Rita Marques é a enóloga, a cara e a alma da Conceito Vinhos, uma empresa familiar sediada em Cedovim, concelho de Foz Côa, projeto internacional centrado na região do Douro. Mais de 10 anos após fazer o seu primeiro vinho, a produção total da empresa é de 180 mil garrafas por ano, vendidas principalmente no mercado externo.
Apesar da maior apetência nacional pela marca este ano, a enóloga prevê que apenas 10% do que produz seja consumido em Portugal. Até agora, a empresa exportava 98% do seu vinho para 30 dezenas de países, principalmente para os mercados dos Estados Unidos da América, Suíça, Canadá, Japão e Alemanha.
Filha de engenheiros optou pela Enologia contra a vontade dos pais.
Filha de engenheiros civis e docentes universitários de Coimbra, Rita Marques estudou primeiro engenharia mecânica. Como o curso não a satisfazia, decidiu mudar de caminho e optou por dedicar-se à enologia contra a vontade dos pais, que “achavam que não era bem um curso. Depois habituaram-se”, diz. Afinal a decisão tinha razão de ser, pois a família do lado da progenitora tinha uma área significativa de vinhas no concelho de Vila Nova de Foz Côa. As uvas eram vendidas a outros e “era preciso rentabilizá-las melhor, criando marcas que incorporassem mais valor”, defende Rita Marques. Mas o que determinou mesmo a escolha de enologia foi “ter começado nessa época a gostar de vinho”, salienta.
Estágio com um dos melhores
Em 2001 pediu transferência para o curso de enologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que terminou em 2005, na Universidade de Bordéus. Entretanto, e desde 2002, fez diversos estágios em Portugal e no estrangeiro. A sua primeira vindima, a meio do curso, decorreu na Quinta do Passadouro, junto ao Pinhão, com o enólogo Jorge Serôdio Borges, um dos criadores do emblemático vinho Pintas, entre outros. Na segunda esteve na Quinta de Nápoles, com Dirk Niepoort. Fez a terceira no Château Montelana, na Califórnia, e entrou depois no programa Erasmus para cumprir o último ano de curso em Bordéus, onde teve como professor Denis Dubourdieu, um dos mais reputados enólogos franceses. Além de ser consultor em dezenas de empresas, tem vinhas na região de Bordéus e Rita fez vindimas numa das suas propriedades, o Château Reynon. “Foi, de longe, o melhor enólogo com quem já trabalhei”, confessa.
Levantava-se muitas vezes de madrugada para ir às vinhas explicar como queria o trabalho feito.
Fez o primeiro vinho em 2003. Mas só lançou as primeiras referências Conceito tinto e Porto Vintage da colheita de 2005, e Conceito branco 2006 após a conclusão da adega em 2007.
Na sua vida profissional teve, até agora, diversos desafios. O primeiro foi a mudança de mentalidades do pessoal da vinha, para a necessária modificação dos procedimentos de trabalho. A operação anterior estava projetada para a produção em volume e todo o processo tinha de ser alterado, pois o objetivo era fazer vinhos de qualidade. Entre as diversas mudanças, deixaram de usar herbicidas e pesticidas, alteraram a condução da vinha e introduziram “um grande rigor em todos os procedimentos na adega”, explica Rita Marques. Como considera que “para saber comandar é preciso saber fazer”, levantava-se muitas vezes de madrugada para ir até às vinhas explicar, por exemplo, como é que a poda deveria ser feita. E fê-lo até à altura em que passou a acreditar que o processo seria feito da maneira que queria sem ser necessária a sua presença. “Quando as pessoas aprendem a respeitar a liderança e constatam os bons resultados de novos métodos, tudo fica mais fácil”, defende.
Vinhos em mais de 30 mercados
No mundo actual, não basta só produzir boas uvas e saber transformá-las. É também necessário saber vender vinho e cobrar. Ou seja, ser enólogo também implica estar atento ao mercado. “A minha convicção é que os projetos devem ser muito focados e sólidos do ponto de vista empresarial e comercial”, defende Rita Marques, salientando que “não faz sentido fazer vinhos para eu beber. Eles têm que encontrar a sua clientela.”
