A paixão pela arte, a preocupação com as equipas e a importância do autoconhecimento marcaram esta conversa com Madalena Reis, administradora do CCB, desde há um ano. Está na instituição há dez anos, mas só ocupa o gabinete em que nos recebeu, com uma vista incrível para a Praça do Império, desde que deixou, em abril de 2022, o lugar de diretora de Marketing e Desenvolvimento para integrar o board, onde é a mais nova.
Madalena Reis licenciou-se em História de Arte e mais tarde frequentou o mestrado em Estudos Curatoriais, o que parecia ser o percurso académico previsível para a neta de um dos fundadores do Museu do Caramulo, que desde a infância se habituou aos museus. Adora rodear-se de arte — no trabalho, no lazer e em casa —, mas não tem a angústia de ter de ver os museus de fio a pavio.
Começou a carreira no departamento de Comunicação do Museu Nacional de Arte Antiga, onde o desafio era mostrar obra com o reduzido orçamento atribuído pelo Estado, para depois ter a “oportunidade de ouro” de integrar a equipa que criou de raiz a Casa das Histórias Paula Rego, com um orçamento mais generoso da Câmara Municipal de Cascais. Seguiu-se uma passagem pelo mundo da arte e dos leilões, na revista L+arte, que foi um passeio para quem adora visitar exposições, e, em 2012, Madalena Reis entrou no CCB para a direção de Comunicação e Marketing. Estes passos foram (quase todos) dados a convite de uma mesma mulher, que muito admira, Dalila Rodrigues, hoje diretora do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém, e que juntamente com Isabel Cordeiro, atual secretária de Estado da Cultura e com quem trabalhou também no CCB, elege como suas mentoras.
Para alargar interesses e ter mais ferramentas para otimizar resultados procurou o Programa de Direção de Empresas, da AESE, onde uma das principais revelações foi o tema do fator humano. Com uma liderança assumidamente participativa e empática, Madalena Reis descobriu que “colocar-me no lugar do outro é muito importante, mas também o é perceber que o outro é diferente de mim e por isso não posso esperar que reaja como eu, provavelmente, reagiria”. Ao longo da conversa nota-se a atenção às pessoas — às que a têm desafiado e apoiado ao longo da carreira e a todas aquelas com quem tenta fazer o mesmo. “Liderar é servir. Poder partilhar com mais pessoas o que já aprendi, e que esses ensinamentos lhes sejam úteis é o que mais me entusiasma e dá felicidade. Afinal, de que vale ser líder e estar sozinha num gabinete?”, questiona.
O que a levou a escolher História da Arte?
As escolhas que fazemos têm a ver com a vocação e também com o contexto em que estamos inseridos. A minha família materna está ligada ao Museu do Caramulo, fundado pelo meu avô e um tio-avô, que é um projeto muito singular, feito de raiz e através da iniciativa privada, que foi pioneiro no século passado e fez com que a vila crescesse e ganhasse uma vida cultural. O meu tio-avô construiu este museu começando com obras de arte sacra, que depois alargou para outras áreas, incluindo a arte moderna, apenas com doações, tendo até recebido uma pintura oferecida por Pablo Picasso — a primeira deste artista a entrar no nosso país. A arte exercia um enorme fascínio sobre mim desde a minha infância e tive a sorte e o privilégio de o meu avô, um homem muito exigente, me ter confiado a execução de vários trabalhos, durante as férias e até para a faculdade. Em Lisboa, fazia muito visitas a museus com a minha mãe e os meus irmãos, uma rotina quase semanal, sobretudo depois da ida à missa de domingo.
“A proximidade com a arte faz-nos pessoas melhores”
Além do gosto e interesse que tinha pela arte, qual era o seu sonho ao fazer o curso de História da Arte?
No início estava mais orientada para a curadoria de exposições, ou seja, para poder reunir as obras e através delas criar uma narrativa e contar uma história. Há um lado de comunicação com o público neste exercício e eu via-me nesse papel, inclusivamente iniciei o mestrado em Estudos Curatoriais, porque achei que seria mesmo a minha vocação. Mas depois percebi que o que me interessava verdadeiramente era essa comunicação com os públicos, mas por outros vias, que não necessariamente a da curadoria, sobretudo pela comunicação das coleções. Interessa-me a história dos museus, como é que são constituídos, como é que as peças ali chegaram, e acho esse é um tema também fascinante para o público.
