Marta Graça Rodrigues: “Ser um exemplo dá trabalho”

Partner da Garrigues desde 2011, onde é especialista em Mercado de Capitais, Marta Graça Rodrigues é também administradora não executiva da Novabase. Assume que a "lei das quotas" pode ter facilitado o convite, mas tudo fará para ser uma mais-valia no governo da empresa de tecnologia.

Marta Graça Rodrigues, partner da Garrigues e administradora não executiva da Novabase.

A carreira de Marta Graça Rodrigues, 41 anos, “tem sido bastante rápida”, mas a verdade é que a advogada que se especializou em Mercado de Capitais por acaso, tem feito por isso, agarrando os desafios quando eles surgem. Ainda dava os primeiros passos como estagiária quando se propôs ajudar um dos advogados com que trabalhava no IPO (initial public offering) da PT Multimédia (sociedade que esteve na origem da atual NOS, SGPS, S.A). Este foi apenas o seu primeiro IPO – chegou a participar em três IPOs e na 5ª fase de privatização da Portugal Telecom no espaço de apenas um ano e meio -, e assim descobriu uma vocação inesperada e especializou-se numa área onde não lhe faltaram oportunidades para mostrar o que valia nos anos seguintes. Recentemente, voltou a desafiar-se ao aceitar o convite para o cargo de administradora não executiva da Novabase. Apesar de conhecer a empresa como advogada, precisa agora de se inteirar de temas muito diferentes da sua área de formação, como os que estão mais relacionados com as áreas de engenharia e de tecnologias de informação, mas isso não a fez hesitar.  Marta Graça Rodrigues não tem problema em assumir-se como “um produto da lei das quotas”, defendendo que a lei apenas abriu o caminho a este convite, mas que foi escolhida entre muitas mulheres disponíveis para o cargo. E a verdade é que o seu conhecimento e experiência, totalmente distintos dos demais membros da administração da Novabase, serão certamente uma mais-valia para a empresa de tecnologia.

Eleita para sócia da Garrigues aos 34 anos, “no ano em que o meu filho nasceu e tendo estado a trabalhar em casa desde as 9 semanas de gestação”, a advogada assume que o maior desafio da sua carreira foi o de conciliar a sua participação na liderança de operações de grande dimensão entre os anos 2009 e 2011, quando os filhos, atualmente com 9 e 7 anos, nasceram. Tudo isto só foi possível pela sua perserverança e pragmatismo, e também porque seguiu um princípio que hoje aconselha às mais jovens: investiu bastante nos primeiros anos de carreira, dando provas do que valia, e desta forma já tinha a confiança dos chefes quando foi necessário dividir o seu tempo entre a carreira e os filhos. Hoje, é a primeira a defender que “não temos de abdicar da carreira porque queremos constituir e apoiar a nossa família”.

O que a levou a escolher o curso de Direito?
Desde muito nova que soube que queria seguir Direito e até há pouco tempo nem sabia bem porquê. No entanto, quando recentemente tive de lidar com algumas situações em que vi pessoas a ser injustiçadas e senti um ímpeto de as defender dei-me conta de que foi por isso mesmo que escolhi Direito: porque gosto que seja feita Justiça e tento contribuir para tal. É verdade que ainda era muito jovem quando me inscrevi no curso de Direito (entrei no ano zero da Universidade Católica, com 16 anos). Quando me formei tinha a certeza que queria ser juíza mas não tinha idade para me candidatar ao CEJ pois era preciso completar os 23 anos nesse ano e eu só tinha 22. Acabei por fazer o estágio só para passar o tempo, cruzei-me com a área de mercado de capitais e acabei por abandonar completamente a ideia da magistratura, desviei-me do meu caminho inicial…

Há advogados com estilos diferentes, mas eu gosto, sobretudo, de me imaginar no papel do cliente e fazer tudo para que os seus problemas fiquem resolvidos.

O que a atraiu na área de mercado de capitais?
Aconteceu por mero acaso. Quando comecei a estagiar em 1999, um dos advogados com quem comecei a trabalhar precisava de um estagiário com dedicação exclusiva a um projeto: tratava-se do IPO (Initial Public Offering) da então PT – Multimédia, Serviços de Telecomunicações Multimédia, SGPS (sociedade que esteve na origem da atual NOS, SGPS). Éramos dois candidatos, um rapaz e uma rapariga e na altura, apesar de nos ter deixado decidir entre nós qual dos dois seria o estagiário afeto ao processo, pareceu-me que o advogado tinha uma clara preferência para que fosse o rapaz, o que me fez sugerir que resolvêssemos a questão por sorteio entre nós. Jogámos ao “par ou ímpar”, eu costumo ter sorte por isso sabia que ia ser eu. Comecei imediatamente a trabalhar no IPO, nem sabia bem por onde começar, resolvi comprar um Código dos Valores Mobiliários que tinha sido publicado nesse ano, mas afinal a operação foi a última feita ainda ao abrigo do anterior Código (o Código do Mercado de Valores Mobiliários). Mais tarde contei ao advogado que tinha avançado para o projeto também porque não tinha gostado de ver a preferência pelo meu colega e ele acabou por dizer que a preferência era só porque achava que um rapaz ia aguentar melhor as noitadas e diretas que um processo destes exige, o que no meu caso nunca foi um problema. Foi o primeiro “bias” que tive de ultrapassar ao longo da minha carreira.

Qual a operação mais desafiante em que participou e porquê?
Essa primeira operação obviamente que me marcou bastante porque tudo era novidade e aprendi muito, mas nos anos que se seguiram tive oportunidade de participar em vários outros IPOs, foram uns anos muito ativos na área de mercado de capitais, ao fim de um ano e meio já tinha feito mais dois IPO’s e participado também na quinta fase da privatização de uma outra grande sociedade.

Pela sua dimensão, destacaria a minha participação na liderança da equipa de resposta à OPA lançada pela Sonae à Portugal Telecom – foi uma operação em que se colocaram algumas das questões mais complexas alguma vez colocadas na área do mercado de capitais em Portugal e em que foram testadas aplicações da lei e obtidos e discutidos entendimentos da CMVM que ainda hoje são recuperadas noutras OPAS, como por exemplo na OPA atualmente em curso sobre a EDP e a EDP Renováveis (cujo desenho é muito semelhante às OPAs sobre a Portugal Telecom e a PT Multimédia).

O que mais gosta na sua profissão?
Desde os tempos da faculdade que me dizem que sou muito pragmática e de facto o que mais gosto mesmo é de resolver problemas. Há advogados com estilos diferentes mas eu gosto sobretudo de me imaginar no papel do cliente e fazer tudo para que os problemas do cliente fiquem resolvidos.

Na advocacia há uma característica que é essencial e que os computadores, a robotização e a inteligência artificial, nunca vão conseguir substituir, que é a relação de confiança que se estabelece entre cliente e advogado.

Quais as competências e qualidades que considera importantes para ter sucesso na advocacia?
Tal como as outras profissões, a advocacia está a mudar bastante com o impacto da tecnologia e das novas formas de trabalhar. No entanto, há uma característica que é essencial na relação cliente-advogado e essa creio que os computadores, a robotização e a inteligência artificial, nunca vão conseguir substituir que é a relação de confiança que se estabelece entre cliente e advogado. Para se ter sucesso na advocacia é preciso saber conquistar e manter a relação de confiança com o cliente e isso geralmente implica uma boa preparação dos temas e muita dedicação.

Na sua área trabalha-se muito em equipa. O que é preciso para ser uma boa líder?
É preciso dar o exemplo, sermos tão ou mais exigentes connosco como somos com os demais elementos da equipa. Tento sempre fazê-lo. E depois confiar, envolver, fazer crescer e motivar é também essencial.

