É licenciada em Farmácia e os seus primeiros trabalhos foram ainda na academia, mas foi na L’Oréal que acabou por desenvolver a sua carreira. Desde 2007 que é diretora científica e técnico-regulamentar, um cargo que lhe abriu caminhos inesperados. O facto de esta função a pôr em contacto com todas as divisões da empresa, implicou que, em 2006, Ana Sofia Amaral fosse desafiada para representar os trabalhadores da L’Oréal Portugal no Comité Europeu de Empresa em Paris. Confessa que nunca tal lhe tinha passado pela cabeça, mas depois de se informar em que consistiriam as suas responsabilidades entusiasmou-se com a proposta, candidatou-se e foi eleita. Dois anos depois estalou a crise e a sua missão acabou por não ser tão tranquila como esperava. “Foram anos de uma grande aprendizagem, e sobretudo de uma grande resiliência”, admite hoje, e a verdade é que quando em 2014, a legislação francesa passou a exigir a presença de representantes dos trabalhadores nos boards das grandes empresas, Ana Sofia Amaral mostrou-se disponível para avançar. Foi novamente a eleições e ganhou. Assim, passou a sentar-se no mesmo Conselho onde estava a mulher mais rica do mundo – Liliane Bettencourt, filha do fundador da L’Oréal, que faleceu em 2017 – para defender os interesses de todos os trabalhadores da L’Oréal, não só dos portugueses.
Este é um percurso um pouco inesperado para quem não queria trabalhar em cosmética e começou por se dedicar à investigação, mas condizente com alguém que não se considerando altruísta – diz que única coisa que faz só para si é a costura, o seu hobi desde sempre -, garante que ganha uma motivação extra quando tem uma missão que traz benefícios também para outras pessoas, como esta que acabou por abraçar.
A sua carreira não foi muito linear. Formou-se em Farmácia, começou por fazer investigação e depois entrou na L’Oréal. O que a fez mudar de planos logo no início da carreira?
Durante o curso tive o privilégio de ter como mentora a Professora Odette Ferreira, que é, para mim, um exemplo de vida e uma inspiração! Pela mão dela fui monitora de virologia na faculdade, durante o curso, e estive envolvida na investigação da SIDA, ajudando no laboratório e participando em ações de educação no país inteiro. O gosto por essa área vem desse tempo. Ao terminar o curso tentei a minha sorte na área da Genética com uma bolsa de investigação, mas não correu muito bem e rapidamente me apercebi que tinha que arranjar um trabalho que não fosse tão isolado!
Resolvi, então, ir à procura de emprego e respondi a um anúncio que dizia apenas: “Responsável de Controlo de Qualidade para unidade fabril”. Fui selecionada e quando cheguei ao fim do processo de recrutamento descobri que a fábrica para onde iria trabalhar era da L’Oréal. Para mim foi surpreendente porque um ano antes durante o programa Erasmus que fiz em Tours (o primeiro da Faculdade de Farmácia) tinha tido uma entrevista nos laboratórios da L’Oréal em Paris. Na altura, tinha decidido que não queria trabalhar na área da cosmética. Mas não foi isso que aconteceu… Hoje estou convencida que a L’Oréal estava marcada no meu destino!
Entrou e saiu duas vezes da L’Oréal. Como é que isso aconteceu?
É verdade, e naquele tempo quando se saía da L’Oréal normalmente não se voltava. A primeira vez que saí foi quando a fábrica fechou. Na altura, já era casada e o meu filho mais velho tinha um ano. Assim, a dificuldade de ter perdido o emprego tornou-se na oportunidade de durante um ano poder dedicar-me mais à família e ter o segundo filho de forma mais tranquila.
Quando voltei a procurar trabalho, espalhei por toda a gente que conhecia, que gostava de arranjar um part-time, e arranjei! Novamente na L’Oréal, desta vez na área da formação e regulamentar. Trabalhar a meio tempo, foi uma realidade que me marcou, sobretudo porque me deu a possibilidade de, ao mesmo tempo, poder trabalhar numa multinacional e colaborar com outras entidades externas, o que enriqueceu muito o meu trabalho.
