Chitra Stern, o lado feminino do Martinhal

Nasceu em Singapura, foi estudar engenharia para Londres, onde trabalhou na PwC, fez o MBA e conheceu o marido, Roman Stern. Diz que “não seria quem sou hoje sem os meus 12 anos em Londres. Foi a minha passagem por Londres que me trouxe a Portugal!”, confessa Chitra Stern, Cofundadora e CEO do Martinhal Family Hotels & Resorts, foi distinguida pelo Prémio Executivas do Ano 2024, na categoria Gestora Estrangeira.

Chitra Stern é cofundadora e CEO do Martinhal Family Hotels & Resorts.

O sonho de Chitra era ser médica, depois fez Engenharia a pensar que faria uma carreira numa empresa apesar de ter crescido numa família empreendedora. “Foi apenas nos meus vinte e poucos anos que senti uma vontade forte para fazer algo por mim própria, e encontrei o parceiro perfeito na vida e nos negócios para o fazer!”, revela Chitra Stern.

Nasceu a 6 de agosto de 1970 em Singapura numa família com ascendência indiana e tem muitas recordações da sua vida durante os primeiros 18 anos. Teve “uma vida feliz, cheia de boa comida, num ambiente seguro, onde a saúde era prioritária – sou de uma geração em que tomámos todas as vacinas e tivemos bons cuidados de saúde”. A educação era uma grande prioridade em Singapura, que se tornou independente em 1965 e tinha um projecto de desenvolvimento económico ambicioso.

Chitra estudou em escolas só para raparigas até aos 16 anos, mas depois que entrou para escolas mistas nunca pensou nem se sentiu “insegura, ou talvez fosse a minha própria atitude de confiança”. Os seus pais tinham consciência da importância da educação e “fizeram-nos sonhar alto”. Nunca se esqueceu que “o pai costumava falar de Margaret Thatcher, Indira Gandhi, Golda Meir, Benazir Bhutto – todas modelos femininas. O céu era o limite”.

Chitra Stern explica com algum entusiasmo da epopeia de Singapura para singrar na economia global, a sua estratégia, o planeamento, a vontade de fazer e confessa que continua “a tirar muitas lições de Singapura para as nossas empresas e para o meu trabalho pro bono!”.

Recorda-se que “o ensino era gratuito e de grande qualidade, embora muito exigente. Aprendemos a importância de uma ética de trabalho árduo desde tenra idade”. Diz que se apercebeu “da importância do pensamento estratégico. Vimos como se formou uma estratégia para um novo país-ilha e como se executou essa estratégia. Lee Kwan Yew foi um líder lendário e visionário que nos inspirou a todos”.

Chitra Stern aproveita para aplicar uma lição que Portugal, que para ela também é “nós”, poderia aprender com Singapura. “Lembro-me dos primeiros passos para a construção de um novo aeroporto em Changi, no início dos anos 1980, inspirado em todos os melhores aeroportos do mundo, tendo os responsáveis do projecto visitaram Tóquio, Amesterdão, Paris, etc., para se inspirarem nos melhores exemplos e nas melhores práticas, fazendo a comparação com o planeado. Atualmente, Singapura já tem cinco terminais no tempo que demorámos a decidir sobre a localização de um novo aeroporto em Lisboa”.

 

A engenharia da vida

Aos 18 anos, Chitra escolheu a University College London, que tinha uma grande reputação em Engenharia Eletrónica e na época era expectável que quem pudesse pagar um curso no estrangeiro o fizesse. Durante muitos anos pensou em fazer Medicina e “era isso que eu devia fazer na universidade – Medicina. Os meus A Levels (exames internacionais do 12.ª ano) eram de física, química, biologia, matemática, mandarim e inglês”. No entanto, optou por mudar de agulha para a Engenharia. “Decidi não fazer Medicina porque achei que não se adequava a mim. Adorava matemática e física e, por isso, achei que Engenharia seria uma boa opção de curso”.

A experiência em Londres foi muito importante. “Aprendi muito ao viver sozinha numa nova cultura – lembrem-se que nessa altura não tínhamos telemóveis nem Internet”, disse Chitra Stern. Estar numa universidade londrina permitiu que estivesse mais próxima de ser o talento de grandes empresas inglesas e internacionais que participavam nas feiras de recrutamento nos campus das universidades.

 

Durante o curso de Engenharia como a emergir a cultura empreendedora que era uma matriz familiar e percebeu que gostava do mundo dos negócios.

