A Mishmash nasceu há nove anos, pela mão de Beatriz Barros, com o intuito de redesenhar o conceito convencional de estacionário. A jovem empreendedora passou a maior parte da sua infância perto da papelaria do seu avô, na altura uma loja de destaque na periferia de Porto, e que se tornou uma grande inspiração na sua carreira de design. Agora, a marca recém-adquirida pelo grupo suíço Pagani Pens, aposta no segmento corporativo, com um novo serviço de personalização.
Com produção 100% feita em Portugal, a Mishmash está presente em 20 países, em mais de 100 pontos de venda em todo o mundo, entre os quais museus, galerias de arte e lojas da especialidade, como o Museu Guggenheim em Nova Iorque, o Barbican Centre em Londres ou a Merci em Paris.
O desafio agora é o segmento corporativo. Numa época marcada pela entrada da geração Z no mercado de trabalho e com a ascensão do nomadismo digital, a marca lança um novo serviço de estacionário personalizado, com opções pré-estabelecidas, que tornam o processo mais fácil, rápido e competitivo em preço, sem perder a autenticidade da personalização.
Segundo Beatriz Barros, “o mercado empresarial já tem um grande peso no nosso negócio, mas, até agora, o serviço era 100% personalizado, o que tornava o processo demorado e o produto mais dispendioso. Agora, a ideia é facilitar o processo, sem perder a essência do nosso negócio, para chegar a mais empresas e alargar mercados. Atualmente, 60% das nossas vendas neste segmento concentram-se no mercado norte-americano e o objetivo é expandir para mercados centro e norte da Europa e Ásia.”
Com cinco modelos diferentes, os produtos da Mishmash – cadernos e blocos de notas –, podem ser customizados dentro de uma escala pré-definida de tamanhos, tipos de papel, cores e acabamentos e até conter mensagens personalizadas. “Estamos a meio caminho entre as soluções de produção em massa estandardizadas e a criação de uma peça exclusiva”, esclarece.
A qualidade dos materiais é um dos pontos diferenciadores da marca, que norteia a sua atuação por práticas sustentáveis, ambientalmente e socialmente responsáveis. O papel utilizado nas gamas personalizáveis é 100% reciclado, assim como a pele natural usada em algumas capas. Há também soluções reutilizáveis, para evitar descarte, e a marca tem ainda uma política de neutralidade carbónica, compensando a produção de papel com a plantação de novas árvores, uma iniciativa em parceria com a Quercus.
A proximidade com os centros de produção permite não só reduzir a pegada carbónica da atividade, como estar continuamente a inovar, experimentar e testar novas técnicas, inspirando a própria indústria, com base tradicional, a evoluir. “Tivemos, desde o início, este compromisso de produzir localmente e isso traz-nos muitas vantagens, a começar pela componente manual, que se preserva na indústria em Portugal e nos permite um nível de acabamento e detalhe, que de outra forma seria difícil. Além isso, valorizamos muito o expertise dos nossos parceiros e estamos continuamente a desafiá-los a inovar”, acrescenta Beatriz Barros.
A propósito desta nova linha de produtos personalizáveis para empresas, que a jovem designer acaba de lançar, quisemos saber mais sobre o seu percurso.
Ter o seu negócio foi sempre a sua primeira opção? Nunca equacionou trabalhar primeiro numa outra empresa para ganhar competências antes de se lançar por conta própria?
Ter o meu próprio negócio nunca foi a primeira opção. Enquanto designer a minha prioridade estava em criar um produto viável e de interesse para o mercado, e uma love-brand à volta dessa mesma categoria de produto. Criar o negócio veio como uma consequência da minha paixão e interesse pela área. Quando se começa assim, penso que aumentamos a nossa chance para o sucesso. Não estamos tão focados em “criar quaquer coisa” que se encaixe nos parâmetros do mercado.
