Ana Alves: “Não temos o objetivo de quota de mercado. Temos um objetivo de quota de estômago”

A Cozinha Continente chegou, há dois anos, ao mundo da comida pronta e à mesa dos portugueses. Ana Alves, Head of Food Solutions, da MC, revela que a prova foi superada com distinção, com um crescimento de duplo dígito no volume de negócio, e explica o processo por detrás do sucesso desta nova aposta da marca, que promete ser “de toda a gente.”

Ana Alves é Head of Food Solutions, da MC.

“No dia em que me sentei no primeiro restaurante Cozinha Continente que abrimos em Vila Real, e provei o que estávamos a entregar, fiquei convencida que tínhamos um grande futuro pela frente”, explica Ana Alves, Head of Food Solutions da MC, mostrando orgulho no sucesso desta nova marca que, desde que chegou às lojas, há dois anos, regista um crescimento de duplo dígito nas vendas do negócio, conseguido sobretudo pela taxa de repetição, “o que significa também que há muita gente que não provou e que ainda temos muito estômago para conquistar.” Afirma que a maior procura dentro das refeições prontas tem sido especialmente acelerada nos balcões de atendimento, “onde crescemos 40% em volume de refeições”, destacando que nos restaurantes “temos todos os meses alcançado recordes de vendas.”

Para Ana Alves, estes resultados espelham a proposta de valor apresentada pela marca e o trabalho que foi feito na melhoria de mais de 100 receitas, em nutrição e sabor, garantindo que “os números vêm comprovar que a nossa aposta na qualidade estava certa.” Antecipa, ainda, que vão chegar em breve novos espaços de restauração.

 

A Cozinha Continente, esta nova marca de refeições prontas da MC, nasceu em 2022, com a abertura do primeiro restaurante, em Vila Real, a que se seguiram mais três, em Viseu, Telheiras e Amadora.  O que levou à sua criação?

A nossa abordagem ao mundo da comida pronta é diferente da de outros players.  Sabemos que, em retalho, ter razão antes de tempo pode matar bons negócios. Em alguns países, a adoção de opções de comida pronta começou muito cedo. Espanha é um exemplo disso: já há 20 anos, era normalíssimo consumir refeições prontas. Em Portugal foi mais difícil. Culturalmente, olhamos para a comida de outra forma. Por um lado, com todo o respeito pelo tema gastronómico e pela tradição e, por outro, como um momento de família. Por isso, entregar uma refeição completamente pronta, que apenas é necessário colocar no micro-ondas, é uma ideia a que os portugueses tinham dificuldade em aderir, o que atrasou a adoção deste tipo de soluções. Ao longo dos anos este mito tem caído por terra. Por um lado, desencadeado pela procura, porque as novas gerações têm menos competências culinárias e menos tempo para cozinhar. Por outro lado, pela oferta, porque apesar de o mercado ainda não estar maduro, a verdade é que o retalho foi oferecendo refeições e soluções para estimular esta opção.

A pandemia trouxe um volte-face. Quando ficámos confinados em casa, todas as plataformas de entrega de comida pronta dispararam e foi uma oportunidade também para outras soluções, muito mais económicas, com soluções de refeições mais em conta e que não implicam o pagamento de taxas de transporte. No retalho, foi possível perceber que as soluções que já tínhamos entregavam aquilo que a pessoa queria. Mas queríamos mais e achámos que estava na altura de entregar uma melhor proposta de valor. Passámos um ano a estudar o mercado e a adquirir as competências gastronómicas de que precisávamos. Reforçámos a nossa equipa com o conhecimento do chef André Matos, chef executivo da Cozinha Continente, que constituiu a sua equipa. Depois, olhámos para tudo o que existia no mercado, dentro e fora do país, e construímos a nossa proposta.

Somos uma máquina de retalho, mas precisamos também de ter humildade para perceber que, nesta matéria em concreto, a qualidade é chave. É claro que é importante que o preço seja competitivo, e que se comunique e dê a conhecer. Mas dos três eixos – preço, qualidade e comunicação/visibilidade -, escolhemos privilegiar a qualidade. Percebemos que não ia ser o mais imediato, que não ia trazer um boom de vendas repentino, mas cada estômago conquistado ia ficar fiel. E foi o que aconteceu. Acreditamos muito na estratégia que adotámos. Decidimos, de forma muito atrevida, apresentar a nossa primeira proposta em Vila Real, que é uma terra onde se come muito bem e muito barato. Na altura, tínhamos outras opções possíveis, noutras lojas que estávamos a remodelar, mas escolhemos esta, porque se vingasse em Vila Real era seguro que vingaria no país inteiro.

