas vezes, ia com eles para junto das máquinas, quando não percebia bem o assunto e para me o explicarem. Passei muitas horas no chão da fábrica a falar com as pessoas.

 

Que funções desempenhou na BA?

Nos primeiros dois anos fui controller, promoveram-me a diretora financeira do Grupo e depois acumulei funções com os Recursos Humanos. Em 2005, convidaram-me para ser diretora da maior fábrica do grupo, em Avintes. Acharam que era a minha oportunidade, não sendo engenheira, de ter um contacto direto com o processo de produção, num momento de grandes investimentos, e nova tecnologia. Foi uma ideia altamente disruptiva. Trocaram-me com o diretor da fábrica, que era um engenheiro: ele ficou com a direção financeira e eu com a direção da fábrica. Foi um choque para toda a gente. Mas a verdade é que, a partir daí, qualquer outra alteração feita dentro da empresa era considerada banal.

Esta foi a época mais desafiante para mim. Era responsável por uma fábrica de quase 400 pessoas, que nunca pára, 24h por dia e 365 dias por ano. Nesta fábrica havia quase só homens, alguns engenheiros, e uma mulher no laboratório. Estava habituada a chegar ao fim de semana sem chamadas de trabalho. Mas na fábrica há urgências que têm de ser reportadas ao diretor, em qualquer dia e a qualquer hora. Comecei a entender o que era gerir uma fábrica e a perceber melhor a linguagem industrial.

 

Uma década na BA Glass

Como é que foi aceite?

Gosto de trabalhar com homens e fui bem recebida. Fui muitíssimo bem aceite, mas tanto eu como eles tivemos de nos adaptar. Por exemplo, passei a informar-me sobre os resultados do futebol no fim de semana, para poder acompanhar as conversas à segunda-feira de manhã. As pessoas perceberam que a minha presença era também uma oportunidade para elas – algumas, que trabalharam comigo naquele periodo, são hoje diretores executivos ou estão na direção do Grupo. Sempre fui muito curiosa e, muitas vezes, ia com eles para junto das máquinas, quando não percebia bem o assunto  e para me o explicarem. Passei muitas horas no chão da fábrica a falar com as pessoas.

Se era possível ser CEO sem fazer esse trabalho? Claro que era, mas ter tido essa experiencia, facilitou a minha vida mais tarde.

O que é que trouxe da banca para a BA?

Trouxe alguma sistematização de reporte, de análise de informação, resiliência, decidir com pouca informação. Rapidamente conquistei muitos aliados dentro da empresa, pela minha capacidade de os ajudar a estruturar a informação, o pensamento e as decisões. As pessoas com quem eu lidava eram engenheiros, e sabiam muito mais que eu de vidro, mas eu era capaz de os ajudar a entender o negócio e, por isso, fazíamos um bom match de experiências.

Na banca eu tinha de usar as informações disponiveis e tomar decisões. Do ponto de vista do processo de decisão, a banca foi a melhor escola: ensinou-me a decidir na hora com a informação que tinha e só com aquela. Desenvolvi a minha capacidade de assumir riscos e não fazer muitas asneiras. A banca tem uma disciplina na decisão e na análise de risco inacreditável. Na área industrial, se não se fizer algo totalmente bem, em geral não acontece nenhuma desgraça. Na banca, uma decisão errada, pode significar que o dinheiro desaparece e não é possível recuperá-lo ou substitui-lo.

Liderou muitas nacionalidades e pessoas de diferentes culturas. Como é que o conseguia fazer?

Esse foi talvez o maior desafio,e também o que me deu mais gozo fazer: saber que é tudo diferente e pôr todos a trabalhar em objectivos comuns. Temos 3 fábricas em Portugal e apesar dos procedimentos serem os mesmos em todas, a forma de trabalhar é diferente. Porque há uma cultura de pessoas, uma história diferente. E eu gosto desta diferença, é o que traz valor. Detesto a homogeneidade, toda a gente igual.

