Sofia Tenreiro é, desde janeiro, diretora geral da Cisco. Passou dos “universos femininos” da L’Oréal e da Procter & Gamble para o mundo “mais masculino” das tecnologias. Depois de liderar a estratégia e execução de negócio do segmento de consumo da Microsoft Portugal, numa equipa que foi considerada a melhor da Europa Ocidental, foi convidada para a Cisco, um desafio que abraçou com muito agrado. Com 40 anos, casada e com um filho de seis anos, lidera uma empresa tecnológica na qual, dos 356 colaboradores, 55% são mulheres.
Como se desenvolveu a sua carreira até chegar a diretora geral da Cisco?
A primeira fase da minha carreira foi essencialmente em marketing, mais concretamente na Procter & Gamble e na L’Oréal em Portugal, no mercado espanhol e em roles europeus globais mais estratégicos. Comecei na área mais ligada à tecnologia na Optimus, também em marketing. Ainda dentro da Sonae fui convidada a abraçar o desafio de reformular o marketing editorial e a área comercial de circulação no jornal Publico. Depois fui convidada pela Microsoft para renovar toda a aposta que havia no retalho (na altura era uma área muito pequena). Abracei, em seguida, o consumo como um todo. E vim para a Cisco, onde estou há cerca de sete meses, muito contente. É uma empresa fascinante.
Aconselho os estudantes a terem, o mais cedo possível, uma experiência internacional.
O que lhe trouxeram as experiências internacionais?
Adorei as experiências internacionais. Em Espanha e em Genève trabalhava na Procter & Gamble. Depois estive novamente em Espanha, mas já na L’Oréal. Aconselho sempre os estudantes a terem, o mais cedo possível, uma experiência internacional porque acredito que abre e modifica muito a nossa maneira de pensar. Temos contacto com outras formas de trabalhar, e dá-nos uma capacidade de adaptação muito grande, algo que é imprescindível nas nossas carreiras. Temos de nos adaptar todos os dias porque todos os dias há concorrentes novos, todos os dias há parceiros novos e devemos ser muito rápidos na mudança e na tomada de decisão. Acredito que viver fora também aumenta muito o respeito pelos outros. Temos de ser abertos a culturas diferentes, a hábitos diferentes, a ideologias diferentes. Claramente, saímos da nossa zona de conforto e isso é muito positivo.
O convite para a Cisco foi certamente um grande desafio. Como surgiu esta oportunidade e qual a sua reação na altura?
Recebi o convite com muito agrado, desde os contatos iniciais, porque sempre tive uma opinião muito positiva acerca da Cisco, não só por liderar as novas áreas de negócio, nomeadamente a Internet of Everything, mas também pela sua cultura. É uma cultura muito forte, de give back à sociedade e muito centrada na pessoa. Foi um processo de enamoramento. Quando tive a proposta final fiquei muito contente porque já estava muito apaixonada pela empresa. Continuo a ser surpreendida positivamente todos os dias porque é ainda mais fantástica do que eu estava à espera.
O recrutamento é um casamento: a empresa escolhe-nos e nós escolhemos a empresa.
Teve hesitações?
Não tive hesitações porque, quer pela empresa em si, quer pela fase de transformação que está a viver, me deu muita confiança em relação ao presente e ao futuro. Por isso, foi um desafio que abracei com muito gosto. Tive muita sorte. Adorei trabalhar em todas as empresas por onde passei. E talvez por isso nunca tive receio. Foram sempre empresas que me deram muita confiança. O recrutamento é um casamento: a empresa escolhe-nos e nós escolhemos a empresa. Quando olho para o meu percurso, acredito que a diversidade que tive em termos de carreira profissional me ajudou a chegar onde estou hoje.
Quais as principais dificuldades com que tem deparado desde que chegou à Cisco, em Janeiro de 2015?
