Catarina Vieira nasceu em Lisboa, mas ainda era criança quando a família se mudou para Leiria. Passou os primeiros tempos em casa dos avós paternos. “Lembro-me de ir às vinhas com o meu avô e de brincar na adega”, conta. O apelo pela terra cedo se fez sentir e levou-a a regressar a Lisboa para frequentar o Instituto Superior de Agronomia (ISA).
Atraída pela viticultura, recorda que aprendeu muito com Rogério Castro e Amândio Cruz, docentes do sector. Fez o trabalho final de curso na Universidade de Bolonha, em Itália, e uma pós-graduação da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, realizada em 2002/2003, em simultâneo com o arranque da Herdade do Rocim, porque considera que é necessário ter um conhecimento integrado para gerir bem um projecto deste tipo. “Não posso apenas produzir boas uvas e não saber o que fazer com elas a seguir”, explica Catarina Vieira, acrescentando que também “não se deve fazer vinho sem se conhecer bem os mercados”.
Aposta no futuro, com os olhos no passado
Quando terminou a licenciatura em Agronomia, expressou ao pai o desejo de ter um hectare de vinha no Alentejo para fazer ensaios com a videira. O regresso da família à actividade agrícola foi visto com bons olhos por José Ribeiro Vieira, como empresário com os olhos postos no futuro. Era necessária uma área de vinha maior, para sustentar o negócio futuro e planear a construção de uma adega com dimensão que comportasse o seu crescimento a médio prazo e longo prazo.
A Herdade do Rocim conta com 120 hectares de terra, dos quais 70 hectares de vinha, sendo significativamente maior do que o sonho inicial de Catarina Vieira.
Em 2000, o grupo Movicortes adquiriu uma propriedade alentejana situada entre Vidigueira e Cuba, no Baixo Alentejo. Hoje a Herdade do Rocim é significativamente maior do que o sonho inicial de Catarina Vieira. No total, são 120 hectares de terra, dos quais 70 de vinha, grande parte plantada no início deste século com castas tradicionais portuguesas e algumas internacionais. O projecto da adega, inaugurada em 2007, incluiu, desde logo, a vertente de enoturismo, espaços para actividades culturais e de lazer, uma cafetaria e capacidade para servir refeições a grupos.
O grande desafio dos primeiros tempos foi dar notoriedade ao projecto da Herdade do Rocim e alcançar as vendas planeadas. “Chegámos lá com muito trabalho, muita persistência, muitas viagens ao estrangeiro e muitos dias desassossegados para estarmos presentes nos mercados”, explica. Isto porque é preciso manter-se atenta às tendências dos mercados e ao perfil dos seus consumidores. “É fundamental estar-se presente”, defende, num trabalho que é “muito feito com os distribuidores locais”.
Consolidação do conhecimento
O projecto precisou de alguns anos de plantação de vinhas, de introdução em mercados e consolidação do conhecimento sobre cada um deles para crescer de forma sustentada. “Foi preciso mostrar que se produz qualidade, e de forma consistente”, explica Catarina Viera, acrescentando que a entrada do seu marido, o enólogo Pedro Ribeiro, “foi uma grande mais-valia para a Herdade do Rocim”. Hoje, cada um gere áreas específicas, partilhando outras.
A filosofia base para manter a qualidade nos vinhos envolve uma atenção constante à qualidade das uvas e implica fazer o melhor a partir delas, “sem nunca menosprezar o consumidor”. Catarina Vieira acrescenta que é necessário nunca facilitar, apesar desse envolvimento significar muitas horas de trabalho. “Temos, sobretudo, de ser transversais, porque não seremos tão bons viticultores se não entendermos bem o que se passa no mercado”. É fundamental saber fazer tudo e estar presente em várias áreas, para se poder ter a visão e perceber o todo.
A empresa facturou 3,1 milhões de euros em 2017, com a venda de cerca de 900 mil garrafas.
Mais de dez anos depois de a adega da Herdade do Rocim ter entrado em actividade, foram muitos os pontos altos. Os preferidos de Catarina Vieira são aqueles que ocorrem de cada vez que algum dos seus vinhos entra num mercado, ou no fecho de cada ano, principalmente nos quatro últimos, em que o crescimento da empresa tem sido mais significativo. A Herdade do Rocim começou por distribuir através das empresas do grupo Movicortes. O primeiro mercado externo foi Angola, onde existe uma empresa do grupo. “Depois fomos de forma muito consistente e calma para a Europa, Estados Unidos, Ásia, sempre com prudência, tentando estar nos países a que podíamos a assistir de forma mais permanente”, conta Catarina Vieira.
Hoje a Herdade do Rocim exporta para 28 países, sobretudo para os Estados Unidos, Europa, Macau, China Taiwan, Brasil e Angola. Actualmente o mercado nacional representa cerca de 40% das suas vendas, que chegaram aos 3,1 milhões de euros em 2017, com a venda de cerca de 900 mil garrafas. “É tudo produção própria, com excepção de algumas marcas que apenas comercializamos para o mercado de exportação”, diz Catarina Vieira.
A Herdade do Rocim integra o projeto D’Uva – Portugal Wine Girls, que envolve oito produtoras de vinhos de várias regiões vínicas portuguesas e visa a promoção conjunta dos vinhos portugueses e das marcas das promotoras.
O vinho Vale da Mata
A Herdade do Rocim é um projecto familiar, que inclui também uma vinha de quatro hectares nos contrafortes da Serra de Aire, em Cortes, terra de origem dos pais de Catarina Vieira, perto de Leiria. Tal como era o objectivo inicial, respeita e é um tributo à família de Catarina Vieira, que esteve, desde sempre, ligada à produção de vinho.
Para a empresária, o espaço onde está a vinha actual, plantada com as castas mais adaptadas ao local, era o que produzia melhores vinhos durante o tempo do avô. “O que fizemos foi dar continuidade a uma coisa que já existia”, explica. Hoje a vinha do Vale da Mata produz vinhos tintos equilibrados, inicialmente difíceis de domar, que ganham, com o tempo, grande harmonia.
– Ser sério, claro, transparente, princípios básicos que têm de ser usados na vida e na gestão.
– Correr riscos, mas de forma muito prudente.
– Trabalhar sempre com qualidade.
“Se for boa e a companhia for má, nenhuma refeição fica na memória”. É essa a convicção de Catarina Vieira, viticultura, enóloga e administradora da Herdade do Rocim, no Alentejo, empresa que comemorou, há alguns meses, dez anos de actividade. É, por isso, que salienta o repasto que teve na Osteria Francescana, em Módena, com o pai, o empresário José Ribeiro Vieira, fundador da Movicortes, falecido há alguns anos. “Lembro-me que fiquei pasmada com o modernismo com que se servia”, explica, salientando também a qualidade dos vinhos que foram chegando à mesa.Trata-se, afinal, do restaurante do consagrado chefe italiano Massimo Botura, que o abriu em 1995 após terminar o curso de Direito. Desde essa data e até hoje conduziu-o, com a sua capacidade criativa e saber fazer, ao estrelato. Hoje, tem 3 estrelas no Guia Michelin, e foi considerado o segundo melhor restaurante do mundo em 2017, após ter ocupado a primeira posição no ano anterior no ranking dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo.