Raquel Santos: Como assumir a liderança da empresa ao lado do pai e do avô

Raquel Santos é a quinta geração da família no negócio fundado pelo trisavô, em 1896, e a primeira mulher na liderança. A sua entrada no negócio foi sendo preparada pela família, só Raquel não percebeu os sinais. Lidera a produção mundial de formas para pastelaria e panificação e dá cartas num setor ainda predominantemente masculino, mas tem muito respeito pelo passado: "se a empresa chegou onde está, foi pelo mérito de quem cá estava antes".

Raquel Santos é administradora de A Metalúrgica Bakeware Production.

Raquel Santos é administradora e CEO da empresa A Metalúrgica Bakeware Production, que a partir de Valongo é a líder mundial na produção de formas para a pastelaria e para a panificação a nível doméstico, profissional e até industrial. É a quinta geração da família no negócio fundado pelo trisavô, em 1896, e a primeira mulher na liderança. Apesar de este ser um setor ainda muito masculino, Raquel Santos é também vice-presidente da AIMMAP – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal. Criou também o projeto Workability para ajudar à integração de jovens autistas no mercado de trabalho através da Rede Mulher Líder.

 

Formou-se em Psicologia e assim que terminou o curso entrou na empresa da família. Não é a formação mais óbvia para quem vai assumir a liderança de uma empresa. Entrar na empresa logo de seguida fazia parte dos seus planos ou aconteceu sem esperar?

Para mim, aconteceu sem esperar. Tirei o curso de psicologia na FPCEUP (com pré-especialização em Psicologia do Trabalho e das Empresas) e imaginava que o meu futuro passaria por essa área.

Então numa noite, algures em 2005 e quase a terminar a licenciatura, o meu pai perguntou se eu gostaria de ir trabalhar para a empresa, uma vez que me via como potencial futuro, já que sempre mantive ligação à empresa. Na altura fui absolutamente surpreendida pelo convite, mas pensando agora, vejo que os verões a trabalhar na área administrativa, desde os 12 anos, e as idas às feiras internacionais com 16 anos, já me preparavam dissimuladamente para o que aí vinha… eu é que ainda não sabia.

Como é que se preparou para assumir a liderança da empresa?

Fui observando, ouvindo e estando atenta. A formação na área da Psicologia traz-me alguma facilidade na gestão dos recursos humanos, sendo que me faltava tudo o resto que é necessário para a gestão da empresa. Estudei muito, fiz imensas formações e nunca parei de o fazer. A última formação em que investi foi no PADE (programa de alta direcção de empresas) da AESE e sinto que com esta formação dei um salto muito significativo nas minhas competências de gestão.

 

Eu tinha 23 anos quando fui “empurrada” para os eventos públicos, por norma cheios de senhores de fato e gravata e ar muito sério. A dada altura toda a agente sabia o meu nome e qual era a minha empresa e tinham interesse em falar comigo, o que me permitiu aprender muito. Ora com a veia curiosa, com a humildade e a vontade de saber mais, agarrei a oportunidade e isto fez-me crescer pessoalmente e profissionalmente.

 

Como é que foi começar a liderar a empresa ainda com o pai e o avô presentes?

O processo foi gradual e muito lento. Eu comecei por assumir a área comercial, a área de qualidade e a representação da empresa em eventos formais. Sempre fui muito humilde e respeitadora das gerações anteriores e isto transmitiu confiança ao meu Pai e ao meu Avô, que lentamente me foram deixando ir mais longe.

Claro que ouvi várias vezes um “tá caladinha que eu é que sei”, do meu avô. E, de vez em quando, um “faz assim porque eu te digo” do meu pai. Mas como sou curiosa e teimosa fui fazendo e dizendo, sempre com respeito e, acima de tudo, com evidencia de competência.

Sinto que este último ponto foi muito importante para me conseguir afirmar. Não é só fazer. É fazer bem e assumir responsabilidades.

Teve de aprender a afirmar-se no seio da família, dentro da empresa, mas também fora dela, com os clientes e fornecedores, pois está num setor ainda muito masculino. Como conseguiu conquistar o respeito de todos sendo jovem e mulher?

Eu tinha 23 anos quando fui “empurrada” para os eventos públicos, por norma cheios de senhores de fato e gravata e ar muito sério. E eu novinha, com cara de menina e sorriso rasgado, destacava-me dos restantes. A dada altura toda a agente sabia o meu nome e qual era a minha empresa e tinham interesse em falar comigo, o que me permitiu aprender muito. Ora com a veia curiosa, com a humildade e a vontade de saber mais, agarrei a oportunidade e isto fez-me crescer pessoalmente e profissionalmente.

Quais as principais lições que aprendeu dessa experiência?

Aprendi que não devemos ter medo e que os desafios são oportunidades. Aprendi que o género não dita quem somos e que há espaço para todos. Aprendi que temos de lutar para sermos bons. Aprendi que temos de nos afirmar pela evidência da competência. Aprendi que a humildade é uma força. Aprendi que temos de saber respeitar e integrar as gerações. Aprendi que às vezes temos de dar o braço a torcer e que está tudo bem, porque os erros fazem-nos crescer.

 

O meu pai é o meu grande mentor e inspirador. Num dos primeiros dias ensinou-me que “Não é importante ganhar muito. É importante ganhar sempre.” E mostrou-me como o respeito e a amizade que se criam com os clientes e fornecedores são as bases da persistência do negócio, já que os negócios só fazem sentido se todos ganharmos em conjunto.

