Juliana Oliveira: “Sou óleo e limalhas e cheiro a ferro”

Em 2013 deixou a KPMG e tentou salvar a empresa familiar. Não conseguiu e, em 2016, com o sócio Luís Tavares, lançou a Olimec, especializada na venda, reparação e manutenção de equipamentos pesados, manutenção industrial na área do ambiente e dos resíduos. Juliana Oliveira é uma das vencedoras do Prémio Executivas do Ano 2023.

Juliana Oliveira é CEO da Olimec.

Juliana Oliveira nasceu na Maia e criou-se numa oficina de metalomecânica, que era o centro da vida familiar com os avôs, onde brincava e aprendeu a andar de bicicleta; era o avô que, vestido com o seu fato de macaco, a levava à escola na carrinha de caixa aberta. Almoçava na cozinha que havia na oficina a comida que a avó cozinhava nos intervalos do trabalho administrativo da empresa. “Cresci a ver o meu avô a trabalhar e a ‘ralhar’ com os funcionários e a minha avó a pagar-lhes o ordenado ao final do mês”, recorda Juliana de Oliveira e remata: “sou óleo e limalhas, eu sou cheiro a ferro, está no meu sangue. Devo este legado aos meus avós”.

Foi através da realização deste legado que Juliana Oliveira se tornou vencedora do Prémio Executivas 2023, na categoria Revelação. “Sinto-me privilegiada e bastante honrada por me acharem merecedora desta distinção. Ao mesmo tempo, sinto algum nervosismo associado à responsabilidade que o mesmo representa”, salientou Juliana Oliveira sobre o Prémio Revelação, que na sua opinião tem sempre relevância “porque para quem o recebe é o reconhecimento de algo de bom que fizemos, porque mostra aos outros que se o recebemos, é porque somos dignos dele”.

Defende ainda que receber um prémio é sempre “um privilégio e um motivo de orgulho para o próprio, mas também um selo de qualidade e de credibilidade pelo trabalho que estamos a desenvolver”. Juliana Oliveira considera que os prémios são marcos na carreira, e que aumentam a responsabilidade enquanto profissionais. Na sua perspetiva, “são bons para nos motivar a ser ainda melhores”.

 

A formação e os primeiros empregos

Um dos seus sonhos era ser ministra, mas interpreta-o como uma vontade de ter poder para mudar o mundo das pessoas para melhor. “Cedo percebi que não era na política que iria mudar o mundo das pessoas, mas o sonho manteve-se o mesmo. E foi realizado! Porque todos os dias trabalho para mudar o mundo das pessoas que trabalham na Olimec e os que dela dependem”, diz Juliana Oliveira.

 

Por que é que escolheu Economia e a Católica Porto Business School? Foi o único curso que sempre desejou? Foi uma influência familiar?

A minha escolha não teve, achava eu, nenhuma influência da minha família uma vez que fui a primeira a estudar Economia. Na verdade escolhi Economia por exclusão de partes, logo no 10.º ano. Para Artes não tinha muito jeito, Humanidades nunca gostei de línguas, Ciências estava muito ligada a áreas da saúde, para as quais não é muito útil uma pessoa que não pode ver sangue. Sobrava económico-social. Sempre fui uma pessoa de números e muito terra-a-terra. Aos 15 anos já sabia que era para Economia que iria. Só não sabia muito bem para fazer o quê.

Relativamente à Católica Porto Business School, durante o secundário sempre me diziam que tinha um curso muito prático, sendo a opção muito mais teórico, com uma ligação muito forte ao mundo empresarial e onde o desenvolvimento de soft skills era valorizado. Uma vez mais, queria viver aquilo que podia “tocar”: as empresas, os empresários, o mundo dos negócios além das teorias económicas.

 

Seguiu-se o Mestrado e lecionou na faculdade em simultâneo. Como é que foi essa experiência? Houve algum professor que a tenha marcado?