Como é que lido com isso? Procurando os pontos comuns que se podem encontrar. Não tentando homogeneizar. Claro que há procedimentos, mas temos de os adaptar. Por vezes é difícil, quando não tenho a certeza se a performance de uma pessoa ou equipa está ou não influenciada pela cultura. Ou seja, distinguir o que é herança e o que é daquele individuo. Em cada país, há gentes e práticas diferentes.  A diversidade é talvez o melhor que a BA tem como cultura. Misturamos pessoas das várias regiões. Temos muita gente a deslocar-se, e muitos deles conseguem olhar para Portugal com os olhos da Bulgária ou da Roménia, por exemplo. Mais do que a diversidade de género, o desafio na BA é incorporar pessoas de novas nacionalidades, com histórias diferentes. 

Numa empresa presente em diferentes geografias, com quadros de várias nacionalidades, quais as competências que mais valoriza nas pessoas da equipa diretiva, além da diversidade?

Nesta empresa, o que mais valorizo nas equipas de gestão é serem muito ambiciosas, em conseguir mais e melhor. Temos de crescer porque o crescimento gera oportunidades e atrai as pessoas. E quando atrai, podemos escolher os melhores. Os melhores não são necessariamente os mais inteligentes, são os que tem mais ambição, mais capacidade de executar, mais resiliência.

Além de grande ambição, estas equipas têm de ter um ownership gigantesco para serem resilientes. Se eu for muito owner de algo, sou muito mais resiliente, do que se me sentir desligada dos assuntos. E, claro, terem um sentido de propósito comum. As equipas de topo também têm de ser capazes de aceitar as diferenças. Numa empresa como esta, não podemos viver só dos recursos que conhecemos, precisamos de atrair outros. Procuro pessoas com vontade de crescer e de fazerem crescer os outros e a organização, de serem owner, e de o fazerem com muita transparência.

 

Sempre construi a minha vida, pessoal e profissional, no sentido de ter absoluta liberdade na decisão de mudar de trabalho. Se tiver de escolher pela família, deixarei o trabalho amanhã. Se eu não gostar do que faço, mudo de trabalho. Talvez, por isso, nunca criei uma vida luxuosa, nem me endividei muito.

 

Qual a melhor decisão de carreira que tomou?

Deixar o dinheiro e o conforto da banca, foi talvez a mais difícil decisão no inicio de carreira que tomei. Além de não ser óbvia, eu não tinha uma família rica.

Outra, mais recorrente, é todos os anos responder à questão se vale a pena continuar a fazer o que faço? Faço isto por higiene.

 

Sandra Santos, BA Glass

“O líder tem de olhar para a vida como um copo meio cheio, senão não segue em frente”, defende Sandra Santos.

 

Os desafios da liderança

Porquê?

Sempre construi a minha vida, pessoal e profissional, no sentido de ter absoluta liberdade na decisão de mudar de trabalho. Se tiver de escolher pela família, deixarei o trabalho amanhã. Se eu não gostar do que faço, mudo de trabalho. Talvez, por isso, nunca criei uma vida luxuosa, nem me irei endividei muito.

Faço por não ter grandes amarras ao status profissional, e não as tenho. Estou hoje aqui como posso estar noutro lugar e posição amanhã. Sabia que a minha aventura como CEO da BA tinha um tempo limitado, e por há algum tempo comecei a preparar-me para a minha próxima “vida”. Tinha de expandir o meu leque de skillse como já estava nesta industria há mais de 20 anos, tive de começar a ter mais contactos e experiências com outros setores, com outras indústrias, com outros acionistas.

Foi assim que chegou ao board da Navigator?

Sim. Mas sou uma pessoa com sorte e, no inicio desse processo, fui informada que a Navigator andava à procura de uma pessoa com outras experiências na área industrial para o seu board. Não conhecia ninguém na empresa, até falar com o chairman, João Castelo Branco, e ser entrevistada pelas accionistas. Foi assim que eu entrei na Navigator, como membro independente do board. Era isso mesmo que eu queria! Uma empresa industrial com mercado internacional. Fui aprender o negócio do papel e pasta e alarguei o meu leque de skills como não-executiva para poder fazer outras coisas no futuro.