 

Com a abertura de novos restaurantes, como se garante a uniformidade dos pratos que são servidos?

A tecnologia é um aliado. Temos os melhores equipamentos e os melhores processos para garantir não só a segurança alimentar, mas também que extraímos o melhor dos alimentos. Os nossos fornos são muito modernos e garantem que mesmo que mude a equipa que está à frente do forno, a comida sai sempre no ponto. Quer vá a Telheiras ou à Amadora, quer vá no verão ou no inverno, se pedir um bife à portuguesa, o corte da carne é o mesmo e vem sempre no ponto certo, A qualidade dos ingredientes é muito importante, mas o processo e o equipamento que o confeciona é igualmente importante.

 

Somos uma máquina de retalho, mas precisamos também de ter humildade para perceber que, nesta matéria em concreto, a qualidade é chave. Mas dos três eixos – preço, qualidade e comunicação/visibilidade -, escolhemos privilegiar a qualidade. Percebemos que não ia ser o mais imediato, que não ia trazer um boom de vendas repentino, mas cada estômago conquistado ia ficar fiel.

 

Como pretendem expandir a marca?

Acreditamos que faz sentido expandi-la, não isoladamente, mas como uma proposta integrada. Faz sentido ter um restaurante como o de Telheiras [onde a Executiva realizou esta entrevista] onde já há tráfego e clientes para este formato completo e integrado com o take-away. Os grandes hipermercados vão, naturalmente, seguir esta expansão. A nossa ambição é abrir dois restaurantes por ano. Vamos abrir no Seixal, ainda este ano, e há mais dois previstos para 2025.

 

Significa, então, que a Cozinha Continente não vai ser massificada para todas as lojas?

Não se pode massificar algo com este patamar de qualidade. O objetivo é entregar a consistência na qualidade e facilitar a vida dos portugueses, não é ter mais um restaurante ou um restaurante mais barato, mas sim garantir conseguimos ter toda a oferta que produzimos na nossa Cozinha na casa do cliente. Temos trabalhado para ter refeições de qualidade, como se fossem feitas em casa, e para ter variedade para que o Cliente possa intercalar e diversificar. O objetivo da Cozinha Continente não é sobrepor-se aos momentos em que queremos cozinhar para a família ou para os amigos, é ser a escolha certa para todos os outros dias, que são a maioria, em que precisamos de alguém que ajude para podermos entregar, com a mesma segurança, uma dieta equilibrada, e sem complexos de culpa, à família.

 

A Cozinha Continente apresenta agora mais de 100 receitas, e mais de 20 novidades revistas. Como é feito o processo de escolha destas refeições e o que procuram privilegiar?

Hoje, temos um grande aliado que se chama Co-Lab. É o nosso centro de co-inovação, na Amadora, que nasce da parceria que estabelecemos com os próprios clientes. Ali, ouvimos não só o que os clientes mais procuram, como também vamos ajustando as receitas em função das suas respostas. Neste laboratório, temos a possibilidade de os levar a fazer provas-cegas, de os acompanhar ao linear da loja ou de os levar a almoçar no restaurante. Os comportamentos são sempre diferentes nestes vários sítios. O que uma pessoa diz em sala é diferente do que valida em prova-cega, e é diferente do que escolhe em linear, o que nos ajuda a perceber o que é preciso desenvolver para ir ao encontro dessas pretensões.

Outra coisa que saiu também do estudo de cliente é “quero ser eu a finalizar a confeção de um prato.” Percebemos que há refeições que o cliente quer completamente prontas; outras, em que precisa só de cinco minutos para as aquecer no local de trabalho; e ainda há aquelas em que pode finalizá-las, em casa como, por exemplo, o Bacalhau à Brás, por causa da cremosidade do ovo. Estas 100 receitas têm duas componentes muito importantes. Uma foi a pesquisa da receita tradicional e, a outra, a substituição de ingredientes por outros que cumpram com os requisitos estipulados por uma nutricionista, num trabalho de mãos dadas entre o chef André Matos e a nutricionista Mayumi Delgado. Por exemplo, mudamos quatro ou cinco vezes as receitas até conseguirmos, em provas-cegas com o cliente, garantir o equilibro no ponto de sal. As ervas aromáticas foram um grande aliado para se conseguir estar em patamares mínimos, em comparação com a concorrência. É preciso muito trabalho para conseguir garantir a qualidade de refeição tão simples como uma sopa.

 

Sabemos que não é no retalho que está a maior fatia do desperdício alimentar que existe no planeta. Temos um respeito muito grande pela comida, não só pelo custo, mas pelo combate ao desperdício. A marca quer assumir-se como uma marca de desperdício zero.

