Micaela Fonseca: da Arquitetura para os vinhos

Micaela Fonseca formou-se em Arquitetura, mas um convite inesperado do pai desviou-a para o mundo dos vinhos. Hoje está à frente da Women in Wine Portugal, uma comunidade que criou para unir as mulheres do setor.

Micaela Fonseca está à frente da Women Wine Portugal.

Micaela Fonseca é arquiteta, comunicadora, produtora de vinho e fundadora da Women in Wine Portugal. Com uma vontade de aprender imensa, foi fazendo formações em todas as áreas em que foi sentindo carências, desde a comunicação à gestão e ao Feng Shui sem esquecer, como é evidente, o vinho, porque geriu o negócio familiar da Quinta do Ferro até sair para fazer os seus vinhos e se dedicar mais à sua associação. Como considera importante realçar o papel que as profissionais desempenham no sector do vinho em Portugal, Micaela Fonseca desafiou a organização da Women in Wine Expo a fazer o evento em Portugal. Vai decorrer entre os dias 8 e 10 de Maio em Vila Nova de Gaia e trazer mulheres do sector de vinhos de todo o mundo a Portugal.

De que forma é que a sua formação a tem ajudado a garantir o desempenho das suas funções ao longo do seu percurso?

Sou natural de Felgueiras, de onde saí, pela primeira vez aos 18 anos, para estudar Arquitetura na Universidade Lusíada, do Porto. Após o curso trabalhei algum tempo no Gabinete Dominique Perrault Architecture, em Paris, mas regressei a Portugal com o objetivo de fazer o meu caminho. Criei o meu gabinete de arquitetura, onde comecei a fazer alguns projetos, até sentir necessidade de ter mais formação académica.

Qual foi a razão?

Achei que as bases que adquiri durante o curso não eram suficientes, nem suficientemente abrangentes noutras áreas essenciais, independentemente do que se faça na vida. Foi com esse objetivo de complementar a aprendizagem que fiz uma pós-graduação em Comunicação e Imagem no IADE, em Lisboa, e, depois, um MBA internacional que envolvia a Universidade Católica do Porto, a ESADE, de Barcelona e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ou seja, durante essa época, estive em Barcelona e em São Paulo, que ainda hoje é uma das minhas cidades de eleição. Adorava ter ficado lá a trabalhar, e até tive essa possibilidade, mas era muito jovem na altura e não me senti segura para isso.

Era mesmo uma ave rara na turma, pois tinha menos de 30 anos, enquanto o resto do grupo era constituído maioritariamente por homens, altos quadros de empresas, todos mais velhos, como era tradicional na época. Mas penso que hoje já não é assim. E até houve apostas entre eles sobre o tempo em que eu, a “arquiteta”, iria durar naquele MBA. Mas terminei e até arranjei boas amizades entre os meus colegas, que ainda mantenho.

 

Em 2011, em plena crise económica, o meu pai convidou-me para tomar conta da Quinta do Ferro. Com o gabinete de arquitetura numa situação delicada, aceitei, mas com uma ressalva: o meu pai teria de deixar o negócio, pois não havia espaço para os dois.

 

Quais foram as principais ferramentas que trouxe consigo do MBA?

Esta formação deu-me muita estrutura e espírito crítico para conseguir pegar noutros assuntos para além do desenvolvimento de projetos de arquitetura.

Aliás, com todas as formações que fiz, fiquei com as ferramentas essenciais para o dia a dia de qualquer pessoa que esteja no mundo profissional. Até para a boa gestão das nossas casas são precisos conhecimentos mínimos nessa área.

Depois tirei uma formação numa área que gosto muito, de Feng Shui, porque tenho também um lado espiritual alternativo, e gosto de coisas relacionadas com a natureza. Tirei o curso no Instituto Macrobiótico, em Lisboa, uma grande escola que, infelizmente, fechou.

Quando a Católica Business School iniciou o programa International Wine Business, frequentei-o porque isso fazia todo o sentido, para aprender e ter mais bases sobre esta área. Foi uma opção muito boa a nível profissional e pessoal. Depois frequentei o programa para executivos Luxury Brand Management, no ISEG, em Lisboa, porque ter conhecimentos sobre o mercado de luxo pode ser bom para qualquer tasquinha.

Como é que se envolveu no negócio da família?

Aconteceu numa altura em que estava a desenvolver alguns projetos no atelier de arquitetura, quando o meu pai me encomendou outros para a Quinta do Ferro, projeto que ele tinha começado a desenvolver em 1999.

