Texto de Marta Carvalho Araújo, CEO da Castelbel
“De hora a hora, Deus melhora; podes ter fé no rifão.
Mas não durmas: vai buscando remédio por tua mão.”
Num almoço de família, após um balanço incrivelmente positivo que fiz do ano que agora termina, os meus irmãos e uma das minhas cunhadas – todos médicos – puseram-se a dissecar a origem do meu alegado sucesso. Ao fim de alguma discussão, concluíram que, contrariamente ao que afirmei nesta entrevista, o momento-chave da minha carreira não teria sido aquele em que abracei uma posição para a qual, enquanto “cientista pura”, supostamente não estava preparada (marketing e vendas), mas sim aquele em que abandonei o curso de Medicina. Afinal, foi ao desistir da carreira médica que abri caminho para outra, totalmente diferente, que nunca poderia ter imaginado, e que resultou na vida confortável e feliz que tenho hoje. (Tanto a nível profissional como pessoal, já que foi assim que conheci o meu marido!)
É claro que a persistência é importante (ou nunca acabaríamos nada do que começámos!), mas, citando Margarida Rebelo Pinto, “às vezes, mais vale desistir do que insistir”.
Mais vale deixar de acelerar em ponto morto. Assumir que estamos parados, fazer inversão de marcha (com algum cuidado e muita consideração para com os outros utilizadores da via, para evitar acidentes, porque ninguém tem culpa de que tenhamos mudado de ideias!) e recomeçar lentamente, na faixa da direita, do outro lado da estrada.
Recordar que é o não ter medo de mudar e perder o que temos hoje que nos dá independência e isenção, levando-nos a fazer algo simplesmente por acreditarmos que é o que está certo. E que, como dizem na Alemanha, “O medo faz o lobo maior do que ele realmente é.”
Mais vale convencermo-nos de que nada dura para sempre, que ninguém é insubstituível e que nunca devemos chegar ao ponto de nos dizerem que “se não atrapalhar, já está a ajudar”…
Que, tal como num casamento, o melhor lugar para ocuparmos é aquele que desejamos (e não de que precisamos!) e em que nos desejam, e que, se algum dia deixarmos de o desejar ou de ser desejados, cada um deverá seguir o seu caminho, na defesa do que for melhor para todos.
[Claro que, se houver filhos (no sentido literal, em casa, ou no sentido figurado, no trabalho), há que pensar duas vezes no impacto que uma decisão puramente egoísta poderá ter sobre quem nos rodeia, confia e precisa de nós… mais uma vez, a regra que deve imperar é a do bem comum.]
E lembrarmo-nos de que, ao delinear o nosso plano de carreira – tal como ao definir qualquer outro tipo de estratégia – é tão importante decidirmos o que não queremos como aquilo que queremos.
Que não podemos focar-nos tanto no curto prazo que acabemos por ter uma visão totalmente desfocada do longo.
E que é essencial conhecermo-nos bem. Porque é certo que quem nasceu para camisola amarela nunca será um bom carro-vassoura (e vice-versa).
E que perder a nota que trazemos no bolso não é pior do que deixar de ganhar uma igual, porque o custo de uma oportunidade perdida é real!
Ao fim e ao cabo, o velho ditado “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar” só faz sentido se não estivermos munidos da técnica e do equipamento necessários para apanhar os dois.
Por outro lado, é preciso ter em mente que “nem tudo o que brilha é ouro”. E que, como “quem se mete por atalhos, mete-se em trabalhos”, devemos ter o cuidado de restringir a incursão por estradas secundárias aos casos em que achamos que vão mesmo dar a algum lado. Caso contrário, passaremos a vida a fugir ou a desviar-nos do que verdadeiramente importa.
É difícil? É. Mas, para haver um fio condutor, basta que permaneçamos fiéis aos nossos princípios, crenças e valores, mantendo a coluna vertical.
Agarremos, então, o ano que aí vem com a convicção de que “amanhã não seremos o que fomos nem o que somos” e que “nada é permanente, salvo a mudança”. Feliz 2020!
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