Manuela Vaz é a primeira mulher presidente da Accenture Portugal, a empresa onde entrou há mais de 25 anos, depois de se formar em Engenharia de Sistemas e Informática, pela Universidade do Minho. Diz que o cargo que ocupa desde o ano passado é “o culminar de uma carreira, quase toda nesta consultora” e que o facto de ser mulher “é só a cereja no topo do bolo”, orgulhando-se de poder contribuir, pelo seu exemplo, para que outras mulheres “achem que é possível, que podem e devem chegar onde pretendem”. Manuela Vaz tem nas suas mãos o desafio ambicioso de “continuar a aumentar a quota de mercado e ser cada vez mais relevante”, que está a superar com distinção, revelando sem falsas modéstias que “estamos a ser capazes de exceder expetativas ao nível do crescimento”. Confessa que há um caminho a percorrer e que “ainda não estamos onde gostaríamos”, sendo um trabalho em contínuo garantir que as equipas se sintam felizes e acompanhadas, porque “sem pessoas não fazemos negócios.” Não tem dúvidas de que as novas tendências na tecnologia vão impactar os negócios e redesenhar a forma como trabalhamos, e que a mudança “vai ser muito rápida”. Apesar de ter uma visão otimista, “ainda não chegámos ao ponto de substituir tudo o que as pessoas fazem”, admite que muitas tarefas vão ser automatizadas, algumas funções vão desaparecer, e outras novas surgirão, “faz parte do progresso.”
Fala com inegável orgulho da cultura de conciliação entre a vida pessoal e profissional e das medidas que reforçou para que nenhuma mulher da empresa tenha necessidade de tomar uma decisão idêntica à sua, quando saiu da Accenture, após o nascimento de um dos filhos, por sentir que dificilmente conseguiria conciliar.
Garante que as novas gerações de profissionais que lidera adaptam-se mais facilmente e aprendem mais rápido, considerando essencial quebrar velhos tabus sobre a forma como as mulheres continuam a ver a tecnologia. “Não é um mundo masculino, na Accenture, quase metade dos nossos colaboradores são mulheres, e o futuro das empresas, dos negócios, é construído com o apoio da tecnologia e não substituído por tecnologia.”
O que significa para si ser a primeira mulher a dirigir a Accenture em Portugal?
Significa naturalmente uma realização e um passo mais. O facto de ser uma mulher é só a cereja no topo do bolo. Eu fiz praticamente toda carreira na Accenture, pelo que liderar agora a organização é o culminar de todo o trabalho que foi feito ao longo deste tempo. O facto de ser mulher a liderar uma empresa muito ligada à tecnologia é importante, pois sabemos a dificuldade que é levar mulheres para a tecnologia. Tenho tido reações muito interessantes nesse sentido, de que é possível e que se consegue fazer e conciliar.
Fico satisfeita com o facto de poder contribuir para que outras mulheres acreditem que é possível chegar onde ambicionam.
Sente essa responsabilidade de ser um role model?
Sinto e fico satisfeita com o facto de poder contribuir para que outras mulheres acreditem que é possível chegar onde ambicionam.
Que role model é que teve para si?
Não sei se tive um role model, tive sim três ou quatro pessoas que, em momentos distintos da minha carreira, marcaram a diferença, homens e mulheres, porque me deram a oportunidade na altura certa, ou porque tinham características que eu achava que eram as que devíamos ter.
Como se chega a CEO
Era algo que ambicionava no início da sua carreira? Funções de liderança atraiam-na ou não?
Funções de liderança atraiam-me, não esta em particular. Sempre gostei de liderar equipas, projetos, à medida que fui crescendo e tendo responsabilidade acrescida. Liderar a Accenture em si, nunca foi algo, que até há pouco mais de um ano, me tivesse sequer passado pela cabeça. Não era, na altura, aquilo que me movia.
Como é que surgiu o convite? Candidatou-se ou foi escolhida?
