Suzana Curic: “Nunca podemos deixar de investir em nós próprios”

A curiosidade, as horas passadas com o pai na sua garagem e uma professora do secundário que lhe ensinou as maravilhas da Matemática conduziram-na a um curso de engenharia. Suzana Curic, country leader para Espanha e Portugal da AWS, acredita que o facto de sempre ter vivido como ‘minoria’, fez com que desenvolvesse as competências que a fizeram ter sucesso como líder no setor tecnológico.

Suzana Curic é country leader de Espanha e Portugal da AWS.

Suzana Curic nasceu e cresceu na Suécia, tem raízes croatas e vive em Espanha desde 2000. Licenciou-se em Engenharia Industrial na Linköping University, na Suécia,  e trabalhou durante 20 anos em tecnologia, telecomunicações e media. Em 2017 juntou-se à Amazon Web Services para ajudar as empresas digitalmente nativas e as de desenvolvimento de software (ISV) a serem mais ágeis, reduzirem os custos tecnológicos e acelerarem a inovação graças à democratização da tecnologia, possível através da cloud. Depois de liderar o negócio Digital Native e ISV na AWS Iberia (Espanha e Portugal), foi nomeada Head of Enterprise AWS Iberia, cargo a partir do qual ajudou a transformação digital de grandes empresas em Espanha e Portugal. Desde janeiro deste ano Suzana Curic é country leader em Portugal e Espanha da AWS. Além destas funções, Suzana Curic também faz parte da ‘AWS GetIT’, um programa educativo concebido para inspirar estudantes dos 12 aos 14 anos, especialmente raparigas, para que considerem um futuro nas STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). A executiva defende que cada mulher tem os seus próprios ‘super poderes’ no que toca à sua liderança. Saiba quais os “super poderes” que ajudaram Suzana Curic a fazer carreira num mundo predominantemente masculino.

 

Porque escolheu a licenciatura em Engenharia Industrial e em que medida ela moldou o seu percurso?

Sempre fui uma pessoa muito curiosa e queria perceber como é que as coisas funcionavam. Passava muitas horas com o meu pai na nossa garagem, a arranjar as bicicletas, a preparar e a limpar a máquina de cortar relva ou mesmo quando ele tinha que arranjar o nosso carro.

Os meus pais, que trabalharam em fábricas durante toda a vida, aconselharam-me a seguir uma carreira considerada “formal” para que eu pudesse ter mais opções de vida do que as deles: vidas mais duras, a acordar de madrugada e muito exigentes fisicamente. Lembro-me que tive a sorte de ter uma professora de secundário que me ensinou as maravilhas da Matemática, e não tenho dúvidas de que foi ela que “plantou a semente” para que eu escolhesse uma carreira mais técnica.

Essa foi a principal razão pela qual me candidatei a estudar Engenharia Industrial na Universidade de Linköping, na Suécia, com especialização mais tarde em Produção e Logística. Apercebi-me que, entre as opções mais técnicas, a Engenharia Industrial era uma aposta segura, uma vez que abrange muitas áreas. Assim, podia trabalhar em vários setores e, mais tarde, especializar-me naquilo que mais me interessava, como a mecânica, a logística, a produção, a construção, o ambiente ou a eletrónica. A minha licenciatura e os meus estudos ajudaram-me a desenvolver a chamada “maneira de trabalhar” de um engenheiro, com uma mentalidade estruturada e competências analíticas para ir do contexto geral até aos detalhes da execução de um projeto. Esta mentalidade enquadra-se muito bem na mentalidade de construção da AWS e é por isso que gosto tanto de estar aqui.

Começou a sua carreira na Ericsson, onde trabalhou 14 anos. Quais os principais marcos dessa fase?

A Ericsson é a empresa que me formou, uma vez que foi onde iniciei a minha carreira profissional. Comecei como estagiária na Suécia e depois tive a oportunidade de viajar por vários países, e fazer parte de diferentes projetos. Como já referi, sempre fui muito curiosa e a Ericsson permitiu-me trabalhar em vários campos, principalmente no desenvolvimento de novos negócios, como Telco Professional Services, Media and Entertainment ou Broadcast Services, com responsabilidades de equipa regionais e globais. A Ericsson também tinha um programa de liderança executiva muito desenvolvido que me ajudou a assumir a minha verdadeira identidade, quando comecei a liderar projetos e equipas.

 

Li que de todos os elementos que influenciam o desempenho de uma equipa, o estado de espírito do líder e os seus comportamentos são o mais importante. Por isso, tento sempre dar o meu melhor no trabalho e conseguir passar isso mesmo às minhas equipas.

 

Em 2017 entra na AWS como gestora de contas de grandes empresas e desde janeiro deste ano é responsável pelos mercados de Portugal e Espanha. Quais os skills que mais a ajudaram a fazer este percurso?

