A Dashlane instalou-se em Portugal em 2018 e podia ser apenas mais uma empresa tecnológica, mas tem a particularidade de contar com três mulheres na liderança, numa área onde o talento feminino escasseia e é ainda mais raro no topo. A empresa que tem uma aplicação que simplifica a gestão de passwords para mais de 17 milhões de utilizadores e 20 mil empresas, tem cerca de 400 colaboradores distribuídos por França, Estados Unidos e Portugal, onde conta com 80 pessoas.
Mafalda Garcês, country leader & senior people director, Anne-Sophie Cuzacq, VP customer advocacy e Giovanna Faso, VP of engineering operations, são os três rostos femininos ao comando desta tech company, que partilharam com a Executiva a sua experiência.
Trabalhar para a paridade numa empresa tecnológica
Mafalda Garcês, country leader & senior people director, assume que na Dashlane, tal como em outras empresas da sua área, ainda não existe diversidade suficiente na pool de pessoas qualificadas para as funções. Mas acrescenta que internamente a preocupação com a igualdade está bem presente e faz parte de todos os processos. “Somos minuciosos na análise de salários para garantirmos a paridade, fazemos um trabalho consciente durante os processos de recrutamento e seleção para ter diversidade na nossa força de trabalho, e analisamos criteriosamente todas as promoções para assegurar que são dadas oportunidades a todas as pessoas”, diz.
A empresa também tem apostado em parcerias com instituições que ajudam a trazer mais mulheres para as STEM e fomenta o papel mais ativo dos pais no cuidado aos filhos. Este ano, no Dia da Mulher, anunciou a licença parental igual para pais e mães, paga a 100%. Com esta medida pretende promover a igualdade de género na carreira e rompeu com a tradição de serem as mulheres que têm de assumir a maior parte da responsabilidade nesta área.
Mas Mafalda Garcês está convencida que o que acaba por fazer mais diferença é o facto de a empresa ter efetivamente mulheres em posições de liderança, inspirando assim outras mulheres e apoiando-as no desenvolvimento das suas carreiras. “É preciso continuar a apoiar desde cedo as nossas jovens para que considerem a área das STEM, para que sintam que são capazes. É um trabalho de todos. Há necessidade de continuar a mudar mentalidades e aproximarmo-nos cada vez mais de uma realidade onde não é estranho ter uma mulher num cargo de liderança ou certas áreas vistas como intrinsecamente masculinas ou femininas.”
Lidar com o enviesamento de género
A country manager da Dashlane em Portugal já sentiu algumas vezes na pele a experiência de estar em reuniões com potenciais fornecedores que a ignoram como líder e se dirigem aos seus colegas como se fossem eles os decisores. Vê essa atitude como informação preciosa para a decisão a tomar. “Se um potencial fornecedor não se deu ao trabalho de fazer a sua pesquisa e não consegue lidar com os seus enviesamentos num momento formal, então não está alinhado com os nossos valores institucionais e faz sentido conhecer alternativas”, diz Mafalda Garcês.
A primeira vez que Giovanna Faso, VP of engineering operations da Dashlane, entrou no escritório do seu primeiro emprego em Portugal só conseguiu contar duas mulheres num grupo de 32 pessoas e reparou que não havia sequer casas de banho separadas. No entanto, a executiva diz que rapidamente se sentiu bem integrada no grupo e destaca Portugal como um país onde as empresas criam ambientes calorosos e familiares, ainda que as posições de liderança tenham menos diversidade do que no Reino Unido. A executiva acredita que à medida que mais empresas virem Portugal como uma localização estratégica para o crescimento das suas equipas, haverá mais casos como o da sua empresa, em que a liderança é composta por três mulheres com backgrounds diferentes.