Antes de assumir o cargo atual de presidente da Accenture em Espanha e Portugal, Mercedes Oblanca era responsável pela área que inclui os setores de retalho, bens de consumo, transportes e indústria, a área que eu tinha a meu cargo em Portugal. Por essa razão trabalhávamos juntas já há algum tempo e quando foi convidada para assumir o cargo atual, desafiou-me para ser a responsável em Portugal. Além de me conhecer bem e existir um sentimento de confiança, sempre trabalhávamos bastante bem em conjunto, pelo que quando construiu a equipa, convidou-me para liderar em Portugal.
Além da confiança, que outras competências é que considera que foram decisivas para a trazer até este cargo?
Não sou uma pessoa de dar feedback amiúde, de dizer o que faço ou não faço ou de prestar contas em permanência. A determinada altura, recordo-me de ter justificado à atual Presidente de Ibéria que a minha maneira de trabalhar era assim, e ela disse-me uma coisa, que retive: “Não te preocupes, porque já me apercebi de que sempre que te pergunto alguma coisa, tu sabes exatamente o que se passa, como é que as coisas estão e como é que vão evoluir. E isto é tudo o que eu preciso, é saber que desse lado, estás a controlar o negócio e se houver alguma questão, eu sei que tu também me dizes.” Aliás, tínhamos um código, heads up, no título de mensagens, quando eu queria que ela ficasse atenta, porque eventualmente poderia acontecer algo. Era mais uma forma de nos relacionarmos. Quando havia algo que eu achava que ela tinha de saber, informava-a; mas na gestão corrente do negócio, fazia-o apenas nos momentos de prestar contas, e não mais do que isso. Ela adquiriu uma confiança na minha forma de trabalhar e quis transpor isso para o nível do país.
Além de crescer em Portugal, queremos e temos vindo a desenvolver competências diferenciadoras para exportar e conseguirmos servir outros clientes fora de Portugal.
Que missão é que lhe foi entregue e quais os principais desafios que tem em mãos?
Neste momento, temos o desafio de trabalharmos como uma empresa integrada e coesa, e que estamos a superar. Ou seja, a Comissão Executiva está muito bem alinhada na estratégia que definimos em conjunto: o que é que queremos para a Accenture Portugal, que papel queremos ter no nosso mercado e no mercado global da Accenture. Estamos todos a trabalhar nesse sentido, para um objetivo comum, naturalmente em dimensões distintas, conforme as indústrias e os serviços.
Os objetivos para Portugal
Qual é esse objetivo?
Queremos continuar a crescer em quota de mercado no mercado nacional, e ser cada vez mais relevantes, porque, apesar de sermos uma geografia relativamente pequena, temos relevância na nossa geografia. Para além de crescer em Portugal queremos e temos vindo a desenvolver competências diferenciadoras para exportar e conseguirmos servir outros clientes fora de Portugal. Tivemos há pouco tempo a sponsorização da nossa CEO global, que ficou muitíssimo bem impressionada connosco, com o trabalho que fazemos, com a clareza da nossa estratégia, o que foi um fator positivo que nos ajudou a reforçar ainda mais a estratégia para o nosso país.
Apesar da conjuntura e dos desafios a nível global, os crescimentos da Accenture Portugal têm-se mostrado bastante saudáveis. Sentimo-nos, por isso, muito legitimados para continuar a perseguir esta nossa ambição, porque estamos, realmente, a ser capazes de apresentar um crescimento sustentado. Do ponto de vista do negócio, esse é o caminho, e é o que estamos a fazer.
Avaliamos, em reunião da Comissão Executiva, os surveys que fazemos periodicamente às nossas pessoas para percebermos onde é que temos de atuar, e definir o que é preciso fazer para colmatar, ou atenuar os pontos menos positivos. Isso é um trabalho contínuo: a satisfação das nossas pessoas, garantir que compreendem para onde é que a Accenture vai, que estão felizes no seu local de trabalho. O que acontece ou o que as nossas pessoas em Portugal dizem, é o reflexo do que nós fazemos como país, mas também é o reflexo das políticas globais da firma. Deste cocktail temos de fazer a nossa parte. Há coisas que são decisões globais da firma e das quais não podemos fugir, mas há outras sobre as quais podemos e devemos atuar.