Ele esteve ligado sobretudo à indústria do calçado, como seria natural numa terra como Felgueiras, a gerir o negócio que iniciou. Mas tinha aquela propriedade em Baião, uma quinta muito bonita e queria mudar de vida. Como sempre foi muito dinâmico, decidiu criar, para a sua reforma, um projeto de desenvolvimento da quinta, com base na casta principal da região, a Avesso, para produzir, sobretudo, espumantes, porque considerou que estava numa das melhores regiões do país para isso. E foi pioneiro nisso na Região dos Vinhos Verdes, pois construiu a primeira adega criada com esse objetivo.

Em 2011, em plena crise económica, o meu pai achou que tinha de mudar a lógica do negócio da Quinta do Ferro, que não estava a correr bem. Sabia que era um projeto com muito potencial, mas pensou que era necessária outra pessoa para o mudar, e convidou-me. Eu tinha 30 anos, era arquiteta, e a crise mundial tinha colocado a Quinta do Ferro numa situação muito delicada. Os meus negócios pessoais estavam a correr bem, mas pensei que não tinha nada a perder se me envolvesse no negócio da família e avancei. Só fiz a ressalva ao meu pai de que ele teria de deixar o negócio nas minhas mãos se eu agarrasse o projeto, porque não havia espaço para os dois. Apesar de a empresa continuar a ser dele, para o bem e para o mal, sentia a necessidade de colocar a minha identidade no projeto.

Eu não tinha nenhuma experiência na indústria dos vinhos, mas a anterior tinha-me dado o espírito crítico e a sensibilidade suficiente para me envolver.

O facto de ser arquitecta ajudou-me muito, pois contribuiu para enfrentar melhor as situações mais adversas e foi preciso ser verdadeiramente criativa para gerir um projeto quase sem recursos.  Fui fazendo o caminho, aprendendo diariamente, numa altura em que a empresa se encontrava numa situação delicada, onde existia uma grande pressão sobre mim, que não deixava tempo para pensar e delinear estratégias, porque o negócio não podia esperar. Mas fui resolvendo os problemas à medida que foram surgindo.

Quais foram as primeiras decisões que tomou?

A primeira coisa que fiz quando cheguei à Quinta do Ferro para me sentir minimamente confortável, foi mudar o escritório de sítio e pintar as paredes. Ou seja, resolvi primeiro aquilo que estava integrado na minha área de conforto e só depois é que me dediquei mais especificamente ao vinho. Foi a forma que encontrei para começar a interagir com aquele mundo.

A empresa trabalhava sobretudo para o mercado nacional, que estava muito complicado na altura, e eu achei que devíamos apostar mais no mercado externo. Mas não só os recursos eram escassos, como eu também era a única pessoa da equipa que sabia falar inglês, o mínimo necessário quando se vai lá para fora. Ou seja, a partir daí tornei-me numa one woman show, pegando em várias áreas, porque as coisas tinham de acontecer.

Defini um portefólio, que não existia, com entrada de gama, gama média e alta, e tudo o mais que fazia sentido para apresentar de forma conveniente o produto. Como sou apaixonada pela casta Avesso, foi muito fácil apresentar o vinho e o espumante aos potenciais clientes, sem nunca deixar de comunicar as outras pessoas da equipa por detrás das garrafas. E foi assim que abri o mercado externo aos produtos da empresa, do Japão aos Estados Unidos, numa altura em que o espumante ainda era muito o vinho em que se fazia saltar a rolha para brindar. Eu dou graças por ser, na altura, uma jovem romântica e sonhadora, porque era tudo tão difícil e eu achei sempre que iria conseguir chegar a algum lado.

 

Senti-me muito sozinha nos anos que estive ligada à Quinta do Ferro. Sei que os lugares de liderança são bastante solitários, mas devem existir lugares seguros para comunicar as nossas inseguranças, porque a partilha é essencial e juntas somos mais fortes.

 

Como é que se envolveu no projeto Women in Wine?

Entretanto, no meio disto tudo, ou seja, do negócio do vinho e das formações que fui fazendo, a Associação Mulheres e Vinho (Stowarzyszenie Kobiety i Wino), da Polónia, soube que eu era produtora de vinho e convidou-me para ir a um evento que decorre em Cracóvia, para me dar a conhecer e apresentar o meu projeto. Quando lá estive fiquei fascinada com o conceito e achei que era um evento incrível para fazer em Portugal, sobretudo porque me senti muito sozinha durante os anos todos em que estive ligada à Quinta do Ferro. Achei muito interessante, porque permitia o networking e gerava um apoio que fazia todo o sentido.

Claro que sei que os cargos de liderança são bastante solitários. Mas devem existir lugares e momentos seguros, que nos permitam sermos vulneráveis, comunicar as nossas inseguranças e procurar encontrar, com os outros, o melhor caminho, porque a partilha é essencial e juntas somos mais fortes.