Como é ser mulher e membro num board tão masculino?

Está a ser uma experiência muito boa. No board há mais duas mulheres: a Teresa Presas, com grande experiência no setor do papel, e Mariana Santos, uma pessoa de confiança das accionistas, com ligações ao núcleo familiar da Navigator. Alguns têm curiosidade em saber como é que eu consigo gerir a minha vida – viajar tanto e ter marido e filho -, e como é que a BA cresce tanto. Mai do que mulher, sou um membro do board bastante assertivo. No inicio provavelmente estranharam, mas tem sido uma excelente colaboração. Na comissão executiva não têm nenhuma mulher, e talvez por isso tenham algumas ideias preconcebidas, como muito têm, até na BA.

Precisamos de criar condições, para não o género não seja um tabu. Na comissão executiva da BA tinhamos 4 mulheres e 4 homens. Os membros masculinos não têm nenhuma preocupação na gestão dos filhos e da casa. Ao contrário das quatro mulheres, que fazem muita da gestão familiar. Conseguimos gerir dez coisas ao mesmo tempo e os homens gerem uma de cada vez, muito mais focados no trabalho. Isto não é desvalorizar ninguém, é a verdade.  E naturalmente os homens acreditam que temos a mesma limitação e que não conseguimos gerir vários assuntos ao mesmo tempo.

Quando cheguei à BA já se aceitava com naturalidade a diversidade de género, ao nível do top management. Mas, claro, que era e ainda é, uma empresa muito masculina, apenas 20% são mulheres. Há poucas mulheres que querem trabalhar nas fábricas.

No board da Navigator, consegue fazer-se ouvir?

Perfeitamente. Têm muito respeito e curiosidade por aquilo que fiz e pelo que estou a fazer. Fazemos benchmark uns com os outros. Fui recrutada como uma profissional, não para preencher uma quota. Tinham um objetivo para mim enquanto administradora no board, isso ficou muito claro desde o inicio: não tinha que ver com o género, mas com as competências.

Enquanto foi CEO da BA, quais foram os momentos mais desafiantes?

Todos os momentos de crescimento e aquisições são desafiantes. Porque todos eles envolveram um ou vários países novos, mercados onde não estávamos. Fomos para a Polónia e nem vendíamos l. Alguns de nós nunca lá tínham ido. O nosso quase único contacto era a Jerónimo Martins, que nos ajudou nesta descoberta.

Os momentos mais desafiantes são os de maior risco, onde podemos perder muito. Quando fomos para a Bulgária, Roménia e Grécia, onde não tínhamos qualquer operação. Agora a BA vai mudar de continente, para o México, e a nova questão é como é que se gere uma multinacional europeia, agora à escala mundial? São desafios, mas não necessariamente difíceis.

Difícil foi a COVID, porque extravasa a nossa capacidade de atuar. O desconhecido não era algo que podíamos colmatar com trabalho ou formação, e era-o à escala mundial. Esse foi o maior desafio enquanto profissional. As fábricas tiveram de continuar a trabalhar e não foi possível mandar ninguém para casa. Nos primeiros três meses com quem mais falei foi com os italianos, que estavam à beira da colapso, e ensinaram-nos muito do que experienciaram e aprenderam antes de nós. Houve momentos que tive medo, porque tinha que ver com doença e morte. Foi a primeira vez que ativamos e pusemos à prova os planos de contingência. Tínhamos um Comité de Emergência, quase de manhã à noite, porque as fábricas trabalhavam 24h por dia.