Temos um sistema de people leads – todas as equipas têm a pessoa de referência com quem devem falar da sua carreira, da sua ambição, daquilo que querem fazer -, que temos vindo a reforçar, a formar, a garantir que essas pessoas façam bem o seu trabalho, para que as mensagens desçam da forma certa, que se transmita confiança naquilo que se está a fazer, como se está a fazer e por que se está fazer. Esse people lead é uma função fundamental, que tem que reforçar os nossos valores de liderança, e queremos garantir que todos os nossos líderes os têm presentes. É fundamental que as pessoas se sintam acompanhadas e acarinhadas. Sem pessoas não fazemos negócios,
Há muitas tarefas com potencial para serem automatizadas, seja com IA generativa, ou com automação inteligente. As formas de trabalhar vão mudar. Vai ser rápido, vamos ver é quão rápido.
O vosso mais recente estudo Tech Vision coloca a inteligência artificial generativa no centro da inovação. Como é que esta evolução está a impactar os negócios, também a vossa área, e quais as tendências tecnológicas que podem redesenhar a forma como trabalhamos?
Os temas de inteligência artificial generativa são uma grande aposta da Accenture, tanto na forma como estamos a transformar a maneira como os clientes trabalham, como nos transformarmos a nós próprios. É uma mudança brutal e ninguém duvida que há uma enorme transformação na forma como as pessoas vão executar as tarefas. Um estudo recente dizia que 50% ou mais das tarefas vão ser alteradas. Ainda não chegámos ao ponto de substituir tudo o que as pessoas fazem, embora haja algumas tarefas que vão desaparecer, outras vão surgir e algumas serão ajustadas. Há áreas onde vemos isso de uma forma mais evidente, nomeadamente, tudo o que seja serviço ao cliente, em que algumas empresas utilizam já os large language models of the shelft, nas interações com os seus cliente. O passo seguinte é treinar estes modelos, e já há algumas empresas a fazê-lo, com os dados da própria organização. Passamos, então, a ter a máquina a conhecer todo o histórico da empresa, toda a documentação, todas as decisões, e, por isso, a conseguir ter conversas com o cliente, de uma forma bastante mais interativa e informada.
O tema da IA Generativa é algo que também nos afeta não só nos nossos processos internos (onde queremos ser a nossa melhor credencial), como na forma como servimos os nossos cliente. Os algoritmos ou os modelos começam a ser capazes de produzir código com alguma qualidade. Naturalmente, que isto acarreta um conjunto de outras questões de segurança, de ética, de compliance. Neste momento há ainda todo um processo de revisão, e quanto mais revimos e melhorarmos, mais as máquinas aprendem. Tudo isto é uma questão de tempo. A nossa convicção, e estamos a preparar-nos para isso, é que a prazo, muito deste trabalho vai ser automatizado e, por isso, temos de fazer coisas que envolvam mais a criatividade, e garantir que sejam as pessoas, e não as máquinas, a fazê-las. Há, efetivamente, muitas tarefas com potencial para serem automatizadas, seja com IA generativa, ou com automação inteligente, aquilo a que chamávamos antes os robôs, só que agora com uma camada de IA, que os torna robôs mais inteligentes. As formas de trabalhar vão mudar. Vai ser rápido, vamos ver é quão rápido.
Essas funções que refere até são mais compatíveis com uma dignidade humana, como o trabalharmos para a inovação, para a criatividade, para a ética. O problema é a grande massa das pessoas, que temem ficar sem emprego. Afirma-se que a inteligência artificial aparenta ser discriminatória, prejudicando sobretudo as mulheres. Qual é a sua visão?
Por exemplo, nestes trabalhos técnicos, muito ligados ao desenvolvimento, uma das tarefas que, a prazo, está ameaçada, há mais homens do que mulheres a executá-los. Tarefas de menos valor, como por exemplo, codificar, executadas sobretudo por homens, irão precisar, a prazo, de muito menos programadores do que atualmente.