 

A perceção dos portugueses sobre como alimentar-se de forma saudável e optar por alimentos mais amigos do ambiente aumentou muito nos últimos anos. De que forma é que esta marca acompanha a tendência de consumo e de mudança nos hábitos alimentares?

Há dois temas muito críticos quando pensamos na dieta do planeta. Por um lado, que seja nutricionalmente equilibrada para o consumidor, mas que não prejudique a renovação do planeta e as suas capacidades de produção. Por outro, a questão do desperdício alimentar: até que ponto não estou a usar mais do que preciso e a impedir outros de acederem, a um preço justo, àquilo que desperdiço? Começo por este último. Sabemos que não é no retalho que está a maior fatia do desperdício alimentar que existe no planeta. Desenvolvemos produtos para que as doses estejam ajustadas às necessidades dos clientes. Ou seja, tanto nos ingredientes, como no produto acabado, a Cozinha Continente tem a vantagem de reduzir o desperdício alimentar em casa do consumidor. Do ponto de vista dos nutrientes, é uma dieta equilibrada. Temos uma lista negra de ingredientes que não aceitamos. E temos outros que usamos em doses muito controladas, nomeadamente, o açúcar, o sal e as gorduras. Sobretudo as saturadas. A parceria entre a nutricionista e o chef é muito importante. A base é a dieta mediterrânea e conseguimos ter uma oferta alargada e diversificada que permite não limitar a escolha do cliente. Procuramos não dar só comida de dieta, nem dar só comida de conforto.

 

Falou na questão do desperdício das famílias. E como é que a Cozinha Continente lida com os desperdícios que tem? O que fazem a todos os alimentos de validade ultracurta, que já não podem ser consumidos?

Temos um valor de quebra já bastante baixo. Não massificamos a exposição durante todas as horas. Por exemplo, quando estamos perto da hora de almoço, temos a comida que é servida em banho-maria toda exposta. A partir das 14h, reduzimos a exposição. Continuamos a ter disponível, por exemplo, os grelhados e as pizzas que, como são feitos ao momento, não geram desperdício. Este é um tema que é sensível em retalho. Preferimos, em determinadas alturas, ter rutura do que excesso. Temos um respeito muito grande pela comida, não só pelo custo, mas pelo combate ao desperdício. A marca quer assumir-se como uma marca de desperdício zero.

 

 Consegue quantificar o vosso desperdício?

Um restaurante, como o de Telheiras, chega a ter 2% de desperdício, o que é muito reduzido, porque tem muita rotação. É um tema de gestão e que tem que ver com o nosso propósito, os nossos valores e o nosso compromisso. Para isso investimos em modelos de aprovisionamento mais robustos, que nos ajudem também a controlar as contas.

 

Ana Alves: “A nossa ambição é abrir dois restaurantes por ano. Vamos abrir no Seixal, ainda este ano, e há mais dois previstos para 2025.”

Ana Alves: “A nossa ambição é abrir dois restaurantes por ano. Vamos abrir no Seixal, ainda este ano, e há mais dois previstos para 2025.”

 

As refeições prontas são uma tendência cada vez mais enraizada nos grupos do retalho alimentar. Já nos referiu que não foram na corrida, atrás de todos. O que é que a nova marca Cozinha Continente traz de novo a este segmento e como se diferencia dos outros players que já existiam no mercado?

Não fomos, nem vamos, atrás de todos. E a nossa proposta é diferente. Em primeiro lugar, olhamos para este tema da comida pronta, não na lógica da restauração. Ou seja, a restauração existe para fazermos prova daquilo que estamos a fazer. Temos de entregar a solução completa ao cliente e acreditamos que a solução da comida pronta no dia a dia não vem do restaurante, vem dos nossos lineares. Continuamos a ser o sítio onde o cliente encontra tudo. Não nos tornámos numa cadeia de restaurantes. Continuamos a ser um hipermercado. Queremos entregar a melhor solução de comida pronta aos portugueses e achamos que o restaurante é uma montra que vamos ter nos locais onde temos tráfego, e à velocidade que a consistência de qualidade permitir ter nesses restaurantes.

O que antecipamos para o futuro é que será indiferente para o cliente entrar na nossa loja ou na de um concorrente para comprar um detergente. Mas quando vem comprar comida pronta, já é diferente. A nossa receita de bacalhau espiritual, por exemplo, não é a mesma da do meu concorrente, e a sua qualidade é o que faz com que frequente a nossa loja em detrimento de outra. Temos muita coisa em pipeline, mas sabemos que a pressa é inimiga da perfeição e nós vamos focar-nos sempre na excelência.

