Numa entrevista a Teresa Lameiras, que está na Seat Portugal há 15 anos e que tem sido uma das principais responsáveis pelo seu sucesso, a pergunta impõe-se: “Nunca desejou ser country manager da marca nosso país?” A resposta chega pronta: “Já me foi dada essa opção mas não aceitei. É um privilégio poder escolher”. Teresa Lameiras garante que ao longo destes anos teve sempre a oportunidade de crescer em várias áreas e de participar em projetos, nacionais e internacionais, que a enriqueceram, por isso não se arrepende das decisões que tomou.
Quem a ouve falar de automóveis de forma tão profissional e entusiasta não imagina que chegou a esta indústria praticamente sem saber nada do setor e numa altura que nem a carta tinha. “Senti mais dificuldades com o facto de ter que aprender muito de produto e menos por ser mulher”, reconhece. Em outubro de 2003 fez parte da equipa que fundou a Seat Portugal, empresa que passou a representar diretamente a marca espanhola no nosso país. Com determinação, muito trabalho e alguma ousadia Teresa Lameiras conseguiu construir um percurso de sucesso para si e para a marca. Colocou a Seat como patrocinadora da Moda Lisboa, nos concertos – ainda antes de eles se tornarem mainstream – e até na arte urbana. Por isso, mesmo com uma linha limitada de modelos durante vários anos, a Seat conseguiu estar sempre entre as principais marcas do mercado português. No início de 2017, foi distinguida com o galardão de melhor importador da marca espanhola – que está hoje em 60 países -, e Portugal é, atualmente, o seu terceiro principal mercado da Seat, logo a seguir a Espanha e Alemanha.
Como é que uma jovem jornalista da Renascença aceita uma proposta para o setor automóvel e continua ligada a ele há 25 anos?
A verdade é que foi por acaso que iniciei a minha atividade na Renascença – na altura era a responsável nacional dos jovens das Conferências de São Vicente de Paulo e fui com a Responsável Nacional, curiosamente também uma mulher, Maria Angélica Pamplona Corte Real – dar uma entrevista. No final, perguntaram se podia lá voltar para acompanhar as montagens. Fui, e quando me convidaram para fazer testes, não levei muito a sério até que me telefonaram a formalizar o convite. Fiz o teste de voz e leitura, os psicotécnicos e entrei. O mais difícil foi dizer em casa que iria conciliar isso com o curso de Direito. Mas como era a Emissora Católica, a prova foi superada.
Depois de algum tempo na Renascença achei que poderia evoluir para “o outro lado”, dar o salto para as empresas que criam os conteúdos, que fazem a noticia acontecer, para uma área diferente onde pudesse fazer outro tipo de projetos. Fazia na altura um programa chamado “Radiografia”, num modelo agora vulgar , mas estamos a falar de há mais de 30 anos, em que entrevistava personalidades e “entravam ”apontamentos de familiares e colegas sobre essas pessoas, numa conversa muito interessante. Um dia, depois de um programa recebi um contacto de um “caça cabeças” a desafiar-me para um projeto. Não aceitei esse, mas aceitei o seguinte. Fui selecionada e entrei num mundo totalmente diferente. E importa dizer que a minha saída da Renascença não foi muito fácil, pois não aceitaram muito bem. Mas vencida a surpresa foram duma correcção total, e o Eng. Magalhães Crespo deixou bem claro que a porta ficava aberta caso não me desse bem no “ mundo dos carros”. No fundo são estas as coisas que nos ficam para além do trabalho que fazemos – os afectos, as relações como verdadeiro património da nossa vida.
[O que me atraiu] foi o facto de poder sair da área de conforto, o desejo de mudança, do risco, a oportunidade de conhecer uma nova área num ponto de vista diferente da realidade da comunicação.
O que mais a atraiu na proposta e o que a fez apaixonar-se por este mercado?
O facto de poder sair da área de conforto, o desejo de mudança, do risco, a oportunidade de conhecer uma nova área num ponto de vista diferente da realidade da comunicação. Poderá parecer uma contradição esta paixão pelo desconforto, estando no mesmo sector e sobretudo na mesma marca – estive numa outra empresa que tinha outras marcas, além da SEAT – mas de facto não é, pois a SEAT tem-me permitido evoluir em varias áreas. Comecei como diretora de Comunicação, acumulei com a Formação, depois Recursos Humanos e Marketing. Hoje faço várias coisas, muitas delas menos visíveis e que decorrem do facto de ser procuradora da empresa. Mas mais do que o título que temos ou a assinatura, fascina-me e desafia-me todos os dias a autonomia que temos para nos reinventarmos e interpretarmos para o nosso país a estratégia global, mesmo estando numa multinacional, que tem o privilégio de ter decisão local.
Este é um mercado muito difícil, pois é muito castigado pela carga fiscal. Foi durante muito tempo um mundo muito masculino, creio que fui a primeira diretora de Marketing no nosso país, mas ao mesmo tempo é um mundo muito desafiante pois trabalha a emoção, o gosto pela marca. O que distingue os automóveis para além da qualidade e do preço é o gosto pela marca – ninguém compra o que não gosta ou não conhece. Não se conduz todos os dias um automóvel com o qual não nos identificamos. E este é o desafio: como mostrar que somos diferentes, mostrar o nosso real valor, o quanto somos cool e tecnológicos, a par da qualidade e de um preço competitivos?
Por outro lado, há também nesta área recursos na inovação do produto em si, mas também margem para arriscar em termos de novas formas de investir em conteúdos no digital, o que é muito desafiante para um profissional da comunicação.
Quais os principais desafios que enfrentou nas novas funções no setor automóvel e em que medida a sua experiência anterior como jornalista a ajudou?
Entrei através de um recrutamento normal e estava a acabar de tirar a carta. Foi uma enorme aprendizagem em termos do sector, mas sem dúvida que a experiência na área da comunicação ajudou muito em termos do contacto com a imprensa bem como na definição de conteúdos ou de eventos.
Senti mais dificuldades com o facto de ter que aprender muito de produto e menos por ser mulher.
O facto de ser mulher e de não ser uma apaixonada ou entendida em automóveis não lhe colocou dificuldades acrescidas nos primeiros tempos? Como as ultrapassou?
Senti mais dificuldades com o facto de ter que aprender muito de produto e menos por ser mulher. A receita é a de sempre: trabalhar, investir na formação, ter humildade para escutar e determinação para executar.
Fez parte da equipa fundadora da SEAT Portugal, em 2003. O que mais a marcou dessa experiência de começar do zero a empresa que passou a representar diretamente a SEAT em Portugal?
Foi absolutamente fantástico – a oportunidade de uma vida – dar corpo a uma empresa, multinacional, escolhendo a equipa e redefinir a estratégia local da marca. Uma experiência fantástica da qual muito me orgulho, pela confiança que depositaram em mim e pelos resultados que obtivemos desde então, em termos de imagem, resultados comerciais e financeiros.
Nos últimos anos, a SEAT tem registado um significativo aumento nas vendas. Quais os principais fatores que contribuíram para esses resultados, especialmente no mercado português, que está sob a sua responsabilidade?
A SEAT tem feito uma enorme progressão em termos de produto, não só ampliando a sua gama de forma impressionante, lançando novos modelos anualmente nos últimos tempos, entrando no segmento dos SUV, garantindo os padrões de qualidade e segurança do Grupo VW, com foco na tecnologia – muita de série já nos nossos modelos e que noutras marcas são opções em segmentos superiores – diferenciando-se pelo design e, diria, por um posicionamento mais cool, mais urbano par quem, independentemente da idade, desfruta a vida e aposta na gestão do seu próprio destino. São estes clientes exigentes, sensíveis ao design, com alegria de viver, que encontramos na nossa marca. Somos naturalmente sensíveis à oferta de uma relação justa de preço/ equipamento/ qualidade e de soluções integradas em que o automóvel faz parte da vida de uma forma fácil. Criámos, por isso, as Soluções SEAT com o “Easy” a entrar no léxico do financiamento, em que se pode pagar a utilização do carro, com uma renda mensal acessível, onde os custos habituais estão integrados (apostamos fortemente no renting para particulares). Tudo para tornar mais fácil e acessível a utilização do automóvel.
