Daniela Braga: “Este Prémio é fundamental para dar visibilidade às conquistas femininas”

Depois de contribuir para moldar a estratégia nacional de Inteligência Artificial (IA) nos EUA e defender o seu desenvolvimento responsável e ético, Daniela Braga participa no esforço português e europeu de não ficar atrás dos Estados Unidos no desenvolvimento da IA. A CEO da Defined.ai é uma das vencedoras do Prémio Executivas do Ano 2023.

Daniela Braga, CEO da Defined.ai.

Daniela Braga tem o sonho de fazer a travessia transatlântica de catamaran entre Portugal e a América, mas por enquanto faz essa travessia de avião para fazer a ponte entre os seus projetos sobre Inteligência Artificial na Defined.ai em Seatle, onde está radicada, e em Lisboa, e no Porto, e sobretudo, devido ao ambicioso novo projeto de Inteligência Artificial (IA), o Accelerat.Ai, uma iniciativa co-financiada em 34,5 milhões de euros pelo Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), que foi lançada em Novembro de 2022 por Daniela Braga, como responsável da Defined.ai.

Este projeto reúne empresas e instituições como Devscope, NOS, Instituto Superior Técnico de Lisboa, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, FC.Id e INESC-Id, IBM, Microsoft, Axians e KPMG. Na lista de clientes interessados estão a Caixa Geral de Depósitos, Novo Banco e Santander (no sector da banca), SPMS e SNS (no Ministério da Saúde), AMA (Transformação Digital), Ministério da Segurança Social, EDP e Galp (nos sectores da eletricidade e gás), a NOS, a Worten e a seguradora Fidelidade.

No âmbito desta iniciativa lançou, a 16 de Novembro na Web Summit, um novo produto, que é a assistente virtual Diana, desenhada para o setor público e privado, e que percebe português e inglês.

Daniela Braga nasceu no Porto, em 1979, e licenciou-se em Estudos Portugueses e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras (FLUP).  É uma apaixonada pela obra de Eça de Queirós e durante o curso escreveu artigos, ensaios literários e apresentações e críticas de obras e autores, tendo conhecido escritores como Eugénio de Andrade e José Saramago.

No fim da licenciatura, Daniela Braga conseguiu uma bolsa na Faculdade de Engenharia como linguista para um sistema de síntese de fala de português europeu para cegos, o que fazia investigar a interseção entre a linguística e a engenharia. Esta ligação às tecnologias de voz levou à sua aprendizagem de programação, e a agulha da carreira académica mudou de rota e seguiu para a área da engenharia entre 2001 a 2006, como investigadora da Faculdade de Engenharia (FEUP).

Fez o mestrado em Linguística Aplicada na Universidade do Minho, período em que deu aulas na Escola Superior de Educação, com a tese “Estratégias de Argumentação e Construção da Imagem Pessoal no Debate Político Televisivo” e doutorou-se em Linguística e Engenharia, uma parceria entre as universidades da Corunha, do Minho e Federal do Rio Janeiro, tendo defendido a tese em 23 de maio de 2008, que tem o título de “Algoritmos de processamento da linguagem natural para sistemas de conversão texto-fala em português”. “Tenho uma grande paixão pelo conhecimento, qualquer que ele fosse, e pelas línguas, por isso falo seis línguas”, disse Daniela Braga.

Em 2006 Daniela Braga ingressou na Microsoft, onde trabalhou na área de voz e texto, primeiro em Portugal, depois nos EUA e na China. Em 2015, Daniela Braga saiu da Microsoft, e após uma curta passagem pela VoiceBox, criou a DefinedCrowd, hoje Defined.ai., plataforma inteligente de dados para Inteligência Artificial e Machine Learning. Hoje tem 200 colaboradores nos Estados Unidos e em Portugal e os clientes são algumas das maiores empresas do mundo como a Google, a IBM, a Microsoft e a Amazon, a dona da assistente de voz Alexa.

 

A sua vida mudou de facto quando foi para a Microsoft? Ou a grande mudança foi quando começou a sua ligação às tecnologias de voz, aprendeu a programar e faz sua carreira académica na área da engenharia de 2001 a 2006, como investigadora da Faculdade de Engenharia (FEUP)?

A mudança para a Microsoft foi sem dúvida significativa, mas acredito que a verdadeira transformação ocorreu quando comecei o meu percurso académico em tecnologias de voz e programação, o que pavimentou o meu caminho para o empreendedorismo tecnológico.

 

“Decidi sair do meu emprego para me dedicar integralmente a este empreendimento, motivada pela convicção de que estava no caminho certo para criar algo inovador e valioso no campo da IA”

 

As suas experiências profissionais também foram interculturais, pois passou por Espanha, China, Estados Unidos. Quais foram as principais aprendizagens e lições de vida?

Trabalhar em diferentes culturas ensinou-me a importância da adaptabilidade cultural, a valorização da diversidade e a necessidade de comunicação clara e eficaz em diversos ambientes. Mostrou-me, ainda, o valor de diversas perspetivas na resolução de problemas complexos. Estas experiências têm sido fundamentais para aprender a navegar em vários ambientes de negócios e para moldar a minha abordagem aos mercados globais.

 

Como é que uma portuguesa licenciada em Línguas e Literaturas Modernas funda uma empresa de Inteligência Artificial nos Estados Unidos em 2015?