Mudamos a vida das outras pessoas quando compramos empresas. Proporcionamos a possibilidade dessas pessoas crescerem, às vezes até de estudarem, e transformamos as suas vidas. Deixar essa marca é maravilhoso. Levar capacidade de gestão, e proporcionar às pessoas a possibilidade de serem líderes da sua fábrica.

 

Qual o sucesso que lhe deu mais gozo conquistar?

Foram todos os crescimentos também, porque foram o resultado de processos complexos. Comprar uma empresa e convencer alguém do outro lado, que não nos conhece, a vender, e de que forma se vai vender, é desafiante. Neste sector quase não há falências, as pessoas não vendem por as empresas estarem em falência. As pequenas empresas que compramos são familiares. A maioria das vezes, preparamos uma compra durante três ou cinco anos. Sempre que conseguimos comprar uma empresa, é uma vitória para nós. A compra mais rápida foi a do México que demorou menos de um ano.

Outro sucesso foi quando, em 2007 (eramos pequenos, faturávamos 250 milhões de euros e não estávamos sequer na Polónia), achámos que podíamos comprar um dos maiores operadores do mercado, que faturava 4 biliões, e conseguimos montar uma operação para executar essa compra. Chamamos-lhe Operação Obelix. Eu era diretora financeira, estava envolvida nestes negócios, e este quase que o fizemos. Fomos capazes de “vender” a nossa história aos grandes private equities, que faziam fila para tentar perceber como é que a BA era a empresa mais rentável do setor, com uma grande diferença para os seus concorrentes. Tive um papel especial porque ajudei a construir a história de sucesso da BA, que ninguém conhecia.  Este tipo de desafios dão-me muito gozo, tal como transformar negócios, organizações e equipas.

Percebe-se que gosta de pessoas.

Gosto muito. As aquisições fazem uma coisa maravilhosa: mudamos a vida das outras pessoas quando compramos empresas. O mais satisfatório é que essas empresas são quase sempre pouco dotadas tecnologicamente, pouco automatizadas e as skills dos profissionais estão pouco desenvolvidas e nós proporcionamos a possibilidade dessas pessoas crescerem, às vezes até de estudarem, e transformamos as suas vidas. É isso que eu gosto na indústria, profissionalizamos, a fábrica ganha dimensão e as pessoas sentem orgulho. Deixar essa marca é maravilhoso. Levar capacidade de gestão, e proporcionar às pessoas a oportinidade de serem líderes da sua fábrica.

Quais as características de um bom líder?

Um líder tem de ser capaz de sonhar. Eu não acredito naquela ideia de que um bom líder tem de ser um grande visionário. Nem todos o são, mas todos têm de ser um pouco visionários, senão não criam uma história. Para liderar é preciso criar uma história, uma narrativa credível. O líder que não o fizer dificilmente vai construir algo. Os líderes para fazerem crescer e transformar têm de ser pessoas que conseguem imaginar uma coisa que não existe hoje. Colocar-se no futuro. Por exemplo, na BA começamos uma revolução no processo de manufacturing, porque ninguém quer trabalhar na indústria. Criámos a nossa própria visão do futuro, que é imaginar que um dia todas as fábricas vão poder ser operadas remotamente. Um líder tem de fazer os outros sonhar, de levar os outros a sonhar, porque são os outros que vão ajudar a construir esse algo – ninguém faz nada sozinho. Ter uma visão na sua cabeça não serve de nada, tem de a partilhar e ajudar os outros a construir aquele sonho.

Tem de ser empático. Não acredito em líderes mal-educados, pouco cívicos. Os líderes têm de criar empatia, para atrair os outros.

Tem de ser alguém que goste de risco. Não é que seja louco, mas que goste de viver com a incerteza. Hoje qualquer líder vive com incerteza. Se não lidar bem com a incerteza, vai gerar medo. Tem também de gostar de lidar com o risco, para conseguir gerar inovação e transformação.

E tem de ser uma pessoa transparente, com uma agenda clara e que todos entendam, para que a possam seguir. Tem de ser autêntico e honesto, embora não precise de contar toda a “verdade”, porque isso pode assustar as pessoas.