Todo este sucesso é resultado do trabalho da marca a nível central, mas também da nossa equipa, que tem conseguido definir as estratégias de posicionamento da marca, que levam a uma melhor imagem, da nossa rede de concessionários que são o nosso interlocutor direto com os clientes e lhe oferecem as propostas que resultam de uma estratégia comercial ajustada ao mercado português. O individual de cada área determina o sucesso de todos como marca. O crescimento de 25% deste ano espelha em números este sucesso.
Costumo dizer que o diretor de Marketing mais importante do [nosso] mercado é o Governo, que reposiciona logo à partida os automóveis pela carga fiscal.
Quais os vossos pontos fortes e quais os principais desafios no mercado português?
O mercado português é bastante complicado, pois há uma tremenda carga fiscal a incidir sobre os automóveis, que são muito mais caros em Portugal, o que obriga a um grande esforço de adaptação. Costumo dizer que o diretor de Marketing mais importante do mercado é o Governo, que reposiciona logo à partida os automóveis pela carga fiscal. Face a isto, que é comum a todo o setor, ajuda-nos a agilidade na resposta aos desafios do mercado, não só pela autonomia, mas pela agilidade nos processos.
Quanto aos desafios são imensos e, também aqui transversais, na grande maioria, para o setor e que passam pela digitalização, pelos novos hábitos de consumo dos clientes, pelas novas formas de compra. O facto de sermos uma marca que oferece propostas muito competitivas, com muita tecnologia de série e com as tais soluções integradas de utilização (renting para particulares) faz-me acreditar na nossa competitividade, não só no presente mas também no futuro.
Quais as próximas novidades SEAT para o mercado português e quais os seus principais objetivos em termos de quota de mercado dentro do grupo e no mercado nacional?
Somos seguramente percecionados como uma marca dinâmica e alegre, para consumidores e condutores apaixonados pela vida, otimistas e com espírito jovem, independentemente da idade. A SEAT atravessa atualmente a sua maior ofensiva de produto de sempre e o nosso compromisso é lançar um novo automóvel a cada seis meses até 2020. Os dois primeiros veículos serão o SEAT Tarraco e o CUPRA Ateca, sendo de destacar o facto de a CUPRA, que sempre se assumiu como o lado mais desportivo da SEAT, ser agora uma nova marca, com a sua própria identidade. CUPRA passará a ser sinónimo de exclusividade, sofisticação e performance, uma marca especial para entusiastas. A marca nasce para desenvolver modelos conjuntamente com a SEAT, mas com um propósito firme no desenvolvimento da sua independência.
Mas os consumidores podem contar com outras novidades a breve trecho. No próximo ano, chegará aos concessionários a nova geração do SEAT Leon e em 2020 a marca venderá o seu primeiro modelo 100% elétrico, com uma autonomia de 500 quilómetros. Em conclusão, a imagem de renovação que queremos transmitir assenta fundamentalmente em quatro pilares: mais marcas, mais mercados, mais automóveis e mais energias.
Temos autonomia local e quando dizemos que vamos a Espanha, é porque vamos a Barcelona à nossa central – não temos estrutura ibérica.
Sempre afirmou que tem alguma autonomia para adaptar a estratégia global da SEAT ao mercado local. Qual a iniciativa que mais se orgulha de ter tomado e que mais impacto teve nos seus colegas de outros mercados?