Já o tema da discriminação, de que muito se fala, e com razão, é um pouco diferente. A máquina aprende o que a sociedade lhe dá, e se a sociedade lhe der informação enviesada é isso que ela vai aprender. Há muitas pessoas a trabalhar em responsible AI, no sentido de não deixar perpetuar estas questões, reduzindo ou eliminando o enviesamento, e de retreinar os modelos, para o evitar.
O compromisso com a paridade para 2025
Referiu há pouco o serviço ao cliente, o que nos remete aos call centers, onde há muitas mulheres ligadas a essas tarefas, que já estão a ser automatizadas.
Não tenho noção das percentagens de mulheres em call centers, imagino que possam ser altas. Por um lado, vemos que as tarefas de eliminação de biased são tarefas novas, e referimo-nos a coisas que é preciso fazer para não deixar a máquina falar sozinha. Por outro lado, falamos muito em reskills e upskills das pessoas com essas tarefas, que deixam de ser necessárias, e é preciso dotar de novas competências. Temos feito muito trabalho junto de clientes, para percebermos quais são as novas competências necessárias em áreas, como o serviço ao cliente, por exemplo, para onde as podemos encaminhar, e que outro tipo de tarefas é que podem fazer, sejam mulheres ou homens.
Se me perguntam se vai haver zero impacto, digo já que não, não vai haver zero impacto. Já passámos por várias revoluções e há um determinado tipo de postos de trabalho que deixam de ser relevantes e muitos outros que passam a ser. Tenho uma visão otimista destes avanços da tecnologia, mas claro que vai haver funções que deixarão de existir, faz parte do progresso.
Não há mulheres suficientes em cursos técnicos. O que temos conseguido fazer, acho que bem e com ótimos resultados, é ir buscar mulheres a vários tipos de engenharia, como as biomédicas, e temo-las trazido para trabalhar em áreas de tecnologia, muito ligadas a ERP’S, e que fazem um trabalho excelente. Temos áreas, com uma grande predominância de mulheres e com muito bons resultados.
A Accenture renovou recentemente a parceria com o iGen – Fórum das Organizações para a Igualdade. Qual é a situação neste momento em Portugal, em termos de igualdade de género nas vossas equipas? Sabemos que a nível global têm objetivos bastante ambiciosos e que estão a conseguir caminhar rapidamente para eles.
Estamos em 44%. Numa empresa que tem muita gente na área de tecnologia não deixa de ser um bom indicador, embora o nosso compromisso para 2025 seja a paridade. Os números globais da Accenture não andam muito longe dos nossos, estão nos 43%. O nosso compromisso é a paridade a nível global e estamos a fazer tudo para lá chegar.
Isso prende-se com a dificuldade de atrair mulheres para a tecnologia?
Não há mulheres suficientes em cursos técnicos. O que temos conseguido fazer, acho que bem e com ótimos resultados, é ir buscar mulheres a vários tipos de engenharia, como as biomédicas, e temo-las trazido para trabalhar em áreas de tecnologia, muito ligadas a ERP’S, e que fazem um trabalho excelente. Temos áreas, com uma grande predominância de mulheres e com muito bons resultados.
Que áreas são?
Genericamente ERPs como o SAP ou Salesforce. Por exemplo em SucessFactors temos equipas excelentes e exportamos para quase toda a Europa projetos que são feitos aqui pelas nossas pessoas, maioritariamente formadas por mulheres. São equipas muito bem preparadas e formadas, que muito facilmente se adaptam e fazem um excelente trabalho.
Os nossos homens têm orgulho em dizer que tiraram as suas licenças, que fizeram a sua parte, o que leva a um equilíbrio saudável entre os pais.
A determinada altura do seu percurso profissional saiu da Accenture, após o nascimento de um dos filhos, por causa de uma questão de conciliação. O que é que a Accenture tem feito para que outras mulheres possam sentir que têm as condições para não terem de tomar uma decisão idêntica?
