“As mulheres têm de defender a sua dama”

Com 23 anos, candidatou-se como secretária, mas foi encaminhada para a área comercial, uma via onde acumulou êxitos que a conduziram ao topo. No desempenho dessas funções, Teresa Cardoso de Menezes observa que a forma como as mulheres se colocam nos conselhos de administração e a dinâmica estabelecida com o líder e os seus pares pode estar a prejudicar a sua ascensão

A líder da empresa de informação global acumula uma carreira de 25 anos na mesma empresa

Candidatou-se como secretária, mas foi encaminhada para a área comercial, uma via onde acumulou êxitos que a conduziram ao topo. Sobreviveu a uma aquisição e nos dez últimos anos cresceu sempre, num negócio que se poderia pensar maduro. Apaixonada pelos dados, tem sempre à mão o livro Naked Statistics, o best seller de Charles Wheelan que mostrou que a estatística é uma área de estudo sexy. É diretora geral da Informa, empresa de informação global que integra a rede Dun & Bradstreet, em cuja base de dados constam múltiplos dados de 1,5 milhões de organizações. É, provavelmente, a pessoa que em Portugal mais sabe das empresas.

Se a informação é poder, a Teresa é das pessoas mais poderosas do país.
Não me considero poderosa. Esta quantidade de informação dá-me a certeza de que cada vez sei menos. Nesta imensidão, cada pedaço de informação é uma variável e cada variável é multidimensional. Com tanta informação disponível, sinto falta de tempo para mergulhar nos dados e inovar, através de um olhar diferente e do cruzamento de várias realidades.

Que cuidados devemos ter na análise dos dados?
É uma atividade traiçoeira. Por um lado temos de saber o que estamos à procura, mas ao olhar para a informação não devemos procurar apenas aquilo que confirma o que pensamos, as conclusões que já tirámos.

Nas grandes empresas é onde há menos mulheres nas equipas de gestão e na liderança.

Pode dar um exemplo de um caso em que o cruzamento de dados a tenha surpreendido?
No estudo sobre a “Presença feminina nas organizações” concluímos que nas grandes empresas é onde há menos mulheres nas equipas de gestão e na liderança. Mas também que é nestas empresas que a força de trabalho feminina mais aumenta. E é a propósito destas empresas de maior dimensão e das cotadas, as mais escrutinadas, que se fala na questão das quotas.

Concorda com a imposição de quotas?
Penso que se a força de trabalho é cada vez mais populada por mulheres, naturalmente os lugares intermédios serão ocupados por mulheres e naturalmente as funções de chefia serão desempenhadas por mulheres, e a mudança vai acontecer. A grande questão é quanto tempo é que isso leva, e se devemos acelerar essa mudança ou não.

O Parlamento Europeu calculou que, a este ritmo, seriam necessários 100 anos para se atingir a paridade.
Uso muito a analogia dos filhos. Eles não nascem grandes, vão crescendo e vão ganhado maturidade e personalidade. Esse crescimento é necessariamente lento. Mas também sabemos que, por vezes, temos de os lançar aos leões, com algo que é disruptivo, que os faz crescer. Vejo as quotas dessa forma.
Nas empresas mais novas, nas empresas de menor dimensão, nos setores de atividade que têm maior número de empresas, e nas áreas mais críticas para a sustentabilidade da sociedade (saúde, educação, qualidade, solidariedade social) há uma grande representatividade de mulheres. A questão coloca-se mais naquelas que consideramos serem as empresas mais poderosas. O desenho da sociedade tradicional, o sistema vigente – muito patriarcal, hierárquico e muito masculino – , define que o grande é poderoso, e o poderoso define as regras. Mas o movimento está a criar-se por baixo. Esta situação está a mudar e naturalmente vai crescer. A questão é se devemos acelerar, criar alguma disrupção. Penso que nalguns segmentos se devia legislar nesse sentido.

Nalgumas direções de back office há mais mulheres do que homens. Mas o líder vem mais das áreas de negócio.