Honestamente, sempre fui um pouco espírito livre e não me apelava trabalhar por conta de outrem, não tanto pela questão de cumprir um horário ou reportar a alguém, mas acima de tudo porque tinha ideias diferentes do que o mercado de trabalho poderia ser ao sair de uma faculdade de artes e design e queria muito traçar o meu próprio percurso. Via e vejo o mundo de uma forma muito própria, inspirada por outras marcas e objetos fantásticos, e ao mesmo tempo tinha a confiança de que tudo o que havia para aprender (e tinha muito que aprender!) iria conseguir com muita resiliência, disciplina, ambição e uma mentalidade aberta. E assim foi. Uma coisa que a minha geração não se pode queixar, é do acesso livre à informação (é apenas importante saber filtrar e saber onde focar).
Eu cresci na papelaria do meu avô em Matosinhos, e de forma inconsciente penso que isso me apaixonou por esta área entre o cheiro a papel acabado de sair da máquina de fotocópias, às canetas de gel com cheirinho a coca-cola, aos artigos de papelaria que o meu avô desenhava e produzia na papelaria.
Porquê o interesse no material de escritório?
Estando nesta àrea há 9 anos, já sinto que a pergunta é mais, porque não? O nosso nicho é absolutamente obcecado com material de escritório. É uma paixão que não se descreve, sente-se! As pessoas entram no nosso escritório (muitas vezes em caos de encomendas) já com brilho nos olhos. Querem mexer em tudo, experimentar tudo, perguntam que outros projetos estamos a desenvolver, se já pensámos alguma vez lançar um calendário de parede que lhes faz muita falta, fazem perguntas curiosas sobre o nosso processo criativo e assim vamos criando uma comunidade que já é bastante presente em todo o mundo, e em Portugal, a crescer.
Eu cresci na papelaria do meu avô em Matosinhos, e de forma inconsciente penso que isso me apaixonou por esta área entre o cheiro a papel acabado de sair da máquina de fotocópias, às canetas de gel com cheirinho a coca-cola, aos artigos de papelaria que o meu avô desenhava e produzia na papelaria.
Este não é um negócio em vias de extinção? As novas gerações, tão digitais, e mesmo as empresas, onde há cada vez menos papel, ainda ligam aos blocos e cadernos?
O negócio do meu avô era. Assim como tantos outros nesta área ainda o são. O meu nem tanto. Desde que se continue a modernizar, a acompanhar as tendências e a posicionar-se como um negócio relevante na vida das pessoas, há evolução.
E é importante que os produtos continuem com preocupações de funcionalidade e produtividade, acima da estética (form follows function).
A sua pergunta é engraçada pois, neste momento, as empresas que mais nos procuram para produtos personalizados são empresas tecnológicas, com grande preocupação de design. Empresas cujo produto é digital, mas que trabalham offline não só com os seus colaboradores (ambiente corporativo altamente criativo e desafiante), mas também com a sua comunidade (mercado altamente competitivo). O produto de papel é tão relevante neste momento, que são as tecnológicas as primeiras a perceber isso.
É este nicho de empresas que depois também procura e tem orçamento para produtos com maior diferenciação, com mais hipóteses de personalização, e que não se rege ao existente no mercado. Marcas que são líderes de mercado e inovadoras, não querem o mesmo produto que todos os outros players. E é aí que a Mishmash se diferencia — temos soluções diferentes para todos os nossos clientes.
O que traz a Mishmash de diferente ao mercado?
No segmento B2C, ou seja, na relação com o consumidor final, apresentamos um produto diferenciado e de elevada qualidade, proposta de design desde o produto à plataforma de compra, busca incessante de produtos tendência no mercado e com cunho Mishmash.
No segmento corporativo, B2B, oferecemos um tempo de resposta muito rápido, serviço ao cliente muito atencioso e ready-to-help,. Colocamo-nos na pele do cliente em todos os projetos para oferecer a melhor proposta a todos os níveis. Também o nosso expertise na área (o que vendemos em retalho dá-nos muita informação, inteligência analítica e informação sobre comportamentos) é muito valorizado pelas empresas que querem criar connosco algo relevante e não apenas “brindes”.
O facto de ter formação em Design e não em Gestão tem sido um desafio para gerir/conduzir o negócio?
Diria que não, dado as competências de um designer em design thinking (pode entender-se como “business thinking”) e criatividade na resolução de problemas. Estamos treinados para isto. Diria que provavelmente seria até mais difícil ao contrário, um gestor conduzir um negócio criativo. É preciso sonhar e visualizar muito, e depois transmitir esse “desenho” a todas as pessoas à nossa volta.