Atualmente é diferente e tentamos mitigar vários pontos de atrito. O primeiro é: “será que vou ser capaz?” Temos tentado mitigar esse ponto, seja através dos people lead ou de reuniões. Lembro-me de dizer a uma colaboradora grávida, que estava preocupada com uma proposta de projeto que poderia começar durante a sua licença de maternidade: “vais ter o bebé e quando voltares os problemas e as oportunidades continuaram cá à tua espera.” E, a verdade, é que esse projeto só começou duas semanas depois dela ter regressado ao trabalho, tendo conseguido participar desde o início. Esta foi uma coincidência feliz, mas se não fosse o mesmo projeto seria seguramente outro interessante.
Depois há um segundo ponto, quando regressam ao trabalho, que é: “como é que vou conseguir, e como vai ser com o bebé?” É muito importante garantirmos que há outras mulheres – e terão de ser mulheres que tenham passado por isso -, a dar sugestões, de como arranjar quem ajude, como criar a rede de suporte. Asseguramos isso para que elas se sintam, por um lado, à vontade a perguntar e, por outro lado, que oiçam quem já passou pela situação, para perceberem que se resolve. Percebemos, por isso, que estes dois pontos são cruciais: o tomar a decisão e o regresso. E nesse sentido temos desenvolvido algumas iniciativas como o programa Parent2Parent, uma iniciativa que promove a partilha de boas práticas e desafios de “novos” pais com colegas que têm mais experiência na paternidade.
Relativamente ao crescimento na carreira acho importante dizer que nem toda a gente tem de querer chegar ao topo. Quem define que esse é o seu objetivo, deve agir de acordo com as suas prioridades em cada momento, não perdendo de vista esse seu objetivo. No meu caso, quando o meu segundo filho nasceu, preferi dar mais em casa. E não há mal nenhum nisso, está tudo bem. Se a prioridade é aquela, naquele momento, age-se em conformidade com ela. Como empresa, compete-nos, nos pontos que são importantes, assegurar que as mulheres e homens percebam que realmente é possível, e se quiserem podem continuar a ter o mesmo empenho na carreira, vão é precisar de mais apoio ou tempo, e o que era visto como um drama, deixa de o ser.
Mas esta questão da conciliação não é só para as mulheres, os homens também a vivem e sentem.
Sem dúvida, e cada vez mais. Reparo que os nossos homens têm orgulho em dizer que tiraram as suas licenças, que fizeram a sua parte, o que leva a um equilíbrio saudável entre os pais.
Os novos modelos de trabalho
Em termos de atração e retenção de talentos, quais são os principais argumentos que a Accenture tem neste momento para conseguir o melhor talento?
Há efetivamente um problema de talento, mas temos conseguido atrai-lo. Logo a seguir à pandemia tivemos várias pessoas a saírem, o que me preocupou bastante, o que não se verifica neste momento. Temos apenas aquela rotação que é saudável, e que faz parte do nosso modelo de negócio. Temos sido capazes de ir buscar pessoas com experiência e as competências que nos interessam e se identificam com os nossos valores. Conseguimos também contratar, sem grande dificuldade, à saída da universidade os recém-licenciados, que depois fazem formação complementar connosco. Somos uma empresa-escola, e queremos continuar a ser. Formamos as pessoas com os nossos valores, com a nossa forma de estar, e nas tecnologias e áreas que são mais relevantes para nós.
Temos identificado, bem e com cuidado, as empresas onde nos interessa ir recrutar e quem são as pessoas que entrevistamos. Ainda assim, temos perdido algumas, por terem recebido propostas a pagarem o dobro. Mas também temos tido alguns a voltar, porque o trabalho é interessante e há, de facto, um esforço para fazer coisas mais inovadoras. Inovamos muito com os nossos clientes de cá e depois exportamos. Garantir que as nossas pessoas fazem coisas interessantes e que são permanentemente desafiadas, faz parte da nossa proposta de valor.
Damos especial e redobrada atenção àquelas três ou quatro pools de talento críticas, porque são as que escasseiam no mercado. Entre os recursos humanos e as áreas de negócio, garantimos que temos esse processo bem afinado, e o funil de gestão de talento bem gerido, tendo cada vez mais cuidado nas pessoas que entrevistam. Quem entrevista candidatos tem de estar preparado para o fazer, porque, às vezes, na experiência da entrevista ganha-se ou perde-se uma pessoa.