Conhece cada vez melhor os terroirs onde os seus vinhos são produzidos, e considera que isso se reflete todos os anos nas novas colheitas. E não quer parar de os melhorar. Este empenho é, com certeza, uma das bases do seu sucesso. Para além do reconhecimento da crítica e do público, consegue produzir e vender volumes apreciáveis das diversas referências de vinhos do Douro que coloca no mercado. “É especialmente recompensador estar ao fim de poucos anos de atividade a exportar para mais de 30 países”, salienta.
Rita também faz vinhos noutras latitudes onde gosta das uvas e dos vinhos.
Para além do Douro, Rita Marques também faz vinhos noutras regiões e latitudes “onde estagiou e gosta das uvas e dos vinhos”. Hoje cerca de 150 mil das garrafas que produz têm origem em Portugal, 25 mil na Nova Zelândia e cinco mil na África do Sul.
Como, no hemisfério sul, as vindimas decorrem numa altura em que o trabalho na adega e na vinha abranda em Portugal, vai para outros destinos. Usando os contactos que foi estabelecendo ao longo dos anos, compra uvas, aluga adegas e faz vinhos que são vendidos com a sua marca, Conceito, referindo, no rótulo, a sua origem. “Do ponto de vista empresarial, a aposta tem sido muito positiva”, defende. “Do ponto de vista pessoal, permite-me crescer como profissional e conhecer melhor, de mão na massa, alguns terroirs e os vinhos que originam”, acrescenta. Para além de trazer novas ideias e métodos para o Douro, acredita que também leva, para esses sítios, algumas boas práticas da região.
Pôr o vinho à frente de tudo
A sustentabilidade das vendas de uma marca de vinhos depende de vários fatores. Para além de se construir um bom produto, com boa imagem e ainda melhor conteúdo, é preciso saber manter a sua credibilidade. “Se se abranda o grau de exigência isso nota-se logo no vinho”, diz Rita Marques, salientando que é preciso respeitar o produto, os clientes “e o historial da marca, que é o nosso principal valor”. Por isso considera que as principais virtudes que os enólogos têm de ter são “a ambição, o rigor, a determinação e disponibilidade”, até porque é preciso pôr o vinho à frente de tudo. É necessário gostar muito do que se faz e ter muita vontade de evoluir e conhecer. Aqui a prova é indispensável para ver o que os outros fazem, os vinhos dos diversos mercados, as tendências e os melhores exemplos.
Admira a região de Bordéus onde os enólogos pensam mais no futuro do vinho.
Fora de Portugal, Rita Marques gosta em particular da região de Bordéus, França, por ter estudado lá e porque ali se fazem vinhos pensados para o longo prazo. “Os enólogos de Bordéus nunca estão a pensar na forma como o vinho se mostra num determinado momento, mas sempre no futuro”, salienta. Também gosta da vitivinicultura da África do Sul, e Monterrey, pequena região espanhola a norte de Chaves, “onde os vinhos têm uma luz própria”.
A SUA CARTA DE VINHOS
Rita Marques tem actualmente duas gamas no mercado. A marca Conceito engloba os seus vinhos topo de gama. Para um consumo mais frequente, tem a referência Contraste, em que o vinho branco é estagiado em cubas inox e barricas novas. O tinto é feito em inox e passa parcialmente por barricas usadas.
Na gama Conceito Rita Marques usa, de preferência, vinhas muito velhas, “onde a mistura de castas nos oferece um equilíbrio próprio”, salienta, acrescentando que a localização das vinhas, entre 450m e 600m de altitude, garante-lhes uma frescura natural que é muito apreciada. No Douro produz também Vinhos do Porto Ruby nos melhores anos. Até agora foram lançados os vintages 2005 e 2007 e Late Botled Vintage (LBV) 2009. A gama Conceito tem ainda um varietal Bastardo, uma casta tinta com pouca cor, feita em lagar, e um Vinho Verde Alvarinho da região de Monção. Lá fora produz um Sauvignon Blanc da Nova Zelândia e um tinto da África do Sul, feito com uvas das castas Cabernet Sauvignon e Merlot. Nos tempos mais próximos irá lançar um espumante Conceito, da casta austríaca Gruner Veltliner que plantou em solos graníticos da região do Douro.