A única dificuldade que tenho é não ter um dia mais longo porque gostaria de fazer muito mais coisas que não cabem nas 24 horas que tenho! De resto, fui acolhida muito bem. Desde o primeiro dia que sinto que faço parte de uma grande família, quer a nível internacional, quer a nível local. As equipas locais têm sido fantásticas em termos de acolhimento e têm-me ajudado a ter um onboarding o mais rápido possível, em termos de cultura, de negócio e de processos. Neste momento, tenho a sensação, pela positiva, de que estou na Cisco há muitos anos.
Ao longo da sua carreira, alguma vez sentiu que por ser mulher teve dificuldade acrescidas a ascender a cargos de topo?
Confesso que não. A minha carreira tem duas fases: a Procter & Gamble e a L’Oréal eram mundos de mulheres onde, sobretudo nas áreas onde eu trabalhava (ligadas à beleza), era ao contrário do habitual: precisávamos de mais elementos masculinos para as equipas. É verdade que há falta de jovens mulheres que possam, no futuro, enveredar por uma área de tecnologia. Mas vai havendo cada vez mais mulheres e as empresas por onde eu tenho passado, nomeadamente a Microsoft e a Cisco, são muito respeitadoras do indivíduo e da diversidade. A Cisco é uma empresa que se preocupa muito com que as pessoas consigam conciliar a sua vida pessoal com a sua vida profissional. Hoje em dia, o facto de termos horários flexíveis, muita autonomia com muita responsabilidade e toda a tecnologia ao nosso dispor permite-nos gerir o nosso tempo para podermos ser as melhores profissionais e as melhores mães.
Como é que se caracteriza enquanto líder?
Respeito muito as minhas equipas, dou-lhes um grande focus, dou grande prioridade ao seu desenvolvimento e à motivação. Costumo dizer que funcionamos numa pirâmide invertida: sou eu que estou ao serviço das equipas, não são as equipas que estão ao meu serviço. Por outro lado, sou uma pessoa muito focada no crescimento sustentável e em compliance, dentro das regras, porque acredito que é ele que nos garante o futuro, especialmente em países mais pequenos. Sou também uma pessoa muito positiva, com grande energia. Tento estar presente em todas as áreas da empresa e ajudar em tudo o que possa. Por isso, os dias comigo são sempre “a mil”. Acho que temos de garantir que o ambiente nas nossas empresas é “pela positiva”, muito de motivação, porque isso afeta, não só a vida das pessoas nas suas horas laborais, mas também o nosso ecossistema de parceiros e de clientes, o que pode refletir-se positivamente no negócio.
A diversidade é muito importante. Não só a de género, mas também de perfis ou de backgrounds.
Pensa que há diferenças entre o estilo de liderança de um homem e de uma mulher?
Acho que o estilo de liderança, de um homem ou de uma mulher, tem muito a ver com as características da pessoa. Mas penso que o famoso sexto sentido está mais desenvolvido nas mulheres, o que ajuda muitas vezes na avaliação dos outros; somos mais rápidas. Há outra característica: como temos tantas dimensões na nossa vida – profissional, pessoal – tentamos ser mais produtivas, mais concisas, mais pragmáticas, para garantir que todas as nossas tarefas “encaixam”. Daí a nossa fama de sermos boas em multitasking. Acho que as características principais têm mais a ver com o perfil da pessoa e menos com a diversidade, apesar de ser muito importante ter equipas com grande diversidade pela discussão positiva e construtiva que isso cria. A diversidade é muito importante. Não só a de género, mas também de perfis, de backgrounds, etc.
As mulheres representam 46,8% da população ativa em Portugal, mas, segundo um estudo da Informa D&B, apenas 8,9% desempenham a função de direção geral. A que se deve esta percentagem tão baixa?