À semelhança da licenciatura, também o mestrado em Gestão foi uma questão de exclusão de partes. Não sabia o que queria fazer no futuro, por isso não queria afunilar demasiado a minha escolha, e a Gestão tinha a parte mais prática da área de Economia. Disciplinas como Marketing, Estratégia ou Gestão de operações permitiram o contacto com várias empresas e case studies muito interessantes, o que favoreceu o desenvolvimento do pensamento empresarial. Além disso, tínhamos muitos trabalhos onde visitávamos empresas, falávamos sobre casos reais, simulávamos apresentações a empresas, onde às vezes, tínhamos empresas como júri, e onde o trabalho em equipa era essencial.

Lecionei na faculdade com 21 anos, ao 2.º ano da licenciatura de Gestão. Vários alunos tinham a minha idade ou eram mais velhos. Foi assustador no início, devo confessar. Tinha que impor a minha presença e autoridade a ex-colegas, inclusive de Erasmus e festas académicas. Aprendi com o regente da cadeira, meu ex-professor, como gerir a sala de aula, e fui testando estratégias.

Um professor que me marcou foi o professor Alberto Castro que uma vez disse: “Se o vosso dia só tem 24 horas, trabalhem de noite.” Expressão que às vezes ainda uso.

 

Como é que foi a sua experiência na KMPG? O que é que aprendeu e que memórias guarda? Foi importante para o seu percurso?

Aprendi a ser a profissional que sou hoje. Entrei na KPMG ainda a meio do mestrado com 22 anos, tendo feito a tese de mestrado já a trabalhar. Recém-saída da faculdade, era uma miúda que achava que ia mudar o mundo e que podia dizer o que pensava. Na KPMG entendi o que o professor Alberto Castro queria dizer com o dia ser pequeno!

Ganhamos ritmo e capacidade de trabalho, traquejo nas ferramentas informáticas, capacidade crítica e de análise, e aprendemos a falar e a moldar o discurso a todo o tipo de pessoas, desde o senhor da fábrica até ao diretor geral de uma empresa. As consultoras são uma escola incrível.

Eu e o meu sócio e CFO, Luís Tavares, conhecemo-nos na KPMG e, ainda hoje, fazemos coisas que aprendemos na consultora.

 

O nascimento da empreendedora

Em 2013 deixou um emprego estável e bem remunerado na KPMG e tornou-se gestora da Joaquim de Oliveira, empresa do seu avô, que geriu até 2016. Foi o fator emocional que a fez empreendedora. Como explica Juliana Oliveira, “não conseguia estar a trabalhar tanto para empresas que não me diziam nada, e ver a casa onde eu cresci a ir abaixo. Há pessoas que nascem empreendedoras: vendem os ovos das galinhas da avó, fazem limonada na praia, ou lavam os carros dos vizinhos. Eu nunca fui essa pessoa! Apenas comecei a trabalhar por conta própria porque queria salvar a minha “casa””.

Em 2016 lançou-se com Luís Tavares, na Olimec, empresa especializada na venda, reparação e manutenção de equipamentos pesados, bem como manutenção industrial, que presta serviços ao setor do ambiente, nomeadamente na recolha e tratamento de resíduos sólidos e líquidos, urbanos e industriais. No início eram apenas três pessoas.

Em 2017 a Olimec abriu uma delegação Sul, com uma oficina em Palmela, que soma às instalações na Maia e a uma frota de carrinhas de assistência técnica espalhadas pelo país. Ainda em 2017 obteve a representação da marca Farid e, em Julho de 2019 , com a compra do Grupo Farid pelo Grupo Zoeller  ficou autorizada a representar também a marca Zoeller no mercado nacional. Vende os produtos de mobiliário urbano como caixotes de lixo, bancos de jardins e suportes de bicicletas da marca Auesse.

Hoje são 40 colaboradores, o volume de negócios tem vindo a aumentar de ano para ano. Em 2021 foi de 4,7 milhões de euros, em 2022, 5,5 milhões de euros e a previsão para 2023 é de cerca 7 milhões de euros.

 

Como foram estes dois anos, o que é que aprendeu e onde falhou?