A liderança feminina nas empresas situa-se em 28,2%. Se são a maioria dos licenciados e estão em forte presença nos níveis de entrada das empresas, o que é que as está a impedir de ascenderem a posições de chefia?
Esta questão da diversidade em todos os escalões da empresa é absolutamente fundamental. Gera-se muito mais valor quando existem dois olhares sobre uma mesma realidade e se tomam decisões com base numa visão feminina e uma visão masculina. Mas continuo a achar que a área de Recursos Humanos é muito descurada pelos gestores masculinos. E as métricas de RH, que são transversais a toda a organização, não estão no tableau de bord do primeiro gestor. Os acionistas estabelecem como objectivo métricas económicas, que são o culminar do conjunto de outras variáveis que são absolutamente relevantes. Perceber a relação entre o equilíbrio na diversidade de género em todas as funções e a sustentabilidade do negócio é determinante. Há pouca sensibilidade e atenção a estas questões. Por isso é que acho que isto é um processo.
Por outro lado, nalgumas direções (recursos humanos, qualidade, comunicação, também a direção financeira) há mais mulheres do que homens. Mas o líder vem mais das áreas de marketing e de vendas, de negócio, do que das áreas de back office (embora estas sustentem as outras).

A distribuição de género, de formação e etária é muito importante para o equilíbrio, para que não estejamos todos a pensar da mesma maneira.

Que mais pode estar a bloquear a ascensão das mulheres?
A forma como as mulheres se colocam nos seus conselhos de administração e a dinâmica estabelecida com o líder e os seus pares. No conselho de administração, a força que cada administrador conquista tem a ver com o empenho que coloca no reconhecimento da força que deve ter. As mulheres não gastam o vocabulário a defender coisas que são evidentes. Acham que é uma injustiça não terem mais atenção, mas remetem-se ao seu silêncio, quase ofendidas.
Elas têm aqui um papel: o de se afirmarem, de lutarem. Tem de haver um entendimento e uma confiança muito grande entre o diretor de Recursos Humanos (cerca de 45% são mulheres) e o primeiro gestor. Nos vários lugares de liderança, as mulheres têm de defender a sua dama. Nestas áreas tem de haver um trabalho político, de fazer campanha nas várias direções, e conquistar apoios. Se acreditam nas decisões que têm um impacto positivo na vida das pessoas, têm que ir convencer os seus pares de algumas medidas relevantes.

Como é constituída a força de trabalho da Informa?
Somos 120 empregados. 64% da força de trabalho são mulheres. O nosso trabalho era originalmente administrativo: dactilografia, inserção e tratamento de dados. Os repórteres, que contactavam com as empresas, eram muito mais homens do que mulheres. Na área comercial está mais equilibrado: 50%/50%. E na gestão são quatro homens e quatro mulheres. A distribuição de género, de formação e etária é muito importante para o equilíbrio, para que não estejamos todos a pensar da mesma maneira.

Os homens em cargos de direção são mais confiantes. As mulheres que são confiantes são vistas como agressivas.

Que outros comportamentos exibem as mulheres em cargos de direção?
Eu sou mulher e por isso não estou sempre atenta às diferenças. Mas nas reuniões de direção noto como muitas vezes se divide a visão feminina e masculina. E que tenho de espicaçar as diretoras para falarem, enquanto que os diretores falam sem ninguém os espicaçar. Às vezes concluo que elas preferem não interferir para evitar conflitos. Apesar de as relações entre a equipa de direção não poderem ser mais amigáveis: trabalhamos juntos há imensos anos e todos nós evoluímos cá dentro.

Porque razão as mulheres não se pronunciam?
Os homens em cargos de direção são mais confiantes. Têm uma auto estima muito superior à das mulheres. E as mulheres que são confiantes e que falam são vistas como agressivas.

São duplos padrões de julgamento.
A mentalidade está a mudar. A minha filha contesta as regras e dou-me conta que, às vezes, estou a dizer coisas que têm que ver com a forma como a sociedade olha para as mulheres. Reconheço isso e já decidi que vou deixá-la fluir, não vou anular esse ímpeto, que provoca insegurança e baixa auto estima. Nós próprias passamos essas mensagens às nossas filhas. Não é a questão de ela tem as tarefas domésticas e ele não. Isso é um assunto arrumado. São coisas mais insidiosas.

Com 18 anos a Teresa estava a viver em Inglaterra.
Decidi não ir logo para a Universidade. Queria ter o certificado Proficiency em inglês, que em Inglaterra podia fazer num ano. E como me apetecia ter uma experiência diferente e sair de casa (era uma casa muito populada, com cinco irmãos), montei esta ideia. A maneira de o fazer era ser au pair, por isso tratei de arranjar uma família e comprei a viagem.
Foi o melhor ano da minha vida! Descobri o que já suspeitava, que podia ser auto suficiente. Era uma família extraordinária, os filhos são todos músicos e sempre que vou lá visito-os. Nos últimos meses eles arranjavam uma baby sitter para eu ir com eles aos concertos e aos eventos culturais, os meus amigos eram pianistas…

No regresso retomou os estudos?
Entrei para o ISCSP para relações internacionais. Estava no segundo ano quando um amigo que trabalhava numa consultora de produtividade me desafiou para ir trabalhar com ele, e eu achei que não podia recusar.