A história da Defined.AI começa com uma série de palestras que fiz na Universidade de Washington em 2013. Foi nesse ambiente académico que comecei a perceber uma lacuna no mercado de tecnologia – a necessidade de bases de dados construídas por crowdsourcing que pudessem ser usadas para treinar inteligência artificial. Eu poderia recrutar estudantes para construir essas bases de dados. Reconhecendo o potencial económico dessa procura, decidi agir. Em 2015, com uma visão clara e um plano de negócios, fundei a DefinedCrowd, atual Defined.ai. O nome da empresa foi inspirado pela ideia de simular o complexo funcionamento do cérebro humano. Decidi sair do meu emprego para me dedicar integralmente a este empreendimento, motivada pela convicção de que estava no caminho certo para criar algo inovador e valioso no campo da IA.

 

Como é surgiu a ideia da Defined.ai e como é tem sido a experiência de uma mulher à frente de uma start-up num meio tecnológico ainda muito masculino?

A Defined.ai nasceu da necessidade de criar uma plataforma que democratiza o acesso a dados e ferramentas para o desenvolvimento de IA. Liderar como mulher num setor predominantemente masculino tem sido desafiador, mas também gratificante, pois ressalta a importância de perspetivas inclusivas e diversas na tecnologia.

 

Qual tem sido o desenvolvimento, a evolução da Definid.ai desde 2015 e os principais marcos?

Desde a sua fundação em 2015, a Defined.ai encontra-se numa trajetória de crescimento, estabelecendo uma presença significativa no sector de IA. O nosso desenvolvimento tem sido pontuado por uma série de lançamentos de produtos, rondas de investimento e parcerias estratégicas que alavancam o nosso alcance e as nossas capacidades. Estamos certamente a ganhar relevância e estamos orgulhosos do papel que assumimos para desafiar os limites de IA, particularmente no domínio da compreensão da linguagem natural e da tecnologia da fala. Estamos comprometidos em manter esse ímpeto e continuar a inovar de maneiras que tornem a IA mais acessível e eficiente para empresas em todo o mundo.

 

“O convite para integrar a task force de Inteligência Artificial do presidente Biden foi uma honra e uma responsabilidade. Como única CEO de uma empresa de IA no nosso grupo, trouxe uma perspectiva mais pragmática e orientada para o negócio.”

 

Em 2021, foi escolhida pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para integrar a task force para a estratégia sobre inteligência artificial. Como é que surgiu o convite? Qual foi a importância desta participação e quais são os principais debates sobre IA nesse fórum?

O convite para integrar a task force de IA do presidente Biden foi uma honra e uma responsabilidade. Era um trabalho civil, sem remuneração. Sinto que desempenhei um papel importante em evidenciar a capacidade das pequenas e médias empresas no campo da inteligência artificial. Como única CEO de uma empresa de IA no nosso grupo, trouxe uma perspectiva mais pragmática e orientada para o negócio. A participação nestes debates permitiu-me contribuir para moldar a estratégia nacional de IA nos EUA e defender o seu desenvolvimento responsável e ético.

 

Considera a IA fundamental para o futuro e que a Europa está atrasada em relação aos Estados Unidos. O que é que pode fazer a Accelerat.ai? Qual é o ponto de situação?

A IA é vital para o futuro, e a Europa está, de facto, a intensificar esforços para não ficar atrás dos Estados Unidos. A Accelerat.ai, cofinanciada pelo governo português, é um exemplo desses esforços. No primeiro ano estabelecemos as bases do projeto e desenvolvemos um protótipo. Com base nas reações dos parceiros, fizemos os ajustes necessários. A demo que mostrámos no Web Summit apresenta ‘Diana’, o nosso avatar, que simboliza o potencial da nossa tecnologia em aplicações reais para serviços públicos e privados. No próximo ano, pretendemos avançar com a integração dos membros do consórcio e apresentar um Proof of Concept, marcando um passo significativo na ambição de liderança europeia em IA.

 

Hoje a Inteligência Artificial é vista como uma grande ameaça e há quem peça uma moratória no seu desenvolvimento. Quais são os principais riscos da IA e como é que se podem controlar e mitigar? Como se pode regular a IA?

Os principais riscos da IA incluem questões de preconceito, privacidade e preocupações éticas. A atenuação destes riscos implica a criação de quadros sólidos de regulação e a garantia de transparência e equidade nos sistemas de IA. Esta regulamentação deve ser elaborada de modo a incentivar a inovação e, ao mesmo tempo, proteger os valores sociais.

 

Quais são os principais campos de desenvolvimento da IA e em que áreas de atividade podem ter maior impacto?

O desenvolvimento da IA está a avançar rapidamente em domínios como os da saúde, os sistemas autónomos, serviços financeiros e a ciência ambiental, entre outros. O impacto da IA é profundo nestas áreas, uma vez que pode impulsionar a eficiência, oferecer soluções e criar novas oportunidades de inovação para desafios globais como mudanças climáticas e pandemias.

Prémio dá visibilidade às conquistas femininas

Receber o Prémio Executivas do Ano 2023 na categoria Empreendedora é para Daniela Braga “uma honra e o reconhecimento não só dos meus esforços individuais, mas também do trabalho árduo da minha equipa no campo da Inteligência Artificial. Simboliza, ainda, a importância da diversidade no empreendedorismo e o impacto que o talento português pode ter à escala global”. Daniela Braga considera que prémios como “estes desafiam o status quo e são fundamentais para dar visibilidade às conquistas femininas, inspirando outras mulheres e demonstrando que é possível alcançar o sucesso em campos altamente competitivos e técnicos”.

 

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