Saí de uma multinacional “by the book” para uma micro-empresa e em falência técnica. Comecei por ver tudo o que eram contas da empresa, era a única coisa que eu sabia fazer bem tecnicamente, na verdade, e a reduzir custos ao máximo, a renegociar e a cancelar contratos. Renovei a imagem da empresa, criei um email e comprei um domínio, tornei a resposta mais profissional. Mas, rapidamente percebi que não adianta mudar a imagem se não temos clientes que a vejam. Nessa altura, comecei a sair à rua a “pedir” trabalho. Porque sem clientes e sem trabalho não vale a pena termos a porta aberta.

Aprendi de tudo um pouco, nomeadamente de hidráulica, eletricidade, materiais ferrosos, ou outro tipo de consumíveis. Mas o mais importante foi aprender a não ter vergonha de vender. Hoje sou a responsável comercial da Olimec e digo, muitas vezes, que não há forma melhor de se aprender a vender como quando a nossa sobrevivência depende de sairmos à rua e trazermos ou não trabalho para a nossa equipa. Aprender e errar é quase proporcional quando se faz o caminho das pedras.

 

Em 2016 fundou com outro sócio a Olimec. Como é que foi essa transição da Joaquim de Oliveira para a Olimec?

Foi dolorosa, mas necessária para a sobrevivência e crescimento do legado que herdei dos meus avós.

 

Entrou para um negócio de metalomecânica. Como foi ser gestora num mundo mais masculino? Hoje a Olimec está a quebrar essa tendência de universo predominantemente masculino?

Foi divertido, porque uma mulher, e jovem, na área era efetivamente uma novidade. As pessoas achavam-me graça e nem sempre me levavam a sério. E por isso, eu tive que estudar muito os meus clientes e o sector onde atuamos. Porque facilmente se passa “de ter graça” para “ser engraçado” e, o que eu queria, era ser profissional e credível no discurso e no caminho que a Olimec estava a fazer.

A Olimec é conhecida por ser uma empresa de mulheres, o que por si só, também tem piada e me deixa, obviamente, muito orgulhosa. Temos mulheres em todos os cargos, e várias em cargos de chefia. Fomos distinguidos pela igualdade salarial entre homens e mulheres em 2022. E mesmo com os nossos parceiros internacionais, o facto de haver mulheres em todas as oficinas e áreas técnicas é algo que marca, pela positiva. Podia ter sido estratégico, mas não foi. Aconteceu naturalmente.

 

Quais foram as principais dificuldades, tanto pessoais, como de negócio, que encontrou quando decidiu tornar-se empreendedora? Onde é que ganhou estímulos, energia e capacidade de decisão para seguir com o negócio?

Em termos pessoais foi nem sempre me levarem a sério por ser jovem. Quanto às profissionais foi o facto de o nosso sistema financeiro não estar preparado para as necessidades que as jovens empresas têm, nomeadamente, as que atuam em sectores tradicionais.

O início é muito difícil. O meu principal estímulo sempre foram as pessoas que estavam comigo e que entraram nesta aventura comigo, por acreditarem em mim. A estas nunca poderia deixar ficar mal.

Mas às vezes quando até essas não chegavam, a minha maior apoiante sempre foi a minha mãe. E foi ela que nunca me deixou atirar a toalha ao chão e sempre me lembrou que tinha um legado e que o “sonho” só se iria realizar se eu lutasse por ele. Nunca, mas nunca mesmo, pus em causa a viabilidade e o futuro do negócio. Eu acreditava que ia conseguir, e mais ou menos motivada, tinha que conseguir. Não havia plano B. E quando não há plano B, só temos o A.

 

Quais os conselhos que daria a uma empreendedora? Seriam os mesmos que a um empreendedor?

Claro que seriam os mesmos. Acho que é muito importante que os empreendedores tenham a noção, em primeiro lugar, de que a ideia está validada pelo mercado, ou seja, existem clientes para aquilo que tencionam vender e, se sim, em segundo lugar, avançar sem medos, aprender com os erros do caminho para não os repetir, e ser persistente, muito.