Se tivesse um sonho, seria que cada um de nós sentisse uma necessidade do contacto com a arte. O mundo seria um local maravilhoso se todos sentíssemos essa urgência em estarmos em contacto com arte. Parece um desejo utópico, mas acredito que a proximidade à arte faz-nos pessoas diferentes, melhores e mais atentas ao mundo que nos rodeia.
Como é que surgiu o convite para o CCB, com que cargo entrou e como evoluiu até ao cargo que tem hoje?
Foi a Dalila Rodrigues, na altura administradora do CCB, que fazia equipa com o Miguel Leal Coelho e com o Vasco Graça Moura, na presidência, que me convidou, há dez anos, para vir trabalhar para a instituição, e entrei como assessora da administração (éramos duas assessoras na altura). Fazia a ponte entre a administração e as restantes equipas e fui tendo projetos, não de grande coordenação, mas muito concretos: desde a restauração do CCB à criação de um novo espaço para exposições, a Garagem Sul, um projeto que existe até hoje.
Nessa ocasião já estava em curso um processo de reorganização das equipas e constituiu-se uma nova direção que juntava vários departamentos – o de comunicação, relações-públicas e comercial. Fui convidada para ser diretora dessa nova área e posso dizer que foi fascinante poder juntar todas estas peças que estavam dispersas na organização. Unir os diferentes departamentos e fazê-los crescer em conjunto foi um projeto de cocriação que teve bastante relevância, e creio que os frutos que deu continuam até hoje.
O CCB tem um lado mais institucional, mas há todo um mundo de eventos fora da caixa que queremos trazer, como foi o caso da Moda Lisboa ou a apresentação da Porsche, e isto só se consegue quando os departamentos convergem.
Foi a primeira vez que teve um cargo de liderança?
Foi o meu primeiro cargo de liderança, as minhas experiências anteriores foram na Casa das Histórias Paula Rego em que era responsável pela área de comunicação e marketing, mas com equipas mais pequenas. Esse acumular de experiências, que ganhou outra escala no CCB, foi ótimo para o meu crescimento profissional que se desenvolveu paulatinamente. Acredito muito nos processos de cocriação, pois não conseguimos trabalhar nem alcançar os nossos objetivos sozinhos. Liderar é servir e o meu objetivo é que no dia em que eu vá assumir outra função, seja nesta ou em outra organização, as equipas sintam que aprenderam e cresceram e que podem elas próprias continuar a evoluir.
“Estou há um ano nesta posição, mas no início foi quase como se ficasse sem chão, porque era tudo novo.”
Quando surgiu o convite para integrar a administração e o que mudou?
O convite para fazer parte da administração é recente e foi-me feito na sequência do terceiro mandato do Dr. Elísio Summavielle na presidência do CCB. Confesso que não estava no meu horizonte, quando vim para o CCB, há dez anos. Foi uma surpresa e de alguma forma foi uma evolução. Depois de estar há alguns anos à frente de uma Direção, encarei com o maior entusiasmo este desafio.
Apesar de conhecer profundamente esta instituição e as equipas que cá trabalham, é como se começasse de novo. Com a mais-valia de já conhecer e merecer a confiança do presidente, e a dificuldade de me reposicionar e ter um olhar de 360 graus para toda a organização, quando antes estava apenas focada numa área mais delimitada. Estou há um ano nesta posição, mas no início foi quase como se ficasse sem chão, porque era tudo novo.
Olho agora os temas sob outra perspetiva. Não que eu tenha mudado, mas o angulo de visão é outro. A minha entrada no CCB, foi como assessora da administração, um cargo que de alguma forma é confortável, porque fazemos as coisas acontecer, mas não tomamos decisões estruturais. Quando assumi um cargo de direção, que englobava a comunicação, marketing e área comercial, tinha 35 pessoas sob a minha alçada e desenvolvemos um trabalho em grande proximidade.
Agora na Administração, que é composta por mais duas pessoas, é necessário mobilizar para um projeto conjunto mais de 150 pessoas, com várias funções e profissões, de forma diferente da que fazia quando estava na Direção de marketing. Desenvolvemos objetivos para o triénio e temos de os partilhar para toda a equipa, para que todos os conheçam e tomem como seus.