Depois de mais de 19 anos noutra empresa, em múltiplas funções, decidi juntar-me à AWS e foi, sem dúvida, a melhor decisão que tomei. Em 2017, comecei a trabalhar em projetos de apoio a  empresa digitais e de desenvolvimento de software (ISVs), para que se tornassem mais ágeis, reduzissem custos e acelerassem os seus processos de inovação. Tudo graças à democratização da tecnologia, possibilitada pela cloud. Foi uma época de que gostei bastante.

Desde então, e ao combinar os meus 15 anos em cargos de chefia na minha antiga empresa e o modelo que aprendi aqui na Amazon (a nossa cultura de escrita, a implementação de mecanismos de gestão de tarefas, e a nossa filosofia de pensar “em grande”, que se baseia principalmente numa obsessão pelo cliente), originaram as competências, que me levaram ao meu cargo atual de country leader para Portugal e Espanha.

Todos os dias continuo a investir em formas de liderar a minha equipa da melhor maneira possível, e dedico tempo ao desenvolvimento de uma cultura de alto desempenho onde a flexibilidade emocional e a energia das minhas equipas são elementos chave para que, tanto as pessoas com quem trabalho, como eu, consigamos servir melhor os nossos clientes. Tenho muito interesse por esta área, e recentemente li um artigo bastante interessante sobre inteligência emocional da Harvard Business Review, no qual se destaca que de todos os elementos que influenciam o desempenho de uma equipa, o estado de espírito do líder e os seus comportamentos são o mais importante. No final, estes dois fatores influenciam o estado de espírito e os comportamentos de todos os outros. Por isso, tento sempre dar o meu melhor no trabalho e conseguir passar isso mesmo às minhas equipas.

Qual a missão como country leader destes dois mercados?

Como country leader de Portugal e Espanha a minha principal missão é continuar a apoiar os nossos clientes em ambos os países no seu caminho para a transformação digital e, claro, tornar-me a líder de que as minhas equipas precisam, inspirando-as a fazer melhor.

Para o conseguir, utilizo um modelo baseado na “Liderança 4D” do Dr. Alan Watkins, que explica como devemos encarar o negócio a curto e a longo prazo. Com base neste modelo, a minha missão é, através de tecnologias como a Inteligência Artificial (IA) e a Machine Learning (ML), ajudar as empresas e os governos a inovar mais rapidamente e a desenvolver o talento que possam ter.

Em última análise, quero conseguir contribuir para a inovação de todos os tipos de empresas na Península Ibérica. Quero garantir que se mantêm competitivas e mostrar-lhes como podem inovar, oferecer um melhor serviço aos nossos clientes, aumentar o talento digital, aumentar a produtividade através dos dados, transformar negócios com serviços de IA e capacitar as empresas. Tudo graças à tecnologia de cloud computing.

Quantas pessoas gere atualmente e como se organiza para gerir Portugal e Espanha?

Este ano vai ser muito importante para nós, uma vez que nos iremos concentrar naquilo a que chamamos na Amazon de “High Velocity Decision Making”, para prestar um melhor serviço aos nossos clientes, enquanto mantemos a motivação e o dinamismo que prometemos, desde o primeiro dia.

No que respeita à gestão em Portugal e Espanha especificamente, como estou baseada em Madrid, é mais fácil estar em contacto permanente com estas equipas. Além disso, vivo no país há mais de 20 anos, pelo que já me sinto espanhola. Relativamente a Portugal, costumava visitar muito o país antes de assumir as minhas novas funções. É algo que tenciono continuar a fazer, porque para além de ficar fascinada com as pessoas, a sua simpatia e a forma como recebem toda a gente, aprecio muito a mentalidade inovadora e resiliente do mercado português, como podemos ver através de alguns unicórnios que surgiram nos últimos anos.

No fundo, Portugal fascina-me e o que mais gosto são as pessoas e as relações que tenho conseguido construir neste país. Para mim é quase a minha segunda casa.

 

Acredito que com esforço, dedicação e vontade de aprender tudo é possível, inclusive ter sucesso numa área tradicionalmente associada aos homens.

 

Quais os principais desafios de uma sueca a trabalhar com espanhóis e portugueses. O que tem aprendido sobre nós e connosco e o que acha que as suas equipas têm aprendido consigo?

Tendo nascido num ambiente multicultural, os meus pais deram-me a capacidade de me adaptar a muitas culturas e de ser tolerante em relação às diferenças entre as pessoas e as suas origens.