Qual o melhor conselho que recebeu ao longo da carreira?
Recebi vários no sentido de não ser tão justiceira para não me prejudicar com isso mas raramente os segui. Sigo quase sempre o meu instinto mesmo quando procuro – e procuro muitas vezes – conselhos de pessoas que considero sábias.

Sou um produto da lei das quotas, não vendo nenhuma conotação negativa nisso pois a lei apenas abriu o caminho ao convite, tendo eu sido escolhida quando havia muitas mulheres disponíveis para o cargo.

É administradora não executiva da Novabase desde maio deste ano. Como surgiu este convite e o que a levou a aceitá-lo?
Conheço bem a sociedade e os seus principais acionistas desde 2000, pois prestei assessoria no IPO e continuei sempre a apoiá-los nas áreas de societário, M&A e de mercado de capitais. É uma empresa muito interessante, no fundo são um exemplo bem sucedido e já duradouro do que tantas startups hoje em dia procuram ser. Estando o mandato dos órgãos sociais a terminar no final do ano passado, e com a entrada em vigor da lei da paridade, tiveram necessidade de incluir mulheres no Conselho de Administração, tendo convidado uma colaboradora do Grupo para administradora executiva e a mim para um cargo não executivo. Sou assim um produto da lei das quotas, não vendo nenhuma conotação negativa nisso pois a lei apenas abriu o caminho ao convite, tendo eu sido escolhida quando havia muitas mulheres disponíveis para o cargo. Quando lhes perguntei porque se tinham lembrado de mim, já que não sou a típica advogada que faz tudo o que os clientes pedem, responderam-me que foi justamente por isso. Para mim é bastante gratificante ver reconhecidos a minha experiência nas áreas de mercado de capitais e também o meu espírito crítico e tenho agora mais um campo em que aplicar os meus conhecimentos e experiência adquirida ao longo de quase duas décadas a prestar uma assistência de uma forma muito próxima à administração de sociedades cotadas e a lidar numa base recorrente com a CMVM e a Euronext. Acresce que se  trata de um novo desafio, em que vou ter de aprender e desenvolver competências, e isso é essencial em todas as fases da vida.

 Quais os principais desafios que este novo cargo lhe tem colocado?
Apesar de o exercício do cargo ser novidade, tenho a experiência de ter assistido a muitas reuniões de conselho de administração de sociedades cotadas e conhecer bem as funções e responsabilidades inerentes ao mesmo. No entanto, o mais desafiante é inteirar-me o suficiente dos temas que são de áreas muito diferentes da minha área de formação, sobretudo as áreas mais de engenharia e tecnologias da informação, e conhecer o suficiente a empresa não estando lá no dia-a-dia, para poder exercer as funções de vigilância da administração executiva que me estão confiadas.

Qual deseja ser o seu maior contributo nestas funções?
Espero conseguir aportar valor para a empresa com base no meu conhecimento e experiência que são totalmente distintos dos demais membros, que é o que está na base quando se fala em diversidade como uma boa prática de governance nas sociedades. Diversidade não apenas de género mas também de experiência e de know-how. Só o facto de ter um outsider sentado no conselho de administração de uma empresa, com uma experiência e conhecimentos em áreas distintas das dos demais administradores (grande parte também acionistas) já é uma boa prática de governance reconhecida universalmente pois o escrutínio e a accountability da administração aumenta naturalmente, ainda para mais sendo mulher é expectável conseguir imprimir um estilo um pouco diferente também – maior sensibilidade para alguns temas, maior cautela noutros, sobretudo os que não domino. Espero conseguir fazer sempre as perguntas certas.

É importante continuar a incentivar as jovens profissionais nos vários estágios das suas carreiras e criar as condições para que as que têm essa ambição não desistam quando estão no caminho para chegarem a cargos de topo.