A percentagem baixa de mulheres em cargos de liderança – felizmente tem vindo a aumentar – deve-se muito, por um lado, ao facto de muitas mulheres não quererem fazer a gestão entre a vida profissional e a vida pessoal (que por vezes é desafiante, mas a tecnologia ajuda-nos cada vez mais) e claramente priorizam mais a vida pessoal, não querendo ter de abdicar de um pouco dela para priorizarem mais a carreira. Por outro lado, historicamente, as mulheres tinham alguma dificuldade em progredirem na carreira, precisamente, porque existia o estigma de que ocupavam muito tempo com a sua vida pessoal. Acho que isso hoje em dia já não existe; as pessoas que estão à frente das empresas já não têm esse estigma e percebem que a autonomia vem acompanhada da responsabilidade.
Mas em algumas empresas, de alguns setores, ainda é assim…
Sim, esta evolução positiva ainda não é homogénea em todos os setores, mas quero acreditar que a tendência é positiva porque cada vez mais vemos mulheres em todas as áreas em cargos de liderança.
A empresa tem a missão de dar mais confiança às jovens mulheres, mostrando-lhes que as tecnologias são um mundo fascinante.
Pode descrever um dia típico na sua agenda de trabalho?
Os meus dias de trabalho são sempre fantásticos e muito intensos. Tipicamente começo muito cedo. Tento estar no escritório antes das oito. Sete, sete e meia é o meu objetivo porque gosto de aproveitar esta fase inicial do dia, antes de as pessoas começarem, mas também porque sou uma pessoa que acorda cedo, sempre cheia de energia. Também gosto de aproveitar esta fase inicial para fazer todos os contactos internacionais. Passo o meu dia em muitas reuniões, quer internas (gosto muito de estar com a equipa e de os ajudar no planeamento e na execução), quer com entidades externas: clientes e parceiros, que são como que uma extensão do nosso negócio, pois tudo o que a Cisco vende é através de parceiros. Dedico algum tempo, por exemplo, ao nosso civic council, com atividades de solidariedade e aos contatos com universidades, porque acredito que a empresa tem uma missão de ajudar os estudantes, de encaminhá-los no seu percurso profissional, de ajudá-los a perceber o que poderão fazer no futuro e de dar também mais confiança às jovens mulheres, mostrando-lhes que as tecnologias são um mundo fascinante; tentamos desmistificar todos os medos. No fundo, tento diversificar muito o meu dia. Procuro terminar por volta das sete da tarde para conseguir ainda ter tempo com a família e acompanhar o meu filho que vai agora para a escola e vai precisar também de ajuda nos trabalhos de casa.
GIRLS IN ICT DAY
De acordo com a Comissão Europeia, apenas 30% de mulheres exercem cargos relacionados com as Tecnologias de Informação e Comunicação. O Girls in ICT Day (Dia Mundial das Jovens Mulheres nas Tecnologias de Informação e Comunicação) é uma iniciativa promovida a nível global pelas Nações Unidas, que visa incentivar raparigas a optarem por uma carreira na área das tecnologias. No âmbito do seu programa Girls Power Tech Global Mentoring Initiative, a Cisco apoia este dia (este ano foi a 23 de Abril), acolhendo cerca de 40 raparigas, com idades entre os 13 e os 18 anos. Os colaboradores da empresa são os seus mentores, dando a conhecer as oportunidades no mundo das tecnologias, permitindo-lhes experimentar as tecnologias da Cisco e comunicar com outras jovens nos escritórios Cisco de outros países, através dos sistemas de telepresence. “Tem na sua génese a nossa preocupação em contribuir para o aumento do número de raparigas na tecnologia e em desmistificar o mundo da tecnologia. Tem sido muito gratificante porque sentimos que abrimos este mundo a estas raparigas, explicamos-lhes uma realidade que elas não conhecem. Percebem que este é um fenómeno global: uma tendência que é crescente e que impacta tudo na nossa vida. Hoje em dia não fazemos nada sem tecnologia, por isso, temos de saber aproveitar os benefícios e temos de os conhecer”, afirma Sofia Tenreiro.