 

Durante o curso de Engenharia como a emergir a cultura empreendedora que era uma matriz familiar e percebeu que gostava do mundo dos negócios. Por outro lado, nos anos 1990, no Reino Unido não havia muitas oportunidades para engenheiros electrónicos. “Só os meus amigos que foram para os EUA acabaram por entrar em empresas como a Sabre e a Google. Os que ficaram foram para as tecnológicas como a GCHQ ou a Arm (sim, este senhor fez certamente um bom negócio com as suas opções de compra de acções, presumo!) Cerca de 10% entraram como eu em escritórios de advogados e de auditoria, de contabilidade, o que era um percurso típico para o mundo dos negócios em Londres”, explica.

Nessa época as auditoras e consultoras procuravam ativamente licenciados com outras formações para além da contabilidade, finanças e economia. “Tínhamos de provar que éramos bons em matemática, contabilidade e que estavamos interessados em negócios. Também gostam de licenciados em Engenharia devido à sua capacidade de análise e raciocínio”, disse Chitra Stern.

 

A grande descoberta na PwC

Em 1992 começou a trabalhar na Price Waterhouse, hoje PwC, e, de certa forma foi aqui que se decidiu a sua vida. Considera que foi a melhor formação que poderia ter recebido enquanto jovem profissional. O centro de formação da PW, em London Bridge, era muito conceituado e oferecia excelentes cursos de formação profissional.

Trabalhava a tempo inteiro no departamento de consultoria do cliente e auditoria e preparava-se para fazer o exame de acesso à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (ACA) qualificação concedida pelo Institute of Chartered Accountants de Inglaterra e do País de Gales (ICAEW), que fez e tornou-se Revisora Oficial de Contas enquanto trabalhava. De 1996 a 1998 trabalhou nos serviços forenses e no Departamento de Gestão e Consultoria, adquirindo experiência em resolução de conflitos, gestão de mudanças e implementação de soluções globais nas áreas de informática e comunicações para empresas.

 

“Na faculdade de engenharia da UCL éramos 10% de mulheres, embora houvesse sempre um grande respeito e colaboração. Na PwC, não havia sócias mulheres quando comecei, em 1992.  Por isso, senti que poderia ser um pouco mais difícil chegar ao topo.”

 

Neste período teve a oportunidade de trabalhar com grandes empresas como o Barclays Bank, UBS em Londres, etc., pequenas empresas, como uma empresa de cartões de felicitações em Oxford. O que aprendeu foi, sobretudo, o rigor no cumprimento de prazos e de orçamentos, a excelência do serviço. “Aprendi também a equilibrar os meus objectivos de formação pessoal com os meus objectivos profissionais, prestando simultaneamente um bom serviço aos meus clientes”, lembra Chitra Stern.

Salienta ainda que a PwC tinha excelentes políticas e práticas de recursos humanos. “Um ótimo sistema de avaliação do pessoal e feedback de 360.º. O sistema de qualificações profissionais, em que era necessário comprovar quantas horas se passava em que área de auditoria ou consultoria empresarial e em que sector, era também muito organizado”, lembra Chitra Stern.

Refere que nunca viu limites pelo facto de ser mulher, tanto em Singapura, como em Londres ou em Engenharia. “Na faculdade de engenharia da UCL éramos 10% de mulheres, embora houvesse sempre um grande respeito e colaboração. Na PwC, não havia sócias mulheres quando comecei, em 1992.  Por isso, senti que poderia ser um pouco mais difícil chegar ao topo”.

 

Do MBA e a internet

A grande descoberta na PwC foi a do seu futuro marido Roman Stern, de origem suíça. “Sem dúvida que penso que não seria quem sou hoje sem os meus 12 anos em Londres.  Foi a minha passagem por Londres que me trouxe a Portugal!”, confessa Chitra Stern.

Em 1998 Chitra Stern decidiu fazer o MBA na London Business School, altura marcada pelo empolgante  arranque das empresas “dotcom”, o que acendeu mais o desejo de ser empreendedora. No MBA as disciplinas do primeiro ano eram fixas e abrangiam áreas como as finanças, a estratégia, o marketing, o comportamento organizacional, a ética, entre outras.

No segundo ano, o MBA a tempo inteiro tinha algumas disciplinas obrigatórias e muitas optativas que podiam ser utilizadas para adaptar o MBA em função dos interesses dos alunos. Como Chitra já tinha bastante conhecimento de finanças através da sua qualificação como ROC, e passagem pela PwC, escolheu disciplinas mais ligadas ao empreendedorismo, à estratégia e ao marketing e as optativas como Desenvolvimento de Novos Empreendimentos, Financiamento de uma Empresa Empresarial e Gestão de uma Empresa em Crescimento.