A cultura calorosa do Mediterrâneo tem feito parte da minha mesa de jantar em casa, enquanto a sociedade sueca me ensinou como pensar de forma estruturada para levar adiante as minhas ambições, e é isso que eu trago comigo. Também ter praticado muito desporto desde criança, onde se refletia a determinação de atingir um objetivo, de traçar um caminho para desenvolver certos “músculos”, o espírito de vencedor e o fairplay, como recuperar do fracasso e da perda, é outra das valiosas experiências que levo para as minhas equipas. Nas equipas locais, vejo a capacidade de ser flexível quando as coisas estão mais incertas e como as mentes criativas se unem para desenvolver novas ideias.

Muitas mulheres que tentam fazer carreira em áreas tecnológicas desistem porque que a sua opinião não é valorizada e a sua carreira não evolui. O que fez a Suzana para contornar estes obstáculos?

O facto de sempre ter vivido como ‘minoria’ na escola, no trabalho e também por ser imigrante, fez com que desde muito cedo desenvolvesse as competências que me fizeram ter sucesso como líder no setor tecnológico. Saí da minha zona de conforto, desenvolvi a capacidade de observar e ouvir os outros, aprender com eles e ter a coragem de fazer ouvir a minha voz, apesar das diferenças que possam existir.

Acredito que com esforço, dedicação e vontade de aprender tudo é possível, inclusive ter sucesso numa área tradicionalmente associada aos homens.

O que podem as empresas fazer para reter mais mulheres nesta área?

O primeiro passo que as empresas devem dar é estabelecer objetivos relacionados com a diversidade e a inclusão. É fundamental que as chefias incentivem a criação de equipas diversas, com vontade de aprender e inovar. Na AWS, desenvolvemos vários programas que procuram melhorar a implementação da diversidade nas equipas, para que se tornem mais inclusivas e equitativas. Por sua vez, isto acaba por ter um impacto bastante positivo nos nossos produtos e serviços.

Integra o programa AWS GeIT para atrair meninas para as STEM. Que resistências nota e que argumentos usa quando conversa com este target?

O ‘AWS GetIT’ é um programa educacional desenvolvido para inspirar estudantes entre os 12 e 14 anos, especialmente raparigas, e para que estas considerarem um futuro em STEM. O ‘AWS GetIt’ visa ajudar escolas e professores a desenvolverem e implementarem modelos técnicos nas suas salas de aula. Além disso, oferecemos acesso a programas para ajudar os alunos a desenvolverem competências fundamentais. Este programa também permite aprender sobre tecnologia de cloud e cria espaço para que surjam novas ideias de apps, que podem ajudar a resolver problemas atuais da nossa sociedade.

 

O maior desafio que enfrentei foi mudar de carreira depois de quase 20 anos num “emprego estável”.  Estas mudanças às vezes podem ser assustadoras, mas são saudáveis e raramente trazem arrependimento, muito pelo contrário!

 

Quais considera serem os segredos do seu sucesso?

Acho fundamental estar disposto a aprender todos os dias. O esforço, a dedicação e a curiosidade não têm limites. Por isso, mais do que nos conhecer-mos muito bem e sermos autênticos, é importante trabalhar todos os dias na nossa carreira pessoal e profissional. Nunca podemos deixar de investir em nós próprios.

Qual o maior desafio que enfrentou na sua carreira?

Acho que o maior desafio que enfrentei foi mudar de carreira, sair da minha zona de conforto e, depois de quase 20 anos num “emprego estável”, entrar numa nova equipa, num novo cargo e empresa. Estas mudanças às vezes podem ser assustadoras, mas são saudáveis e raramente trazem arrependimentos, muito pelo contrário!

Qual o melhor conselho de carreira que recebeu e veio de quem?

“Aceita quem és com as tuas diferenças e ousa ser tu próprio”. Isto foi dito por um chefe de uma antiga empresa onde estive, e esse mote acabou por ficar `alojado´ em mim quando eu estava a descobrir o meu caminho, num mercado ainda muito dominado por homens.

O que é fundamental para o seu equilíbrio?

O meu objetivo na vida é ter uma “vida plena” como diz Susan Jeffers, e poder contribuir para uma sociedade melhor: ter os meus hobbies e tempo livre, ser uma fonte de força para a minha família, investir no meu crescimento pessoal, continuar a divertir-me através do trabalho, e, acima de tudo, continuar a cuidar dos meus relacionamentos e dos meus amigos. Tudo isto é a minha maior prioridade.

Que conselhos deixa a uma jovem executiva que deseja fazer carreira em tecnologia, mas receia não conseguir alcançar funções de liderança?

O melhor conselho que posso dar a uma jovem que deseja ter sucesso numa carreira em tecnologia é: “Acredita em ti!”. É importante demonstrar confiança e não ter medo de expressar a nossa opinião. Também é essencial rodearmo-nos de pessoas que nos deem segurança e orientação quando nos sentimos mais em baixo ou com dúvidas. E quando se trata do mercado de trabalho, é fundamental procurar sempre um ambiente onde possamos dar o nosso melhor.

 

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