Tem de ser otimista para conseguir transformar. A transformação traz muitas dificuldades. O líder tem de olhar para a vida como um copo meio cheio, senão não segue em frente.

 

Quando ganhamos autoconfiança podemos desvalorizar riscos, perceções. Por vezes, o excesso de confiança e de experiência, pode dar lugar a uma certa arrogância. O líder com senioridade tem de saber ouvir os outros e estar atento para não fazer muitas asneiras.

 

Tendo liderado a BA durante tanto tempo, quais considera que são os seus pontos fortes?

Tenho algumas dessas características mais pronunciadas que outras. Há uma que me ajuda muito a criar sonhos: tenho muita curiosidade em saber mais e mais, e pergunto tudo. Vou para casa contente quando aprendi muito nesse dia. Gosto da indústria, porque há muito para aprender. Gosto de complexidade.

Sou uma líder empática. Um bocado dura, dizem, porque sou muito directa e transparente. Fui aprendendo a dosear, muito por causa das aquisições. Quando fomos para a Polónia ninguém me conhecia, não falo polaco e fui aprendendo ao longo da minha carreira a adequar a forma como comunico. Quando estamos numa posição de topo toda a gente olha para a nossa face. Influenciamos os outros com a expressão do nosso rosto. Quando estamos com uma equipa que acabamos de conhecer, como é agora o caso do México, não nos podemos comportar exactamente como com equipas com quem trabalhamos há mais tempo. É preciso adequar o discurso. Aprendi isso com a experiência. Vamos evoluindo como líderes.

Há uma outra evolução, que tem a ver com a nossa senioridade como líderes. Quando ganhamos autoconfiança podemos desvalorizar riscos, perceções. Por vezes, o excesso de confiança e de experiência, pode dar lugar a uma certa arrogância. O líder com senioridade tem de saber ouvir os outros e estar atento para não fazer muitas asneiras. A autoconfiança desenvolve-se com a experiência, a senioridade e eu também a tenho, e, por isso, tenho de fazer o exercício inverso, que é ter cuidado e estar muito atenta a sinais contrários.

Que erro cometeu enquanto líder?

Os maiores erros são quando nos enganamos em relação às pessoas, positiva e negativamente. Quando achamos que alguém não é capaz e, afinal, até foi. Tenho, muitas vezes, de dar o benefício da dúvida. Também já me arrependi do inverso: dei o benefício da dúvida, e eu é que tinha razão.

Más decisões com graves consequências, não tenho. Mas, já me enganei, aqui e acolá, no assessment que fiz das pessoas. Esta é talvez a função mais central de um líder, tem de fazer um bom assessment daquilo que uma pessoa consegue fazer hoje e no futuro. E nisto, há muito poucas certezas!

 

O papel de role model

O facto de ser mulher alguma vez dificultou ou facilitou o seu trabalho?

Às vezes, facilita. Quando comecei a trabalhar na banca, que era um setor muito masculino, fui a primeira mulher e mais jovem a ser gerente de um balcão. Isto era muito relevante na altura, mas eu não dava valor. Também quando cheguei à BA fui a primeira mulher a liderar uma fábrica. Fui sendo sempre a primeira em algumas coisas, mas nunca dei a isso grande importância. No entanto, que em muitas situações é preciso demonstrar mais pelo facto de ser mulher, é. Mais do que os homens. Na minha geração, foi preciso demonstrar muito, agora acho que já não. Houve um grande progresso.

Sente-se um role model para outras mulheres dentro e fora da empresa?

Sim, mais para as convencer que isso é ridículo, mas vai haver muitas mais role models. Em portugal, eas empresas industriais não há muitas mulheres nos boards que não tenham ligações familiares com os accionistas. O fato eu ter sido CEO e agora administradora pode ajudar a atrair outras mulheres para a indústria.