 

Uma visão da gestão e da liderança

As suas inspirações na vida são a mãe, o avô e a amiga Diana. Nos negócios Bill Gates, fundador da Microsoft, e o comendador Rui Nabeiro, fundador da Delta Cafés. Juliana Oliveira refere ainda que nunca se sentiu discriminada por ser mulher: “quando iniciei a minha carreira e a empresa, senti a dificuldade de ser nova, e nunca de ser mulher”. A empresa tem 25% de mulheres na sua força de trabalho e todas andam com botas de biqueira de aço. Um mito que existe na sua área, e em todos os negócios em que há muitos homens, “é que é uma desvantagem ser mulher. “Para mim não foi”, garante. No seu caso, como não sabia nada do negócio foram dois homens do tempo do avô que lhe foram desvendando os segredos das operações mecânicas. Para Juliana Oliveira o género feminino tem uma inteligência emocional e um foco na resolução e na solução mais do que no problema.

 

Quais são as suas características como líder e como gestora? 

Liderar pelo exemplo, sempre, e foi um ensinamento que trouxe da KPMG. Não podemos pedir nada à nossa equipa se não formos os primeiros a dar o passo. Sou muito exigente e, ao mesmo tempo, brincalhona, bem-disposta e preocupada com os meus. Temos de exigir, mas também temos de dar. Se cumprimos o que prometemos, temos a equipa a remar no mesmo sentido.

Como gestora talvez seja um bocado menos “doce”, sou mais pragmática e olho para o que os números nos dizem, para agir em conformidade. O gestor existe para antecipar desafios, prever crises e minimizá-las, celebrar resultados e partilhá-los com a equipa.

 

Há a expressão que o gestor gere coisas e o líder pessoas. Concorda?

Não concordo que o gestor seja para coisas e o líder para pessoas. A minha motivação na gestão é “mudar o mundo” das pessoas que lidero. Não consigo dissociar a Juliana gestora da Juliana líder, porque uma trabalha em prol da outra, e nenhuma existiria sem pessoas.

 

Tem sido difícil ser uma mulher num mundo de homens?

Não. Tem sido divertido e, honestamente, uma vantagem. Uma mulher num mundo de homens é uma lufada de ar fresco. E a evolução é, sem dúvida, imparável. As mulheres e os homens têm características biológicas diferentes, e o que faz sentido é que trabalhem em equipa de forma a realçarem os seus pontos fortes, uns naturais, outros treinados.

 

Durante o ano de 2017 criou um blogue mas depois deixou de escrever. O que é ficou dessa experiência?

Na altura estava a sem bombardeada com pedidos de partilha da minha experiência como “CEO de uma metalomecânica” com 29 anos. Então decidi partilhar a minha história, bem como o meu estilo de vida, e histórias de outras mulheres empreendedoras portuguesas. Foi um hobby enriquecedor porque tal como já disse, sou uma pessoa de números, e faz-me bem treinar a escrita. Além disso, conheci pessoas que partilharam comigo as suas histórias, uma de empreendedoras, outras mais pessoais. Quem sabe um dia, com mais disponibilidade, retomo.

 

Qual foi a importância de participar no programa EY Entrepreneurial Winning Women de 2018? Como foi a experiência e que lições tirou?

Foi a primeira vez que tive contacto com um networking internacional na área do empreendedorismo. E foi muito interessante perceber que as nossas dores são as mesmas, independentemente do local onde estamos. As partilhas foram grandes, a formação também, e tal como disse inicialmente, foi um prémio que nos deu credibilidade relativamente ao trabalho que estamos a desenvolver. Essencialmente por ser internacional. Porque a Olimec já tinha 2 anos de vida, mas foi muito valorizada na altura por pessoas que a conheciam, mas que antes de ter sido reconhecida internacionalmente, era como se não existisse. Senti claramente que primeiro tive de conquistar fora, para ser reconhecida cá dentro.

 

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