 

“Somos parceiros de negócios nos nossos empreendimentos. Definimos a estratégia e a visão em conjunto.  Eu sou mais o rosto dos nossos negócios e o Roman dirige a vertente de desenvolvimento imobiliário do negócio.”

 

Um ano depois, Roman Stern deixou a PwC para assumir a liderança de alguns projectos imobiliários em Zurique e um pequeno hotel boutique onde alguns investidores suíços tinham um investimento em County Cork, na Irlanda. “Sim, trabalhei nestes projectos com o Roman em part-time durante o meu MBA, pode dizer-se! Estes projectos foram a nossa primeira experiência no sector imobiliário e hoteleiro”, afirma Chitra Stern.

Em 2000 Chitra e Roman casaram-se e como diz Chitra, “Somos parceiros de negócios nos nossos empreendimentos. Definimos a estratégia e a visão em conjunto.  Eu sou mais o rosto dos nossos negócios e dirijo as empresas operacionais, incluindo o marketing.  O Roman dirige a vertente de desenvolvimento imobiliário do negócio e também trabalha mais com a área jurídica e financeira”.

Na viragem do século, vivia-se a febre das dotcom e Roman e Chitra estavam “cheios de ideias. Na altura estávamos à procura de oportunidades de negócio, isto foi quando a Google e a Amazon estavam apenas a começar e estávamos a explorar um modelo de negócio que agora seria considerado uma mistura de Uber eats, Netflix e Amazon”, revelou Chitra.

 

A eureka de Portugal

Em 2001 Chitra e Roman fizeram uma viagem ao Algarve. “Na altura, não se falava muito do Algarve, falavam do sul de França ou do sul de Itália, mas encontrámos um destino fantástico, com pessoas maravilhosas, onde se falava muito inglês e onde havia praias de areia branca. O facto de Portugal ser membro da UE também significava que os fundos para infraestruturas tinham chegado e continuariam, as companhias aéreas de baixo custo mudavam as viagens dentro da Europa, e também no Algarve”, explicou Chitra Stern.

 

“Encontrámos um projeto no barlavento algarvio e vimos a imensa beleza que existia. O facto de não termos experiência em hotelaria permitiu-nos ver as coisas de uma forma diferente e também nos deu a coragem de planear inovações. A criatividade precisa sempre de um pouco de loucura.”

 

Chitra e Roman mudaram-se para Lagos, fizeram da cave da casa o centro de operações para lançar um projecto que aproveitasse o potencial que viam no Algarve. Vinham para ficar cinco anos, mas “foi o momento Eureka”, chama-lhe Chitra, e ficaram até hoje

“Encontrámos um projeto no barlavento algarvio e vimos a imensa beleza que existia. As pessoas pensavam que éramos loucos a fazer o projeto, éramos como cientistas loucos, a experimentar, a criar e a inovar. O facto de não termos experiência em hotelaria permitiu-nos ver as coisas de uma forma diferente e também nos deu a coragem de planear inovações. A criatividade precisa sempre de um pouco de loucura”.

Recorda-se que estava grávida do primeiro filho quando assinaram o contrato para o terreno e “quando ele nasceu vimos as nossas ambições de viagem mudarem, pois agora éramos um casal com um filho, por isso percebemos onde o projecto poderia ser diferenciador”, relembra Chitra Stern, que agora tem quatro filhos.

 

“Não precisa de se lançar sozinho para ser um empresário. Existem muitas oportunidades nas grandes empresas para construir algo a partir do zero.  As suas competências podem ser mais bem aproveitadas num ambiente empresarial”

 

O Martinhal e o Elegant Group

Em 2010 surgiu o primeiro projecto, o Martinhal Sagres Resort, que se tornou uma referência no turismo familiar de luxo. Hoje o grupo Martinhal tem hotéis e resorts em que são proprietários/ promotores e também operadores da marca familiar de luxo Martinhal e além de Sagres, estão na Quinta do Lago, no Chiado em Lisboa e em Cascais. Em 2014 adquiriram as instalações comerciais abandonadas do resort no Monte da Quinta Club na Quinta do Lago à Parvalorem e transformaram-no “Martinhal Quinta do Lago”, aldeamento turístico de 178 moradias isoladas e geminadas. Dois anos depois compraram um hotel na Quinta da Marinha e, após as renovações reabriram como “Martinhal Cascais Family Hotel”, e ainda uma propriedade em situação de insolvência, que resultou no “Martinhal Chiado Family Suites”, que foi “o primeiro hotel de luxo para famílias no centro de cidade, em todo o mundo” no coração do bairro do Chiado, em Lisboa.