Há uma coisa que me dá muito gozo que é ver as mulheres que trabalham connosco noutros países, com mais bias de género, passarem a ser líderes e a ganhar muito dinheiro, mais que os homens e os seus maridos. É uma transformação social que dá muito gozo fazer.

É casada e tem um filho de 14 anos. Como é que integra estas várias facetas da sua vida, trabalhando numa indústria?

Viajo muito, quase todas as semanas, mas passo muitas noites em casa. Preparei-me para isso e organizei-me, quando tive o meu filho: deixei as tarefas domésticas para outra pessoa e garanti que o meu marido não teria de as fazer. Quando o meu filho tinha 4 meses, eu já andava a viajar e ele ficava com o pai. O Tiago é muito sociável, muito feliz e alegre. Nunca lhe menti sobre o dia do meu regresso das viagens. Quando cresceu começou a reclamar mais a minha falta em casa e chegou a dizer-me: “mãe não te podes despedir da BA?” Adaptei a minha vida para garantir que estou o máximo possível com a minha família. Ou seja, viajo de madrugada e garanto que estou em casa o máximo de noites possivel.

Muitas mulheres dizem que sentem culpa…

Não sinto, mas também não procuro aprovação social. A culpa vem muito da censura social. A minha família alargada tem orgulhoso na minha posição, mas o meu trabalho não é tema de conversa. Com os amigos falo do meu trabalho, mas também não lhes peço aprovação social. Faço o que tenho de fazer. E simplifico.

 

Gostava de ter sete vidas para poder experimentar. Mas como não vou poder fazer isso, vou vivendo esta, fazendo as minhas opções, mas não me arrependendo por aquilo que não fiz. Nunca senti que não fiz qualquer coisa por ter um filho ou porque tenho um marido e sou casada.

 

O que é fundamental para o seu equilíbrio?

A minha família. Apesar de adorar, quase não faço desporto, não tenho tempo. Entre ir ao ginásio ou estar em casa com o meu filho, prefiro ficar com ele. Quando estou muito stressada, gosto de caminhar ou ouvir música. Despejo a minha cabeça com o silêncio. O meu refúgio é estar na minha casa, com o meu filho e marido, e como são homens, nessa altura falam pouco, ouvem-me a mandar vir e não dizem nada. Distraio-me estando com pessoas. Não gosto de retiros. A cabeça e o corpo têm de andar alinhados, tenho muita preocupação com isso, e comer bem é fundamental. Como durmo pouco, compenso tendo alguma disciplina alimentar.

Ao longo da carreira, teve mentores que a tenham ajudado em momentos-chave?

Tenho pessoas com quem gosto de falar em momentos-chave. Quando comecei a transformação da empresa, falei com um turco que vive na Bélgica, uma pessoa que não está ligada ao negócio, mas tem uma visão descomplexada do mundo. Procuro sempre pessoas que estejam afastadas ou do país ou do negócio, que complementem as minhas ansiedades. Às vezes, também peço conselhos sobre a minha carreira a pessoas que estão fora deste circuito, normalmente são profissionais ou foram líderes internacionais, que me ajudam a descomplicar o que está mais complicado na minha cabeça. Alguns são mais mentores, no sentido em que os procuro sobre questões de liderança, de organização e preparação. Mas não tenho um mentor de vida.

Que conselho daria hoje a si própria quando estava a começar?

No início da minha carreira, era muito stressada por fazer tudo muito bem feito. Foi demais, não valia a pena. Hoje diria: “aproveita mais a viagem e preocupa-te menos com o momento. Sê um bocadinho menos perfecionista, menos exigente contigo.” Olhando para trás podia ter feito o que fiz, mas com mais tranquilidade e menos stresse. Hoje aproveito muito mais a viagem e o processo. É muito bom ter 50 anos.

Qual o talento que gostava de ter?

Cantar. Mas canto tão mal. O meu filho, que canta muito bem, escreveu um dia: “cantar alegra o coração.” E é verdade. As pessoas que cantam devem sentir a alma. Se eu cantasse bem, estaria sempre a cantar.