Não há dúvida que o trabalho presencial em equipa ajuda não só à evolução do projeto, como ao desenvolvimento de cultura e de ligação entre as pessoas e das pessoas com a empresa.
O teletrabalho vulgarizou-se no pós-pandemia. Como é que na Accenture estão a trabalhar neste momento, que novos modelos é que introduziram? Qual é o balanço que fazem?
Durante a pandemia as pessoas habituaram-se a trabalhar em casa. Houve muitas que deixaram de ter casa em Lisboa, no Porto ou nos sítios onde temos escritório, e foram viver para outros locais. Agora, há alguma dificuldade em fazê-las voltar ao escritório. Para nós, é muito claro, que é importante, pelo menos dois a três dias por semana, as equipas estarem juntas na empresa ou na casa do cliente. Não é fácil dizer que o modelo concreto em que todos deverão estar no escritório, porque cada projeto, dentro do cliente, tem as suas particularidades e estágios de maturidade e, por isso, confiamos a responsabilidade aos líderes de equipa de definirem os dias em que as suas equipas se devem juntar. Não faz sentido que as pessoas venham ao escritório só porque lhes é pedido. Temos interesse em que estejam com o grupo de trabalho, porque aprendem mais depressa, os próprios projetos beneficiam, e a lógica tem de ser essa. Não há dúvida nenhuma que o trabalho presencial em equipa ajuda não só à evolução do projeto, como ao desenvolvimento de cultura e de ligação entre as pessoas e das pessoas com a empresa. Sentimos muita falta disso e uma das coisas que temos dito, sobretudo, aos mais velhos, que também se habituaram a ficar em casa, é que é um ato de egoísmo não vir o escritório, porque já têm a rede estabelecida, conhecem bem a casa e conhecem bem os clientes e para eles é mais fácil trabalhar remotamente. É importante que vão para o Cliente ou para o nosso escritório para darem o exemplo aos mais novos, pois muitos deles entraram na altura da pandemia, e nem sabem o que é trabalhar com uma equipa em modelo presencial, não sabem o que estão a perder!
E a empresa não perde com isso?
Conseguirmos ter cerca 80% de ocupação em alguns dos nossos escritórios é um bom sinal. As nossas equipas de estratégia, consultoria e negócio estão a aderir com facilidade a um modelo com maior componente presencial. A maior resistência está nas equipas de tecnologia onde vamos implementar este modelo híbrido, como referia atrás por cliente e nos nossos delivery center por capacidade. É um trabalho em curso.
Temos connosco pessoas mais seniores, que são especialistas e com uma capacidade fantástica numa determinada área, que não queremos perder. A mistura geracional é um dos grandes pilares de Inclusão e Diversidade que nos diferencia, tendo atualmente quatro gerações a trabalhar na nossa casa.
Como é que vê o mercado de trabalho dentro de cinco anos, com todos estes desafios, nomeadamente as prioridades das gerações mais novas, e a longevidade dos mais velhos?
A forma de fazer consultoria que tínhamos há vinte anos é distinta. Por exemplo, estamos a contratar uma pessoa que tem quase cinquenta anos. Temos connosco pessoas mais seniores, que são especialistas e com uma capacidade fantástica numa determinada área, que não queremos perder de maneira nenhuma, e que sabemos que não vão chegar a um determinado nível, porque não é esse o perfil delas. A firma tem-nos dado ferramentas para conseguirmos gerir essa camada de pessoas que continuam connosco. Daqui a cinco anos, não lhe sei dizer. Temos todos que aprender a trabalhar de novas maneiras. Provavelmente aquilo que é hoje o nosso ponto de vista, iremos revê-lo amanhã ou daqui a uns meses, porque as coisas estão a mudar rapidamente. Há muita coisa a acontecer neste espaço que temos vindo a monitorizar. Mas não sei qual será e acho que ainda ninguém sabe.