Foi isso que a levou a abrir a Women in Wine Portugal?

Sim. Na altura tentei abrir a organização em Portugal, mas senti-me muito sozinha. Como tive pouca recetividade quando falava com as pessoas sobre isto, apesar de acharem que era uma boa iniciativa, percebi que tinha de esperar um pouco para avançar com o projeto. Foi o que aconteceu entre o final de 2019 e o início de 2020, quando houve a oportunidade de o tirar da gaveta e envolver-me nele a sério. Mas, logo a seguir, começou a pandemia, que atrasou um pouco as coisas.

A Women in Wine Portugal é ainda um projeto pessoal, privado, um investimento meu, apesar de já ter alguns parceiros, que aceitaram estar, desde a primeira hora, com esta iniciativa, como a Católica Business School de Lisboa, a Câmara Municipal de Baião ou a Media Travel & Logistics, uma agência de viagens muito ligada ao vinho e a Dower Law Firm, um escritório de advogados, porque queria criar um núcleo inicial, que me permita apresentar este projeto com fundamento e segurança a quem se quiser juntar a ele. O objetivo é criar, também, uma entidade paralela de perfil social, porque para mim, faz muito sentido ter um lado para além do empresarial, que ajude a desenvolver a indústria, principalmente para minorias, as mulheres, mas não só. Como não é fácil de desenvolver, ainda não abri a área de membros.

O que é a associação e quais são os seus objetivos?

É uma comunidade que reúne mulheres relacionadas com a indústria do vinho. A missão é realçar a visibilidade e a posição das mulheres no sector, através da nossa plataforma e comunidade, partilhando as melhores práticas, conhecimentos, programas educacionais, masterclasses, fortalecer negócios, práticas comerciais, e por aí adiante. É uma comunidade de pessoas que acreditam na igualdade de direitos e obrigações.

 

No evento que vai decorrer em Vila Nova de Gaia de 8 a 10 de Maio, o objetivo é inspirar e capacitar as mulheres no vinho, antecipando novas tendências e desenvolvimentos, mostrar vinhos, diferentes países e novos nomes do sector.

 

Como é que a Women in Wine Expo chega a Portugal?

Como percebi que a ideia de juntar mulheres ligadas ao negócio do vinho podia ir mais além, e que seria aliciante trazer, para Portugal, um evento que poderia ser interessante em termos económicos para o país, pois junta, no mesmo sítio, mulheres de todo o mundo ligadas à indústria, incluindo produtoras, enólogas, jornalistas e sommeliers, transmiti isso à organizadora do evento, Senay Ozdemir, uma jornalista que vive na Holanda, que concordou comigo. Será mais um contributo para mostrar Portugal como país que está a sério no mundo dos vinhos, que não produz apenas “bom e barato”. Eu queria mostrar essa diferença.

Depois do período da pandemia em que a Women In Wine Expo não foi organizada, decorreu na Geórgia em 2022 e no Reino Unido no ano passado. Nessa altura consegui reunir uma pequena comitiva para lá ir e chamar um pouco mais de atenção para o nosso país. E conseguimos trazer o evento para Portugal.

No ano passado fui uma das oradoras convidadas, para apresentar o projeto nacional, mas também se falou do desenvolvimento deste sector na Índia e noutros pontos do planeta. No final, há sempre uma prova de vinhos onde participam apenas mulheres, para que se sintam mais à vontade.  É o que vai acontecer no evento que vai decorrer em Vila Nova de Gaia de 8 a 10 de Maio, cujo objetivo é inspirar e capacitar as mulheres no vinho, antecipando novas tendências e desenvolvimentos, mostrar vinhos, diferentes países e novos nomes do sector. A sua organização não tem nada a ver com a Women in Wine Portugal, porque são estruturas diferentes, mas tenho orgulho por ter contribuído para que aconteça em Portugal este ano.

 

O que é a Women in Wine Expo
É uma plataforma que visa promover as mulheres na indústria do vinho, melhorar a sua  educação sobre o vinho e criar consciência sobre a igualdade de género em toda a indústria. É um evento que irá decorrer nos próximos dias 8 a 10 de Maio em Vila Nova de Gaia, e pretende contribuir para implementar uma rede global de mulheres ligadas ao sector vitivinícola internacional, uma comunidade de mulheres empreendedoras que desejam expandir os seus conhecimentos e construir o seu negócio internacional. A conferência, segundo os organizadores, irá antecipar tendências, apresentar o sector de vinhos nacional e divulgar novidades, entre outros. Em paralelo decorrerá uma prova de vinhos nacionais e internacionais e visitas a produtores nacionais.

Parceiros Premium
Parceiros