O ESG é uma das linhas de atuação deste Conselho de Administração. E quando falamos em sustentabilidade não é só na área ambiental, na qual o CCB sempre desenvolveu vários projetos e temos equipas muito bem preparadas, mas também na vertente social, onde temos a obrigação, enquanto serviço público, de tornar a instituição o mais acessível possível a todas as comunidades. Isto já era praticado, mas agora ficou inscrito nos nossos objetivos, assim como a área da sustentabilidade financeira e a necessidade de que o projeto seja sustentável do ponto vista económico.
É importante que as boas práticas — que o CCB já tinha —, estejam presentes no dia-a-dia, nos objetivos estratégicos e operacionais de cada direção.
Se tivesse de eleger o momento mais desafiante da sua carreira qual seria?
Foi o momento em que tendo tido um convite para ir trabalhar para uma outra instituição, percebi que aquele não era o meu caminho e não aceitei. Foi difícil recusar, porque estava em início de carreira e a proposta era aliciante, mas refleti muito e percebi que devia recusar. O saber dizer não foi determinante para perceber o que não queria. Temos de estar alinhados com o propósito, com a missão, com os valores da organização onde trabalhamos e não me revi naquele projeto, por isso achei que não valia a pena iniciá-lo.
“Para ter o equilíbrio na vida pessoal e profissional procuro estar a 100% em cada momento.”
Quais as suas características, comportamentos e atitudes que a ajudaram a construir este percurso até à função que tem hoje?
Há sempre uma componente técnica e outra mais pessoal em qualquer cargo que exerçamos e devemos equilibrá-las. Eu tendo a valorizar ambas, quer nas interações que tenho com as pessoas, quer para mim própria. Temos de ter a capacidade de delinear os nossos objetivos, de trabalhar em equipa, ouvindo o outro, tentando passar com entusiasmo e com rigor os projetos que temos pela frente, porque as competências técnicas, isoladamente não chegam. O mesmo se aplica às soft skills, e por isso acredito na combinação de ambas. Acredito também no estilo de liderança pela empatia, no qual me revejo e que tento praticar diariamente. Podemos exercer autoridade, mas acho mais interessante quando conseguimos construir um projeto em conjunto, com todas as equipas, e em que cada pessoa se sinta confortável para dizer o que pensa, com espaço para dar o seu contributo.
Considera que tem uma liderança próxima?
Considero que sim. Quando temos uma dúvida é mais fácil expô-la e partilhá-la e resolver assim mais facilmente os problemas. Se eu fizer isso, todos os outros à minha volta se sentirão confortáveis para o fazer também. Essa proximidade é uma característica minha e não seria capaz de agir de outra maneira.
Trabalhar o autoconhecimento foi uma das mudanças que a pandemia nos trouxe, obrigou-nos a recentrar e a ver o que funciona ou não connosco. Quanto mais conhecermos as nossas qualidades e fraquezas, mais conseguimos encontrar formas de as valorizar ou contornar. Há uns anos o autoconhecimento estava na esfera do “metafisico”, mas atualmente é muito importante para conseguir o desejável work-life balance, e deve ser desenvolvido.
Eu procuro manter o espírito aberto à novidade, fico muito entusiasmada com os projetos novos e procuro motivar as pessoas à minha volta. Costumo dizer que se há mudança, vamos aproveitar e vamos cortar a direito. Esse espírito de mudança, de construção, de desafio que passo às minhas equipas, é muito importante para mim, pois tira-nos da nossa zona de conforto.
Que outras estratégias tem, além do autoconhecimento, para manter o equilíbrio?
Para ter o equilíbrio na vida pessoal e profissional procuro estar a 100% em cada momento, ou seja, se estou no trabalho procuro não perder o foco com outros assuntos e vice-versa. Tento distribuir as horas o melhor possível, reservando tempo para o descanso, e procuro não deixar que cresça em mim o sentimento de que estou sempre a falhar — ou no trabalho ou com a família. Não gosto de trabalhar a partir de casa, por exemplo. Precisamente para fazer essa separação entre o privado e o profissional. Fazer essa separação e não deixar crescer angústias funciona comigo.
Tem alguma história inusitada na sua vida profissional?