“Gostaríamos de fazer crescer a família Martinhal de hotéis e resorts através de novos empreendimentos, aquisições ou acordos de exploração hoteleira. Estamos a pensar em fazer mais residências de marca, o que já demonstrámos com sucesso no Martinhal Lisboa Oriente”, salienta Chitra Stern. Nestes negócios têm investidores privados que adquirem vilas e apartamentos, com a opção de arrendamento à operação dos hotéis/resorts.

Na educação estão desenvolver o Edu Hub de Lisboa, incluindo a United Lisbon International School para crianças dos 3 aos 18 anos, após terem comprado a antiga Universidade Independente. Têm como parceiro maioritário o Dukes Education Group do Reino Unido e o objetivo é transformá-la “na melhor escola de Portugal no futuro. A qualidade tem sido a base do que temos feito aqui, o que se reflecte nas universidades que os nossos primeiros diplomados do IB receberam no verão passado. Estamos agora na fase 3 do desenvolvimento do Edu Hub – um centro inovador para a educação”, revela Chitra Stern.

Na área imobiliária, em 2017  adquiriram dois terrenos de 60 mil metros quadrados de área bruta de construção na zona do Parque das Nações em Lisboa, onde promoveram o Martinhal Lisboa Oriente e o edifício Ageas Tejo, e estão desenvolver projectos comerciais mais pequenos no Edu Hub.

Chitra Stern deixa um conselho para qualquer empresário. “Tente arranjar um cofundador ou cofundadores.  O caminho é bastante solitário e ser o único fundador é extremamente difícil! Outro conselho é que não precisa de se lançar sozinho para ser um empresário. Existem muitas oportunidades nas grandes empresas para construir algo a partir do zero.  As suas competências podem ser mais bem aproveitadas num ambiente empresarial”, concluiu Chitra Stern.

 

À conversa com Chitra Stern

O que representa para si receber o Prémio de Executiva do Ano?

É obviamente uma grande honra para mim!  Agradeço ao júri por me ter atribuído este prémio! É maravilhoso receber o reconhecimento dos líderes do setor.

Qual é a relevância que este tipo de prémios pode ter para a carreira e o empoderamento das mulheres?

Penso que é muito importante para as mulheres serem reconhecidas em qualquer setor.

Como conseguiu compatibilizar a sua vida pessoal (os filhos) com a vida profissional?

Com muita dificuldade! Não é fácil e tive de recorrer a diferentes fontes de ajuda. Os miúdos estiveram todos em infantários desde tenra idade.Além disso, tive sempre ajuda em casa.

A grande vantagem de eu e o Roman sermos sócios e termos filhos juntos é que foi quase mais fácil dividir as responsabilidades de ir ao médico, ir a reuniões de pais, ir a eventos desportivos, ir a espectáculos de teatro, etc.!

No entanto, é um grande ato de equilíbrio. Não se pode subcontratar tudo! É preciso ser pai ou mãe e estar presente para os guiar, cuidar deles e ajudá-los a formarem-se como cidadãos do mundo educados, amáveis e responsáveis.

O empoderamento das mulheres tem tido um percurso de sentido afirmativo. Na sua perspetiva como tem sido este caminho tendo em conta que pode observar e participar em diferentes culturas, em diferentes países?

O empoderamento das mulheres significa que o poder não estava lá em primeiro lugar. Isto é uma questão de perspetiva.Também há muitas ideias preconcebidas.

O meu pai é de uma pequena aldeia no sul da Índia.  No entanto, cresci a pensar que podia ser tudo o que quisesse. As ciências e a matemática, bem como as línguas e a literatura, eram incentivadas. Dava-nos a ler artigos de jornal sobre modelos femininos, como Indira Gandhi, Primeira-Ministra da Índia (1966-1977); Margaret Thatcher, Primeira-Ministra do Reino Unido (1979-1990); Benazir Bhutto, Primeira-Ministra do Paquistão (1988-1990/1993-1996); e Golda Meir, Primeira-Ministra de Israel (1969-1974).

Estive muitas vezes em minoria – na faculdade de Engenharia éramos apenas 10% de mulheres; na PwC, quando entrei em 1992, não havia uma única sócia mulher no escritório de Londres.  No meu MBA, éramos 25% de mulheres. Estranhamente, nunca senti que não pudesse subir nestas organizações, ou estar no topo, devido ao meu género.

Penso que tudo começa em casa – para criar confiança nas nossas filhas e educar os nossos filhos no sentido de que somos todos iguais e merecemos respeito e que não deve haver tetos de vidro.

 

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