José António de Sousa: “Estes portugueses são do piorio”— Relatório Draghi e Portugal

A perplexidade do nosso colunista José António de Sousa sobre a falta de assistência de uma conferência a que assistiu recentemente sobre um tema de importância máxima para Portugal.

José António de Sousa fez a maior parte da sua carreira na liderança de multinacionais no estrangeiro.

José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais de seguros.

 

Tomei este título, por empréstimo, do interessante livro de Filipe Pinhal que acabou de sair, não porque o relatório Draghi fale do tema, mas porque resume tudo aquilo que hoje gostaria de partilhar sobre uma conferência interessantíssima a que assisti sobre o relatório Draghi, com um painel de conferencistas de luxo.

A conferência, organizada pela Universidade Lusíada, em parceria com a Ordem dos Economistas, teve lugar a 14 de Novembro no campus em Lisboa, a uma hora decente (10 da manhã), mesmo para um reformado como eu.
Sendo de inscrição obrigatória, a entrada era no entanto livre, sem custo. Este talvez tenha sido o primeiro erro. Os portugueses estão tão habituados a borlas, favores e subsídios, que não valorizam, respeitam e aproveitam aquilo que não precisam de pagar. Num auditório com, no mínimo, uns 200 lugares sentados, havia 10 (!) assistentes ao evento, 6 dos quais de cabeça bem grisalha, a indiciar que dificilmente irão ainda influir no que quer que seja, com o conhecimento que levaram para casa no final.
O embaixador japonês estava presente na plateia com a sua conselheira económica. Em respeito pelo homem, o moderador (irmão de Marcelo Rebelo de Sousa, e reitor da Universidade Lusíada) ainda disse umas palavras de ocasião em inglês, mas como as palestras eram todas em português, sem tradução simultânea (e ainda bem que não gastaram dinheiro nisso), o embaixador saiu logo no início, não sem antes dar uma varrida com olhar perplexo à sala completamente vazia.
O segundo erro possivelmente ocorreu na parte comunicacional. Não sei o que a U. Lusíada terá feito em termos de divulgação do evento (até internamente, pois não havia estudantes nem professores…), mas sei que a Ordem dos Economistas lhe deu bastante destaque, e foi pelo convite recebido da OE que eu soube do evento, e me inscrevi. Possivelmente fosse o único economista de Portugal presente na plateia. Os outros devem achar que a Europa é uma chatice, e que aqui é que dá para encher chouriços, e fazer umas tainadas giras. A comunicação também não chegou à Comunicação Social, completamente ausente do evento. Ou não soube ( seria culpa dos organizadores), ou ainda está a lamber as críticas que o embaixador Martins da Cruz lhes fez pela forma enviesada como trataram as eleições presidenciais nos EUA, ou então tinham coisas mais importantes a cobrir do que o nosso futuro numa Europa arrasada e em crise…
Isto de ir “perder” uma manhãzinha a ouvir o que o relatório Draghi recomenda para que a Europa se prepare para os desafios brutais que vai enfrentar, não a longo prazo, mas já amanhã, e poder começar a pensar e a desenhar estratégias sobre como preparar a nossa economia (as nossas empresas!), não só para os enfrentar, mas para cavalgar a onda, e sair da crista entre os vencedores, é cá uma chatice… Bora lá mas é uma leitoada no Mugasa em Sangalhos ! Assistir à conferência sobre o “Relatório Draghi- uma aposta no futuro” ? Pura perda de tempo. Nós por cá apostamos mas é na Betclick, no Placard, nas raspadinhas da Santa Casa, no Euromilhões e no Eurodreams, e de Europa é quando nos basta…
Ironia à parte, pois não sei quantos no seu íntimo pensaram assim, sei isso sim que perderam uma conferência de alto valor, e que cumpriu cabalmente os objectivos anunciados, ao aprofundar temas como “os da necessidade de eliminação do gap no crescimento e na inovação da Europa relativamente aos EUA e à China, a redução das desigualdades nas aptidões, a necessidade de um plano conjunto para a descarbonização e a competitividade, a aposta no aumento da segurança europeia, o financiamento do investimento na Europa, e o reforço na governança” . Tudo temas anunciados no convite da Ordem, mas em que pelos vistos somos Masters of the Universe, não precisamos de aprender nada sobre isso…
Dos vários conferencistas destaco três, pela relevância do que expuseram nas áreas mencionadas.
. António Mendonça, ex-ministro das Obras Públicas num Governo PS, e atual Bastonário da Ordem dos Economistas (70 anos).
. Maria Margarida Ferreira Marques, antiga Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, e até há pouco tempo deputada ao Parlamento Europeu (PS, 70 anos).
. Hélder Manuel Gomes dos Reis, atual Secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional (55 anos, independente).
Coloquei a idade dos conferencistas e a sua filiação partidária propositadamente. Em Portugal temos gente de altíssimo nível em final de carreira, e portanto em posições em que já só podem usar o seu riquíssimo capital intelectual acumulado ao longo de uma vida geralmente profícua para recomendar, não para decidir e influir.
Como sabemos, muitos desses quadros superiores, quando ocuparam lugares em que podiam decidir e fazer, nada fizeram, provavelmente pelo medo visceral que em Portugal se tem de tomar decisões, e aparecer pelas piores razões nas páginas do Correio da Manhã. E agora, estando já fora do circuito decisório, os incumbentes atuais das posições em que realmente se decide em Portugal, nem os ouvem.
Somos os campeões do “not invented here syndrome”. Como nos explica na Wikipedia o “Understanding cognitive biases”, “o síndrome do não inventado aqui é o princípio filosófico que visa evitar soluções de terceiros, por causa da sua origem externa. O orgulho frequentemente leva organizações a adotar invenções e soluções imperfeitas. Ignorando, boicotando ou recusando a usar ou incorporar soluções obviamente superiores desenvolvidas por outros.”
Aquilo que posso afirmar sem qualquer sombra de dúvida, após concluir uma carreira profissional de mais de quatro décadas, é que esta “doença” é das mais mortais para empresas e países . Se os chineses não fossem muito mais pragmáticos, pacientes e inteligentes que os ocidentais, não teriam erradicado essa “doença” do seu sistema decisório. Imitando no entanto os japoneses a copiar as melhores práticas ocidentais ao longo de décadas, sem qualquer complexo ou síndrome estúpido, estão hoje a anos luz (à frente, entenda-se) daqueles de quem eles copiaram as melhores soluções tecnológicas.
Voltando à conferência, os pontos de vista de Helder Reis e de Maria Margarida Marques foram harmoniosamente complementares, o que me levou também a concluir que se o PSD e o PS, juntamente com os independentes de alto nível técnico como Helder Reis, colaborassem mais quando estão no “poleiro” e em posição de decidir, Portugal estaria hoje sem qualquer hesitação à frente da Suíça ou da Dinamarca, os países que gostamos sempre de mencionar como exemplos a seguir e emular.
Que pena que não o consigamos enxergar, erradicando das nossas práticas quotidianas a inveja mesquinha e medíocre que nos impede de dialogar e colaborar. Essa seria a única forma de construir o nosso próprio futuro, sem ter de copiar o que quer que seja, ou quem quer que seja, porque a verdade é que sempre que nos propomos a fazer algo (infelizmente quase sempre em áreas de crimes de colarinho branco), somos muito bons, a maioria das vezes bem melhores do que aqueles que admiramos e gostaríamos de copiar…
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