É um privilégio trabalhar na área cultural e surgem experiências e encontros divertidos e enriquecedores. Uma história caricata e entusiasmante, aconteceu no início, na altura em que trabalhava com a Dalila Rodrigues e o Vasco Graça Moura. Ele tinha visitado uma exposição em Guimarães, quando foi Capital Europeia da Cultura, dedicada ao arquiteto Nuno Portas, e queria trazê-la para o CCB, mas não havia espaço, porque o Centro de Exposições estava entregue ao Museu Coleção Berardo. Quando decidimos lá ir, já com a exposição terminada, percebemos que era impraticável trazê-la para Lisboa, e fomos guiadas pelo arquiteto Nuno Grande, que nos falou da existência de uma garagem não usada no CCB, que nós, que trabalhávamos na instituição, ironicamente desconhecíamos. De facto, comprovámos que esse espaço, de dois mil metros quadrados, não só existia mesmo como servia apenas de armazém. Iniciámos, então, um projeto que transformou essa garagem num espaço de exposição que funciona até hoje, o Garagem Sul, e claro, trouxemos a referida exposição para o CCB. Foi uma alternativa inesperada.
Que mentores teve formalmente?
Vamo-nos cruzando com pessoas que se revelam determinantes no nosso percurso. E não tenho dúvidas em eleger duas grandes senhoras, com estilos diferentes, e com quem tive a sorte de poder trabalhar e aprender imenso. Tenho a convicção de que foram fundamentais no meu percurso profissional e pessoal. Conheci a Dalila Rodrigues quando eu estava no Museu do Caramulo e a Dalila era diretora no Museu Nacional Grão Vasco, em Viseu. Mais tarde, quando foi convidada para dirigir o Museu de Arte Antiga desafiou-me a ir com ela e foi a nossa primeira experiência de trabalho conjunto. Depois voltámos a trabalhar juntas na Casa das Histórias Paula Rego. Aprendi imenso com a Dalila Rodrigues, não só por ser uma grande historiadora de arte, mas também pela forma de liderar com entusiasmo e arrojo. Mais tarde, no CCB, pude trabalhar de perto com a Isabel Cordeiro, atual secretária de Estado da Cultura, outra pessoa com quem aprendi muito, tecnicamente muito bem preparada e com um lado humano extraordinário.
Vejo o quão importante é esse trabalho de partilha, sermos desafiados e sentirmos da parte de quem nos desafia suporte e confiança. Gosto de acreditar que, às pessoas com quem trabalho, possa também proporcionar esse desafio e confiança. Afinal, de que vale ser líder e estar sozinha num gabinete…
“Quando as mulheres têm confiança em si próprias e estão bem preparadas são sempre respeitadas.”
Movendo-se num mundo de homens, nunca teve dificuldade em fazer ouvir a sua voz e em ganhar espaço, por ser mulher?
Nunca senti que não estivesse a ser ouvida, mas sinto que tenho de estar bem preparada, tendo homens ou mulheres à minha frente. Isso é o que nos pode dar confiança e segurança em qualquer contexto.
É um desafio, mas gosto de trabalhar num universo com homens, talvez o facto de no meu contexto familiar ter irmãos rapazes, me tenha dado algum treino. Quando as mulheres têm confiança em si próprias e estão bem preparadas são sempre respeitadas.
Tenta empoderar as mulheres à sua volta?
É isso mesmo que procuro, foi também o que aconteceu comigo. É importante empoderar, dar confiança e dar os meios. Liderar é servir. Se eu puder partilhar com mais pessoas o que já aprendi e que esses ensinamentos lhes sejam úteis, é o que mais me entusiasma e dá felicidade.
Qual a sua máxima de vida?
É uma expressão que ouvia sempre à minha avó paterna «anything worth doing is worth doing well». Ou seja, se é para fazermos uma tarefa, vamos fazê-la bem feita. Fazemos o melhor que sabemos e podemos, utilizando todos os meios que temos disponíveis. Se trabalharmos assim, em princípio, corre bem.
Qual o melhor conselho que deixaria a uma executiva que tenha a ambição de chegar a um cargo de liderança?
Procurar sempre fazer bom trabalho, em qualquer cargo ou função. E também ter vontade de crescer e estar atenta ao que se passa à sua volta, com a preocupação de alargar o radar e os interesses, não se deixando consumir pelas dificuldades. Claro que há também o fator sorte, mas diz-se que “a sorte dá muito trabalho”.
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