 

A campanha da Cozinha Continente foca-se num novo capítulo desta marca que promete ser “de toda a gente.” Esta democratização da comida é o segredo do sucesso da marca?

Sem dúvida! A nossa marca encaixa na perfeição na plataforma genérica de comunicação do Continente e na nossa ambição de democratização da boa comida. Não só queremos ser para todos os clientes, o que por si só já nos obriga a ter uma abrangência, do ponto de vista da oferta, muito grande. Como também percebemos que o cliente não quer sempre a mesma coisa, nem sempre da mesma forma. E a Cozinha Continente tem isso! Não só na gama que oferece, desde os pratos vegetarianos às refeições ao vapor, dos pratos étnicos, aos pratos tradicionais, como o cozido à portuguesa. Tem essa diversidade que não exclui ninguém, porque garante tudo isto a um preço democrático. Por isso, é para todas as pessoas e para a mesma pessoa em situações diferentes. A mesma pessoa, tem em momentos diferentes, necessidades diferentes, e temos de ser capazes de entregar valor consoante essas necessidades.

 

Nos restaurantes, temos todos os meses alcançado recordes de vendas. Crescemos 40% em volume nas refeições que vendemos em balcões de atendimento. O livre serviço continua a crescer a duplo dígito.

 

Que balanço faz dos resultados alcançados neste segmento da cozinha pronta, até agora, e que planos estão previstos para este ano?

No dia em que me sentei no primeiro restaurante que abrimos e provei o que estávamos a entregar, fiquei convencida que tínhamos um grande futuro pela frente. E não temos defraudado. Os números vêm comprovar que a estratégia do foco na qualidade estava certa. Nos restaurantes, temos todos os meses alcançado recordes de vendas. No restaurante de Telheiras, por exemplo, chegamos a servir 500 almoços. Crescemos 40% em volume nas refeições que vendemos em balcões de atendimento. O livre serviço continua a crescer a duplo dígito.

 

Nestes dois anos, desde que nasceu a marca, até agora, qual foi o volume de crescimento?

De duplo dígito, também. Estamos a falar de mais de 20 por cento em volume, em 2 anos, o que superou as nossas expectativas. O que mais nos deixa satisfeitos é que muito do nosso crescimento vem da taxa de repetição. O que significa também que ainda há muita gente que não provou e ainda temos muito estômago para conquistar. Não temos o objetivo de quota de mercado. Temos um objetivo de quota de estômago. Queremos, não só, todos os estômagos, mas cada vez mais fatias desse estômago. Não queremos captar só o jantar, queremos o jantar e o almoço. Queremos ter o Natal e a Páscoa.

 

O que mais nos deixa satisfeitos é que muito do nosso crescimento vem da taxa de repetição. O que significa também que ainda há muita gente que não provou e ainda temos muito estômago para conquistar.

 

O Continente tem uma área de inovação alimentar, em que desenvolvem novos produtos (por exemplo, produtos à base de insectos). Algum deles já entrou no mass market, ou seja, nos restaurantes?

Não o produto, mas os ingredientes, sim. O chef André tem feito algumas experiências, muitas ligadas às algas, por exemplo, sobre como é que podemos temperar e acrescentar, ou nutrientes ou tempero, beneficiando de um maior equilíbrio nutricional. Mesmo não comunicando, há muita coisa que já fazemos com base nessa inovação. Há processos de confeção que permitem ter um melhor resultado, mas também há ingredientes que fazem esse caminho. A salicórnia, por exemplo, é um produto que ainda não está muito divulgado e que já usamos em algumas receitas, para reduzir a quantidade de sal que é adicionada.

 

Que iniciativas tem desenvolvido a MC para educar o paladar dos portugueses e promover a literacia alimentar?

É algo que me toca também bastante, porque durante anos estive muito envolvida nesses processos. Portugal tem uma estratégia integrada para a promoção da alimentação saudável, que nem todos os retalhistas subescreveram, infelizmente. Mas que nós não só subscrevemos, como quisemos liderar. Durante quatro anos, fizemos um caminho de redução de sal, açúcar e gorduras, em produtos muito consumidos pelos clientes. A redução de açúcar nos iogurtes ou de sal na sopa são alguns exemplos. Podemos comer de tudo, não podemos é comer na quantidade exagerada que comemos hoje, e temos de diversificar. A alimentação tem de ser mais equilibrada, não só para cada um de nós, enquanto consumidor, mas também para o planeta, que não aguenta produzir tantos alimentos.

Do ponto de vista da literacia, continuamos a investir na simplificação dos rótulos, sendo importante educar e ajudar a lê-los, para trazer essa tranquilidade e a confiança das pessoas. Este é um caminho que tem sido bem-sucedido.

 

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