Trabalhar com quatro gerações
Referiu que estavam a contratar algumas pessoas com mais de 50 anos. Consegue fazer aqui uma antevisão de como é que será o futuro do recrutamento nos próximos anos, relativamente à questão da idade? Porque estamos a desperdiçar muita gente, e com 50 anos, as pessoas estão perfeitamente válidas.
Essas pessoas, contratamo-las por terem competências específicas, relevantes para a Accenture. A mistura geracional é um dos grandes pilares de Inclusão e Diversidade que nos diferencia, tendo atualmente quatro gerações a trabalhar na nossa casa. Também estamos a reforçar o que já fizemos em tempos, criar uma comunidade de Luminate, ou seja, pessoas que já saíram, e que foram ou ainda são muito relevantes em determinada indústria, e que podem trazer-nos aconselhamento e com visão de mercado e/ou indústria. Estamos, por isso, a reforçar e a criar globalmente, e também em Portugal, uma equipa de Luminate muito relevante. Ou seja, estamos a olhar para o passado e para o presente ao mesmo tempo. Enquanto nos preparamos para o futuro, olhamos para pessoas que já não estão no ativo, numa determinada indústria, mas que foram muito ativas, relevantes e têm seguramente muito a aportar sobre a indústria e a prepararmo-nos para as novas formas de trabalhar.
O futuro dos negócios é em cima de tecnologia. Portanto, não se pode dizer que não se gosta, que não se quer estar, ou que não é para nós. Muito pelo contrário.
Fala-se muito das novas gerações, da falta de ambição, de de terem outras prioridades. Mas quais são os pontos fortes que vê nas novas gerações?
Os jovens muito bons são muito melhores do que nós éramos, quando acabámos a universidade. São jovens com mundo, que têm um espírito muito mais crítico e empreendedor. Na minha geração, havia meia dúzia de cursos na universidade, e eram esses que nós fazíamos, tínhamos uma determinada visão do mundo, que era muito de carreira.
Muitos dos jovens de hoje já fizeram parte da sua formação fora de Portugal, já viram outras maneiras de trabalhar e de se relacionarem. Por isso, os jovens muito bons, são realmente melhores do que nós éramos e adaptam-se muito mais facilmente, aprendem mais rápido. Esta nova geração é muito interessante. Felizmente, temos talento extraordinário a trabalhar connosco. Há certas tarefas que hoje pedimos a um recém-licenciado que não sei se era capaz de as fazer naquela altura. Recordo-me que um colaborador mais sénior me disse que deu o trabalho mais complicado que tinha a um dos jovens que estava na firma há apenas seis meses, e que em pouco tempo ele entregou-lhe tudo feito, e eu respondi-lhe que teríamos de lhe arranjar um novo desafio, noutro sítio qualquer, para o conseguirmos reter. Temos de estar permanentemente atentos e desafiá-los com coisas diferentes, porque se não lhes dermos um estímulo à altura daquilo que eles são capazes, vão procurar noutro sítio.
Os jovens são muito mais desprendidos. Aquela ideia da carreira já não é tanto aquilo que os move, quando entram, querem trabalhar em algo que os entusiasme e desafie. É muito mais esse sentimento de propósito que os move, do que ambicionarem ser Managing Director da Accenture.
As mulheres continuam a ver a tecnologia como uma área ainda muito masculina e onde é mais difícil de progredir. Que mensagem final é que deixaria uma jovem acabada de sair da universidade?
Que venha para a Accenture. A tecnologia não é uma área masculina, ponto! Nenhum negócio cresce ou floresce sem tecnologia. Há muitas áreas diferentes na tecnologia. Tecnologia não é programar, e, por vezes, há pessoas que confundem tecnologia com programação. Quem não gosta de programar tem outras áreas, dentro das tecnologias, para trabalhar. Na Accenture, faz-se trabalho extremamente interessante na tecnologia, tanto para os clientes portugueses, como estrangeiros. Não é um mundo masculino, quase metade da nossa força de trabalho são mulheres, e o futuro das empresas, dos negócios, é em cima de tecnologia. Portanto, não se pode dizer que não se gosta, que não se quer estar, ou que não é para nós. Muito pelo contrário.
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