Ao fim de alguns anos voltei a sair e fui para o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde), onde tive oportunidade de representar Portugal na Comissão Europeia e no Conselho da Europa na área dos Cosméticos. Foi mais uma experiência muito interessante, porque me deu a conhecer como funcionam algumas instituições Europeias.
Nessa altura já tinha três filhos pequenos, de idades muito seguidas, pelo que voltei a lançar no “mercado” que precisava de um novo part-time, e a L’Oréal veio de novo em meu “auxílio”. Estávamos em 2002 e voltei pela terceira vez a trabalhar nesta fantástica empresa, onde continuo.
Obrigo-me a nunca perder o sentido de utilidade, se ali estou é para ser útil aos outros e à organização, esta é sempre a minha prioridade.
Quais os momentos mais desafiantes da sua carreira e como lidou com eles?
Um dos mais desafiantes foi o encerramento da fábrica em 1996. Embora fosse uma época em que o emprego não era um problema, foi uma situação difícil. Um dos grandes desafios foi continuar a funcionar a 100% durante mais 6 meses após o anúncio do encerramento. Foi até hoje uma das situações onde a solidariedade e o sentimento de responsabilidade mais me impressionou. Tudo se passou de forma exemplar. Aliás, a equipa da fábrica era uma equipa muito especial, pois ainda hoje, ao fim de 23 anos, todos os anos esta equipa organiza um almoço que reúne todos os colaboradores.
Mais recentemente foi a ida para o Conselho de Administração da L’Oréal. Esta foi realmente uma mudança radical e que de todo não era previsível. Não escondo que no início estava apreensiva, era um mundo desconhecido para mim. No entanto, avancei como o faço normalmente: de forma suave, com muita curiosidade e humildade, sempre atenta e com um enorme sentido de responsabilidade. Obrigo-me a nunca perder o sentido de utilidade, se ali estou é para ser útil aos outros e à organização, esta é sempre a minha prioridade.
Quais as grandes lições que aprendeu ao longo da sua carreira?
São tantas, que dificilmente as posso enumerar. Estou sempre a aprender e muito atenta ao que outros dizem. Posso, talvez, evidenciar o facto de que ao longo da minha carreira aprendi que a capacidade de escutar é das características mais apreciadas por todos aqueles que nos rodeiam. Pode fazer toda a diferença na resolução de muitos problemas. Por fim, o exercício de nos colocarmos em causa perante nós próprios, de vez em quando, pode ajudar muito a sermos mais justos com os outros e a seguir um caminho que seja o melhor para todos.
Como é que chegou ao lugar que hoje ocupa no board da L’Oréal? Como é que alguém de um mercado pequeno tem acesso ao board de uma multinacional?
Da forma mais improvável. Um dia em 2006, desafiaram-me para me candidatar à representação dos trabalhadores portugueses da L’Oréal, no Comité Europeu de Empresa na casa mãe em Paris. Como não tínhamos uma Comissão de Trabalhadores, era necessário haver uma eleição direta. Era algo que nunca me tinha ocorrido, mas parecia interessante e útil. Tenho por regra olhar para os desafios que a vida me coloca com muito respeito. Candidatei-me e fui eleita. Este foi o início de uma aventura riquíssima, por vezes muito dura, mas recompensadora e desafiante.
Quando em 2014 surge em França uma lei que obriga as empresas de determinada dimensão a terem administradores representantes dos trabalhadores, eu estava pronta para agarrar esse desafio. Submeti-me a uma votação dentro do Comité Europeu de Empresa e ganhei.
Penso que este tipo de medidas [Leia das Quotas] não coloca em questão o mérito, antes pelo contrário, e ajuda a que as empresas revejam e melhorem os processos de desenvolvimento dos seus quadros, nomeadamente das mulheres.
Que implicações a sua posição no board internacional tem na sua organização pessoal e profissional?
Implica algumas viagens a Paris; devo ir, em média, uma vez por mês. Desde o início da minha carreira que viajo frequentemente e o meu marido sempre me apoiou. Ficar com os rapazes tornou-se num programa. Quando a mãe viajava, a vida em casa tinha menos regras, era uns dias só de “homens”. Isto desde que eles são pequeninos. Os meus pais e os meus sogros sempre ajudaram, mas o meu marido não abdicava de os ter em casa.