Fiquei quase viciada na importância dos processos. Se melhorar a organização do meu trabalho, sou mais eficiente..

Em que consistia esse trabalho?
Era consultora júnior. Antes de os projetos de melhoria de produtividade serem vendidos ao cliente, fazia a medição dos processos. Nos primeiros meses fazia contagem de tempo, junto dos supervisores, nas instalações dos clientes. Depois estive três meses na análise (pré-venda) até que me colocara em equipas de projeto (que duravam cinco a 10 semanas). Ao fim de um ano e meio escolheram-me para trainer, fazia a formação dos encarregados. Andei por todo o país. A regra da empresa era destacar-nos para outro local para dedicarmos mais tempo ao trabalho. Os turnos eram contínuos e nós fazíamos observação em todos os turnos. Tinha uma grande facilidade de contacto com as equipas. Sentia-me uma miúda e a contabilizar temos de supervisores de fábrica com 30 e 40 anos de casa. Foi um curso de gestão na prática.

O que retirou dessa experiência?
Eu nem percebi a experiência que tinha ganho nesses três anos. Estive em oficinas de mecânica automóvel, na fábrica de mobiliário de escritório Longra e na Lacticoop. E estive num ano em Espanha, numa empresa de minas em Barcelona e numa fábrica de sapatos em Palma de Maiorca. Fiquei quase viciada na importância dos processos. Quanto mais gás eu meter, mais produção tenho. Se melhorar a maneira como organizo o meu trabalho, sou mais eficiente.

Casei-me em setembro e entrei na Dun a 26 de novembro. Acabar o curso era a minha prioridade máxima

Porque saiu?
Tinha 23 anos, queria casar, ter filhos e acabar o curso porque continuava com o sonho de trabalhar numa organização internacional. Não podia continuar naquela vida. Casei-me em setembro e entrei na Dun a 26 de novembro. Acabar o curso era a minha prioridade máxima.

A Teresa candidatou-se como secretária para a Dun & Bradstreet, mas entrou para a área comercial.
Disseram-me que não tinha qualificações para ser secretária! Precisava de trabalhar porque estava casada e queria terminar o curso de relações internacionais em horário pós-laboral. Portanto achei que a função de secretária era a ideal. Nem pensei se tinha qualificações. Na entrevista encaminharam-me para umas sessões de dinâmicas de grupo para a área comercial. E eu fui, convencida que não ficava porque não tinha formação em gestão ou economia. Sou uma pessoa curiosa. Porque não?

Qual o primeiro desafio com que foi confrontada?
Ao fim de dois anos a empresa descobriu que um cliente da banca comprava imenso ao nosso concorrente e o Carlos Vasconcelos, diretor geral na altura, disse que a minha responsabilidade era conquistar aquele cliente. O objetivo era num ano passar para nós todo esse negócio. “Tem carta verde, faça o que quiser, encontre maneira”. Decidi fazer um roadshow. Andei pelo país todo, pelos balcões do banco, a explicar o que fazíamos e o que tínhamos. E foi um sucesso. Conseguimos conquistar o cliente que quadruplicou o consumo que tinha. Foi o primeiro banco da europa que descentralizou o aceso a uma base de dados como a nossa. Eles não tinha área de informação com investigadores próprios, por isso consumiam muita informação para a concessão de crédito.

Como foi depois a sua progressão profissional?
Ao fim de dois anos entregaram-me o maior cliente da companhia, que era o seguro de crédito. A partir dai, fui diretora regional de vendas sul, depois entregaram-me o marketing e, poucos meses, depois o marketing e as vendas, estive um ano a lançar a área de produtos analítico e valor acrescentado, tornei-me diretora geral adjunta: Quando o Carlos Vasconcelos saiu, no ano 2000, a empresa estava a passar por uma grande reestruturação e durante três ou quatro anos foi two hands on the wheel: fiquei como diretora geral e gerente, mas todos reportavam diretamente às suas áreas funcionais aos Estados Unidos. Era assegurar o negócio, zelar para que não se perca proveitos, mesmo com metade das pessoas. Em 2004 a Informa comprou a empresa.

Estou na empresa há 25 anos, mas tem sido como se fizesse carreira em três companhias completamente distintas.