Antes de responder, importa referir que adoro trabalhar esta marca pelo potencial que tem e pela relação que tenho (e temos) com os nossos headquarters. Temos autonomia local e quando dizemos que vamos a Espanha, é porque vamos a Barcelona à nossa central – não temos estrutura ibérica. Sempre conseguimos apostar localmente no que fazia sentido em termos de interpretação local da estratégia da marca. A estratégia é sempre global e a força da marca – a adaptação local feita por cada equipa no seu país é, no meu entender, determinante para o sucesso. Como exemplo, poderei dar a nossa aposta na Moda Lisboa (para reforçar a aposta no design), a música (desde sempre, e não só agora em que os concertos estão mais em voga) e recentemente a arte urbana, cuja aposta iniciámos com o Ateca (há 3 anos) e que agora faz parte também da estratégia global.
O que mais gosta na sua função?
A possibilidade de poder fazer diferente, de decidir, de arriscar, de concretizar o que acreditamos ser importante para o negócio. De me rodear de equipas com sentido crítico, que me obrigam a rever pontos de vista e a questionar diariamente. O desconforto da mudança para construir o futuro.
Qual foi o momento mais difícil da sua carreira?
Foram dois momentos: um em que tive que deixar um projeto por não confiar e não concordar com a forma como estava a ser conduzido e, já na SEAT Portugal, a redução da estrutura, fruto da crise. Foi muito duro ter que deixar de contar com pessoas válidas porque o mercado caiu e foi a única opção para conseguirmos continuar.
E qual aquele em que sentiu que se conseguiu superar?
Durante a crise – acreditei sempre que era apenas uma fase e passámos à equipa que iriamos conseguir recuperar e conseguimos! Reinventado recursos e formas de trabalhar, começando de novo, mas com uma estratégia clara para conseguir os objetivos a que nos propunhamos.
Quais as competências e características mais importantes para se ser uma profissional de excelência na sua função?
A capacidade de escutar e aprender sempre, de inovar, de não dar nada por adquirido, de ser focado e honesto, de trabalhar em equipa e com a equipa. A de ver em cada ponto de chegada ou conquista uma oportunidade para ir mais além.
Gosto do que faço, e pelo facto de ser procuradora participo na gestão global da empresa, mas não me seduz essa responsabilidade [de country manager].
Está há 15 anos na SEAT Portugal como responsável da Comunicação e do Marketing e ao longo destes anos o seu desempenho já foi reconhecido inúmeras vezes. Nunca desejou ocupar o cargo de country manager?
Já me foi dada essa opção e a de ser expatriada mas nunca aceitei. Gosto do que faço, e pelo facto de ser procuradora participo na gestão global da empresa, mas não me seduz essa responsabilidade. Ao longo destes anos tenho tido, debaixo do mesmo título, a oportunidade de crescer em várias áreas como a da gestão da formação, recursos humanos, etc. e de participar em projetos de cariz internacional que me motivam e enriquecem. Quanto a sair foi uma opção pois tinha família e movê-la nem sempre é fácil.
É um privilégio poder escolher! Sinceramente, até agora não me arrependo das decisões, mas tenho que reconhecer que a SEAT foi sempre de uma enorme compreensão e abertura, nunca me prejudicando em nada na progressão da carreira, remuneração ou condições.
Que conselhos deixaria a uma jovem que está a dar os primeiros no mercado de trabalho?
A dedicação, saber escutar e brio são essenciais para a aprendizagem. Ter sentido critico e partilhar ideias, questionar sempre o que se faz para se poder fazer melhor e partilhar de forma construtiva com a chefia.
Ser paciente e focada para conseguir criar projetos, ter alguma visibilidade e ter a força de “partir para outra” se não sentir reconhecimento e não se sentir motivada. Se sentimos que “não nos merecem” devemos mudar, acreditar em nós e seguir o nosso caminho para sermos boas profissionais e felizes.