 

Qual o melhor conselho de carreira que recebeu e de quem?

O meu pai é o meu grande mentor e inspirador. Num dos primeiros dias ensinou-me que “Não é importante ganhar muito. É importante ganhar sempre.” E mostrou-me como o respeito e a amizade que se criam com os clientes e fornecedores são as bases da persistência do negócio, já que os negócios só fazem sentido se todos ganharmos em conjunto. O fornecedor tem de ganhar dinheiro, eu tenho de ganhar dinheiro e o meu cliente tem de ganhar dinheiro. Se todos nos respeitarmos e praticarmos preços justos, crescemos juntos e vamos mais longe.

Quais os principais desafios que o seu setor enfrenta atualmente com a conjuntura de instabilidade que se vive – custos de matérias-primas, de transportes… -, mas também com as preocupações com a sustentabilidade?

O aumento do custo das matérias primas, na ordem dos 200% que se viu aquando do inicio da guerra, impactou severamente os preços praticados. Como trabalhamos por projecto, conseguimos ir ajustando os valores à situação do mercado e conseguimos superar.

Quando veio a crise energética, felizmente não sentimos um impacto tão forte já que há 10 anos que começamos a implementar painéis solares e temos muita capacidade produtiva, alcançando por vezes 100% de autonomia. Decidimos investir na produção da energia solar muito antes de se falar de crises ou de haver apoios para tal, apenas porque procuramos encontrar formas naturais e rentáveis de produção da energia de que precisamos para trabalhar. Nem imaginávamos na altura quanto iriamos lucrar com este investimento.

Mas mesmo antes disso, sempre tivemos muitas preocupações ambientais. Quando construímos as instalações actuais, em 1994, já fizemos o edifício (6.300m2) com total isolamento térmico e acústico, estando inseridos numa área total de 25.000 m2, caracterizada por um jardim invejável e que foi plantado à mão pelo meu Pai, o que significa que temos um espaço exterior extenso e verde.. Aqui respira-se ar puro e até, por vezes, passam coelhos e raposas nos nossos terrenos.

Como está a A Metalúrgica a preparar-se para durar, pelo menos, mais 128 anos?

Actualmente, estando a 5ª geração em plenas funções e sendo a 6ª geração ainda muito pequena (entre os 2 e os 12 anos), procuramos profissionalizar a gestão da empresa para assegurar o seu futuro, independentemente do que as gerações futuras possam querer.

A empresa está bem equipada com tecnologia que nos permite responder em tempo útil aos pedidos dos clientes, tendo ainda capacidade de multiplicar a produtividade se necessário, seja pela integração de mais recursos humanos, ou mesmo pelo investimento em novos equipamentos.

Fazemos um trabalho muito próximo com os clientes, com os fornecedores, com os colaboradores e com os prestadores de serviços, procurando estar sempre rodeados dos parceiros certos.

E procuramos ainda estar atentos ao mercado e às suas oscilações, no sentido de nos prepararmos para surpresas futuras.

 

Será que alguma vez o meu trisavô pensou que 128 anos depois a sua pequena metalurgia ainda estaria cá? E o meu bisavô, que ia deixar morrer a empresa porque só tinha duas filhas e “as mulheres não são para a indústria”… Já o meu avô, dizia que “a Raquel é formidável!”.

 

Qual a realidade da presença feminina em cargos de direção e de liderança na sua empresa e o que tem feito para que cada vez mais mulheres progridam internamente?

A entrada de mulheres na área fabril começou em 1995, quando mudamos para estas instalações que têm um balneário feminino. E desde então nunca paramos de crescer em número aqui dentro.

Hoje somos quase 50% e temos mulheres em todas as funções e em todos os níveis hierárquicos.

Nunca fizemos qualquer distinção no que concerne as retribuições, prémios ou oportunidades de carreira com base no género. É sempre com base no mérito, pelo que se trata de uma evolução natural, já que abrindo as portas, independentemente de ser homem ou mulher, se quiser e tiver competência, chega lá.

Que conselhos deixa a uma jovem de quem se espera que venha a liderar a empresa familiar?

Respira e não pira! Não é fácil trabalhar com a familia e é preciso ter muito respeito pelo caminho que foi traçado até chegarmos cá. Às vezes parece que foram feitas coisas muito mal e que vemos tudo com clareza, mas há que ver que se a empresa chegou onde está, foi pelo mérito de quem cá estava antes.

Gosto de imaginar o que pensa o meu trisavô…. Será que alguma vez pensou que 128 anos depois a sua pequena metalurgia ainda estaria cá? E o meu bisavô, que ia deixar morrer a empresa porque só tinha 2 filhas e “as mulheres não são para a indústria”… Já o meu avô, dizia que “a Raquel é formidável!”.

O meu Pai é o Presidente do Conselho de Administração e foi-se sentindo cada vez mais confiante para largar as funções executivas. Eu sempre lhe pedi ajuda, conselhos, opiniões, orientações e com isto senti-me cada vez mais segura nas minhas decisões que progressivamente são tomadas mais autonomamente. Já me disse que se sente tranquilo e isso é o melhor elogio que eu podia ouvir.

Eu sinto muito orgulho e uma imensa responsabilidade, e espero levar a empresa ainda mais longe.

 

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