Sobreviveu à fusão com a Informa.
A integração na Informa foi um sucesso. A Informa nasceu para competir com a Dun & Bradstreet em Espanha. Foi a primeira empresa em Espanha e uma das primeiras na Europa a vender informação pela Internet, e não tinha presença no mercado português. A sua enorme experiência de venda de informação online a todo o tipo de empresas, aliada à força da rede global da Dun & Bradstreet, foi uma receita de sucesso.

Como é fazer uma carreira tão longa sempre na mesma empresa?
Estou há 25 anos, mas tem sido como se fizesse carreira em três companhias completamente distintas. Uma multinacional com gestão local, durante os 10 anos que estive com o Carlos Vasconcelos e com quem aprendi imenso. Recebi a marca dele da obsessão com a excelência de serviço e a qualidade. A gestão Dun & Bradstreest, centralizada e funcionalizada. E a gestão Informa, uma visão global com estratégia regional e local.

Qual o seu maior feito profissional?
Acho que é estar num setor que tem 180 anos, o da informação para negócios, numa empresa que celebra 110 anos em 2016. Portanto, o negócio dir-se-ia maduro. No entanto, nos últimos dez anos crescemos todos os anos do período: em proveitos e resultados. É sempre possível sempre reinventar. Tivemos imensas oportunidades porque Portugal evoluiu muito na disponibilização de informação pública, e nós conseguimos em pouco tempo transformar essa informação em conhecimento útil para os nossos clientes. E aproveitámos a opção que a Informa nos deu de montar toda a infraestrutura aqui. Não há muitas empresas que têm possibilidade de repensar todas as suas fundações e de mudar, do chão até ao tecto.

Cometeu algum erro?
Enganei-me imensas vezes. Mas nunca embarquei em projetos visionários, de grande transformação que obrigam a investir milhões; prefiro ir fazendo pequenas experiências. Sempre me baseiei na prudência e na experiência. Se resultasse, alargava a mais áreas ou regiões, E houve muitas dessas experiências que não correram bem, portanto fiz imensos erros. Mas foram sempre erros pequeninos.

Vivo com a sensação de estar em falta. Estou sempre a ver que podia fazer melhor ou podia fazer de forma diferente.

Sente que para fazer esta carreira teve de deixar algo para trás, teve de sacrificar algo?
Tenho pena de não ter estudado mais. Aos 30 quis ir fazer um MBA, mas a companhia desincentivou-me e não apadrinhava isso. Depressa desisti: tinha dois filhos e a Dun tinha mais coisas para oferecer.
E vivo permanentemente com a sensação de estar em falta. Estou sempre a pensar no que podia fazer melhor ou podia fazer de forma diferente. Mas tenho a noção de que a vida é feita de múltiplas escolhas e se escolhemos umas não podemos escolher as outras. Portanto, vou fazendo o melhor que consigo.
Mas se voltasse atrás não faria nada diferente. Eu preciso mesmo deste lado que é só meu. Não sei se é uma característica masculina, mas não consigo pensar na vida sem trabalhar. Isto não pertence à minha família, ao meu casamento, aos meus filhos. É só meu e depende só de mim.

Qual o conselho que daria à sua filha se começasse hoje a vida profissional?
Tenho um filho e duas filhas, elas têm 18 e 12. Primeiro aconselhava-a a escolher uma empresa deque tivesse gostado das pessoas que a entrevistaram. Dizia-lhe que é importantíssimo cumprir as regras que estabeleceu com a empresa: pontualidade, assiduidade, cumprir com o que é esperado dela. Que rapidamente ganhasse a confiança das pessoas com quem trabalha porque é confiável: diz que vai fazer e faz. E depois que tem se de se distinguir sempre e que compita com ela própria: hoje fazer melhor do que fez ontem. Que diga sempre aquilo que pensa. E que seja fiel a si própria. O que fazemos na vida é vender credibilidade. Mas também diria isto ao meu filho.

Superar-se a si própria. É esse o segredo do sucesso do êxito?
Eu estou sempre a questionar, é quase cansativo para quem trabalha comigo. Não que eu não tenha o ímpeto da competição com o que se passa à minha volta: a competição tal como a ambição são coisas positivas, embora no caso de uma mulher sejam vistas como negativas. Se vejo a meu lado alguém a conciliar melhor o trabalho e a vida privada, que esteja mais relaxada do que eu, digo: se ela consegue… As outras mulheres são exemplos para nós. Está na minha natureza. Questiono tudo. Procuramos explicação para as coisas e se as encontramos ancoramo-nos nela. Mas se o ambiente externo muda, a maneira de fazer as coisas deve mudar também.

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