Qual a lição de liderança mais importante que aprendeu?

Consistência e exemplo. Os líderes têm de dar o exemplo na mais pequena coisa. Não podemos dizer que é preciso reduzir custos e cortar no orçamento, e depois viajar em 1.ª classe.

Elege algum livro que a tenha marcado?

Gosto de ler todo o tipo de livro e leio muitos livros de negócios. Quando era adolescente, os que mais marcaram foram os livros da Isabel Allende, que me ensinaram a gostar de romances. Escolho como livro de vida Outliers, de Malcolm Gladwell. Marcou-me pelo momento. Estávamos a discutir talento e diversidade e aquele livro foi tão claro, exemplificando que os talentos se desenvolvem. Foi dos livros mais elucidativos sobre desenvolvimento de competências coletivas e individuais.

Qual a sua máxima de vida?

Never regret. Nunca lamentar o que fizemos ou que não fizemos. Tenho sempre isso muito presente na minha vida. Detesto gente que se lamenta do que está a fazer ou que não fez. Tento construir a minha vida pessoal e profissional para nunca me arrepender.

Dito isto, gostava de viver sete vidas. E faria tudo diferente com elas.

O que é que faria de diferente nessas vidas?

Se calhar experimentava ser só mãe e ter 10 filhos, só para ver como era. Ser cantora.

Gostava de ter sete vidas para poder experimentar. Mas como não vou poder fazer isso, vou vivendo esta, fazendo as minhas opções, mas não me arrependendo por aquilo que não fiz. Nunca senti que não fiz qualquer coisa por ter um filho ou porque tenho um marido e sou casada.

O meu maior exemplo é o meu pai, que já cá não está, que nunca se queixou daquilo que não tinha, e às vezes não tinha mesmo, e sempre foi uma pessoa feliz.

Orgulho-me de ter chegado onde cheguei. Mais do que me orgulhar, gosto muito do que faço. Sei que os cargos são efémeros e que não seria CEO a vida toda. O que vai ficar é o gosto em fazer aquilo que faço. É disto que me vou lembrar quando olhar para trás.

O que é para si ser bem-sucedida?

É impactar os outros positivamente. Ir fazendo um bocadinho a diferença na vida dos outros. O meu marido diz que eu deveria ter sido missionária. Gosto muito de negócios, mas gosto muito de transformar, de poder ajudar. Isso dá-me muita satisfação.

Qual o conselho que daria às mulheres que querem chegar a cargos de liderança ou ao seu lugar?

Tenham muita curiosidade e, para quem está a começar, alguma capacidade de sacrifício. Se alguém quer ser líder, quer servir de exemplo e quer ser inspirador, tem de ter capacidade de se sacrificar, no sentido de aumentar o seu conhecimento para dá-lo aos outros. É uma forma de estar na vida.

Outra forma de estar na vida, que está muito na moda, é o conceito self: “eu quero o bem para mim.” Os jovens fazem muito o exercício de self fulfillment, e quando falo com eles digo-lhes que ser líder é dar aos outros, conhecimento, ferramentas, apoio, ou conselhos. Mas para darmos é preciso aprendermos. Preocupam-me as teorias e programas de self-fulfillment, que servem um propósito individual, e o propósito não pode ser só atingir o meu equilibro, porque o meu equilíbrio existe num contexto. Temos de aprender a viver em equilíbrio no desequilíbrio colectivo, social, não num equilíbrio hermético, na ‘bolha’.

A vida dos jovens está muito suportada em tecnologias e para muitos o relacionamento social é mais complicado. A competência futura mias importante vai ser a competência social, relacional, porque vai ser cada vez mais rara. Quem conseguir crescer nesta competência, daqui a 10 anos vai ser líder onde quiser, a fazer e a ganhar o que quiser.

 

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A Executiva a entrevistar Sandra Santos no seu gabinete, da BA Glass.

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