Depois, profissionalmente tenho que assegurar que o trabalho operacional está garantido na Direção Científica aqui em Portugal. Mas também nisto sou uma privilegiada, pois tenho duas fantásticas farmacêuticas que me dão um suporte excecional.
O trabalho no Conselho de Administração implica algumas reuniões e sobretudo muita preparação. De forma a estar o mais atualizada possível tento ainda participar em atividades de organizações como a ACEGE, a FAE, a PWN entre outras.
Que responsabilidades tem atualmente?
Sou Regulatory & Scientific Affairs Director na L’Oréal Portugal e, em simultâneo, Administradora Representante dos Trabalhadores no Conselho de Administração da L’Oréal casa mãe. Represento a L’Oréal no Conselho de Administração da Embopar e pertenço ao Conselho de Administração da Sociedade Ponto Verde (SPV), e ainda, também em representação da L’Oréal, estou na direção da Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão (APPDI).
O que mais gosta naquilo que faz?
Quando sinto que o meu trabalho e a minha maneira de estar impacta de forma positiva a vida das pessoas e das organizações com que me relaciono. É quando sinto que realmente vale a pena.
O que acha que pode ser feito para acelerar a presença de mais mulheres na liderança das empresas?
O princípio das quotas pode ser um bom toque de acelerador para que essa ascensão seja mais rápida. Como muitas pessoas, no início era contra as quotas, porque devemos escolher as pessoas pelo seu mérito! Mas revi a minha posição: penso que este tipo de medidas não coloca em questão o mérito, antes pelo contrário, e ajuda a que as empresas revejam e melhorem os processos de desenvolvimento dos seus quadros, nomeadamente das mulheres.
Da nossa parte, também existe um trabalho pessoal a fazer. Não devemos ter medo de assumir papéis de liderança, mesmo que sintamos que não temos todas as competências para o fazer, muitas delas adquirem-se durante o percurso. Nós temos, por vezes, tendência a ser demasiado exigentes connosco próprias, e perder muita energia nisso. Exigentes, sim, mas o risco também é essencial ao desenvolvimento.
Controlo o stresse com a seguinte máxima “se não estiver bem não sirvo a ninguém”.
O que é fundamental para o seu equilíbrio?
O equilíbrio da minha família é para mim fundamental. Ela é o meu porto de abrigo e o sítio onde vou buscar energia. É a minha prioridade. Isto não quer dizer que não a “abandone” de vez em quando ou que não a mime tanto quanto ela gostaria, porque às vezes não dá para tudo, mas faço-o consciente, e sempre atenta a que não seja em demasia.
Como controla o stresse?
Controlo o stresse com a seguinte máxima “se não estiver bem não sirvo a ninguém”. Esta máxima faz com que quando me aproximo daquela linha vermelha onde o stresse passa de positivo a negativo, dê três passos atrás, respire fundo e ponha as coisas em perspectiva. Depois avanço, mas muito mais tranquila.
Qual o melhor conselho de carreira que recebeu?
Do meu pai, que sempre me estimulou para assumir os desafios profissionais, por mais difíceis que fossem! Dizia-me: “Não tenhas medo, pensas que todos os que estão nesses lugares de grande responsabilidade sabiam tudo quando lá chegaram?!” E da minha mãe, que me ensinou a nunca deixar de sonhar!
Quando olha para trás, do que mais se orgulha na sua carreira?
Talvez o ter conseguido equilibrar uma carreira, que para mim tem sido muito enriquecedora, com uma vida em família que prezo muito, com o cultivar de muitas e boas amizades e com ter tempo para os meus hobbies. No fundo tentar não perder nada nesta caminhada, pois desde muito cedo percebi que na vida não dá para voltar para trás.
Acho que tenho sabido estar atenta áquilo que a vida me dá e fazer disso o melhor que consigo.
Que conselho deixaria a uma jovem executiva?
Não tenham medo, quando as coisas são feitas com o bom propósito, com trabalho honesto e muita paixão, nada pode correr mal. E, se correr,… ainda podemos aprender com isso! Por fim gostava de deixar uma mensagem que me tocou especialmente: What’s the use of having power if you don’t use it to do good?, Randy Lewis.