É partner da Garrigues, dá aulas na Faculdade de Direito de Lisboa e é administradora não executiva de uma empresa tecnológica. Vê-se como um role model para outras mulheres? Considera importante o papel dos role models para acelerar a progressão profissional das mulheres?
Tive uma carreira bastante rápida e estou agora numa fase em que sinto que devo contribuir mais para a sociedade, não apenas trabalhar para os clientes, daí que tenha, por exemplo, aceite o convite para dar aulas na faculdade. Acresce que, recentemente uma colega minha, advogada mais senior e bem sucedida do que eu, dizia-me que tendo nós filhas e tendo nós tido sorte por termos conseguido ver o nosso trabalho reconhecido e termos conseguido ter uma carreira de sucesso, temos a obrigação de dar visibilidade aos nossos exemplos pessoais. Acho que foi aí que tomei mais consciência da importância dos role models e desde aí reparei que há várias jovens advogadas ou alunas que veem com admiração que é possível ser carreirista e construir família, ter um bom casamento e filhos felizes, conciliar a vida profissional e a vida pessoal. E fico muito satisfeita se sou vista com um exemplo,  porque de facto dá trabalho e há fases em que é complicado mas é muito recompensador investir na carreira sem abdicar dos outros projetos maiores que nos fazem sentir realizadas. Não temos de abdicar da carreira porque queremos constituir e apoiar a nossa família.

O que podem as mulheres fazer para acelerar uma presença mais equilibrada de género na liderança de empresas?
Ao longo destes anos a trabalhar com grandes sociedades conheci diversas mulheres ótimas profissionais, de diferentes formações e com todas as competências para chegarem a cargos de liderança. Estranho era não terem chegado até muito recentemente. Nos últimos dois anos, várias dessas mulheres chegaram já a cargos de administração, quer em sociedades cotadas e empresas públicas (que são aquelas em que se aplica a lei da paridade), quer em sociedades não cotadas mas também de média/grande dimensão. Na minha opinião o panorama está claramente a alterar-se e,  ainda que não seja só em resultado direto das quotas, a discussão pública que se gerou a partir da proposta de lei da paridade terá certamente contribuído para aumentar a consciência nas organizações da importância de reter o talento feminino.

É importante continuar a incentivar as jovens profissionais nos vários estágios das suas carreiras e criar as condições para que as que têm essa ambição não desistam quando estão no caminho para chegarem a cargos de topo (alta direção e administração nas empresas ou sócias de sociedades profissionais). Essas condições passam pela possibilidade de trabalho a partir de casa, aumento da licença de parentalidade, criação de carreiras/horários mais flexíveis e isto não só para as mulheres mas também para os homens para que possa existir de facto uma melhor distribuição das tarefas entre os casais e não seja sempre a mulher a ficar com o chamado “trabalho não remunerado”. A imposição das quotas deverá ser apenas uma das medidas e, na minha opinião, transitória para caminhar no sentido de ter mais mulheres no board room.

Que conselho deixaria a uma jovem que está a dar os primeiros passos no mercado de trabalho?
Seja numa empresa ou numa sociedade profissional o meu conselho é: investir bastante nos primeiros anos da carreira, trabalhar muito, prestar muitas provas para, quando chegar a altura de dividir o tempo entre o trabalho e os outros projetos pessoais mais impactantes (designadamente ter filhos), já se estar numa fase em que se conquistou a confiança dos chefes e colegas que não vão questionar que os trabalhos vão aparecer feitos e os processos vão estar assegurados com toda a responsabilidade, mesmo que nesse dia tenham de trabalhar a partir de casa ou sair mais cedo.

Para as jovens que ambicionam um dia chegar a partner de uma grande sociedade ou a administradora de uma sociedade aconselho ainda a alargarem as suas competências, desenvolverem as suas capacidades e prepararem-se o melhor possível para quando chegar a vez delas, pois o caminho está aberto e com trabalho e ambição podem lá chegar.

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