Mas é essencial desenvolver competências de gestão. Talvez seja esse o desafio na área do design – aplicar o design thinking ao business thinking, no sentido que temos que colocar a criatividade ao serviço do negócio.
Quais os principais desafios que tem enfrentado ao longo desta jornada com a Mishmash?
Garantir o capital necessário para alavancar uma empresa de produto.
É desafiante termos de dar “small steps”, quando a nossa imaginação é de “big steps” e a constante noção de “luta contra o tempo”. Pessoalmente, esse é mesmo o maior desafio.
É preciso capacidade de reinvenção, resiliência e criatividade na resolução de problemas e na criação de problemas também! Sem esta capacidade de criar problemas, a Mishmash não existia!
Que aprendizagens fez durante este percurso como empreendedora que gostaria de ter sabido logo no início?
Algo que era impossível saber sem ter caminhado este percurso, que é a expertise que agora temos nesta categoria de produto e os erros que fizemos no passado no seu desenvolvimento. Mas acredito mesmo que se não os tivessemos feito na altura em que fizemos, mais tarde iriam acontecer na mesma. Existem obstáculos que simplesmente temos de os ultrapassar para ganhar esse conhecimento e expertise. Por isso dizem que é no erro que está a grande aprendizagem, não é por acaso.
Que skills considera fundamentais para o percurso que tem feito?
A capacidade de reinvenção. Resiliência. Criatividade na resolução de problemas e na criação de problemas também! Sem esta capacidade de criar problemas, a Mishmash não existia!
Quais são as áreas mais desafiantes da sua atividade?
Gerir cashflow, investimentos e, no geral, a parte financeira e burocrática. Felizmente, nessa área agora tenho apoio diretamente dos headquarters suíços do nosso sócio Pagani Pens.
Do que mais se orgulha nesta seu percurso com a Mishmash?
De não termos desistido. De termos persistido, independentemente dos desafios. E de termos conseguido inspirar tanta gente a juntar-se a nós, desde os nossos colaboradores aos nossos parceiros de negócio e fornecedores, sem qualquer exceção.
Lançar um negócio é como ter um filho (não tenho, mas pelo que me contam), mesmo nos maus momentos, não podes desistir. Mas tens de ter noção para o que vais e não te deixes iludir com a fantasia de ter um negócio.
Como é que surgiu a proposta do Grupo Pagani Pens e o que a levou a vender-lhes a sua empresa e o que mudou na Mishmash com esta aquisição?
A busca incessante de crescer em “bigger steps” levou-me a procurar um parceiro internacional com presença relevante no mercado B2B, por ser uma das áreas que vemos com maior potencial de explorar no futuro. O grupo Pagani Pens está consolidado no mercado há 60 anos, e juntos queremos revolucionar a forma como se trabalha a categoria de papel e caneta no futuro.
Encontrei uma rede de apoio de profissionais especializados, que me irão permitir evoluir em várias vertentes do negócio, sendo que na visão, estamos perfeitamente alinhados.
Onde ou em quem procura inspiração para levar o seu negócio adiante?
Pelo mundo! Não vivo sem viajar e a minha criatividade começa a esmorecer ao final de alguns meses parada com a mesma rotina do dia-a-dia. Claro que não é possível viajar sempre que queremos, mas coloco as viagens que faço como prioridade da minha higiene criativa, que alavanca o negócio na direção do futuro. Gosto particularmente das viagens que me permitem “voar” para mundos décadas à frente da nossa realidade, pela experiência de retalho e as novas tendências de mercado (Nova Iorque, entre outros) ou pela forma como algumas categorias de produto (papel) renascem completamente e são introduzidas noutros contextos (Coreia do Sul e Japão).
Que conselhos/alertas deixa a quem sonha lançar um negócio?
Vai ser duro. É como ter um filho (não tenho, mas pelo que me contam), mesmo nos maus momentos, não podes desistir. Mas tens de ter noção para o que vais e não te deixes iludir com a fantasia de ter um negócio. Ao fim de algum tempo, compensa muito. Para mim, não há realização maior do que esta.
Leia mais entrevistas com mulheres empreendedoras.