Anne-Sophie Cuzaq, VP Customer Advocacy na Dashlane, tem uma visão mais otimista e destaca Portugal como um bom exemplo de um mercado que se foca primeiro em colocar as aptidões e as competências acima do género. “Como é muito novo no cenário de startups, arrancou sem pré-julgamentos acerca da igualdade de género”, considera a vice-presidente customer advocacy. Tendo sido mãe há pouco tempo, está encantada com o apoio que o nosso país oferece às famílias, uma vez que o marido também pode tirar, pela primeira vez, licença de paternidade para a apoiar com o bebé. Para ela, ser uma mulher numa posição de liderança no ecossistema tecnológico português representa uma oportunidade de ajudar ativamente outras mulheres a prosseguirem as suas carreiras na área, acreditando que é preciso apoiar o talento feminino para que possa entrar em níveis mais elevados de liderança.
Atrair talento para Portugal
Anne-Sophie Cuzacq é a responsável por ter instalado a empresa em Portugal. Descobriu o nosso país quando durante umas férias, conheceu um investidor que a convenceu de que Portugal era “o novo local para estar” para construir grandes equipas de Suporte, Produto e Engenharia. Quando voltou ao trabalho fez a sua própria investigação e quando quis alargar presença da Dashlane na Europa e construir uma equipa experiente, Portugal surgiu como a melhor opção. “Já tinha sido identificado como um hub importante para contratar recursos internacionais qualificados, a Web Summit tinha acabado de chegar a Lisboa e, portanto, iria atrair também imenso talento de todo o mundo, além dos grandes talentos que já tem”, conta. A executiva francesa confessa que ficou impressionada com a capacidade dos portugueses de se adaptarem e de se reinventarem nesta nova revolução tecnológica no seu país. “Antes de 2018, a indústria tecnológica e o mercado de startups eram muito pequenos, mas cinco anos depois, Lisboa e Portugal foram capazes de mudar isto de forma drástica e agora organizam, todos os anos, o mais importante evento tecnológico, a Web Summit.”
Portugal está cada vez mais no mapa dos melhores talentos internacionais e as empresas de tecnologia sabem-no bem. Recentemente, a Dashlane anunciou um programa de contração de 50 pessoas, oferecendo condições muito vantajosas para se fixarem em qualquer ponto de Portugal. Mafalda Garcês diz que Portugal é um mercado importante para a empresa, não só “pelo incrível talento dos portugueses, mas também porque somos um país onde muito talento externo escolhe trabalhar”.
Prova disso é que o nosso país foi também a escolha da italiana Giovanna Faso, que tem um perfil de LinkedIn que chama a atenção pela quantidade de empresas em que já trabalhou — dez empresas em 19 anos. Admite que durante muitos anos nunca ficou “demasiado” tempo numa empresa. “Antigamente, estava mais interessada em estar exposta ao maior número possível de desafios, enquanto agora aprendi a sentar-me e a crescer dentro de ambientes desafiantes.”
Fez parte do ecossistema londrino por 15 anos antes de decidir fazer um MBA. Ao contrário da maioria dos colegas que faz este investimento para mudar de carreira, de país ou de área, Giovanna Faso queria “aprender mais, fazer crescer a minha rede de contactos e ter tempo para parar e pensar”. Foi durante este tempo de aprendizagem e reflexão que percebeu que gostaria de experimentar construir e alimentar um ecossistema tecnológico na Europa. Tirou tempo para escrever um artigo sobre o tema e descobriu que Portugal tinha todos os ingredientes certos para florescer como hub tecnológico. Mudou-me como consultora e construiu a sua rede de contactos. Na Dashlane desde novembro do ano passado, gere operações entre diferentes pessoas em países como Portugal, França e EUA, desde gestores de projetos, release engineers, analistas de qualidade e automation engineers. O seu foco é manter uma cultura comum de engenharia dentro da empresa, independentemente das diferentes localizações, com um forte sentido de colaboração e um propósito de contínuo crescimento e aperfeiçoamento.
Oferecer novos modelos de trabalho
Apesar de ter instalado a empresa em Portugal em 2018, Anne-Sophie Cuzacq, VP Customer Advocacy, mudou-se para Portugal em 2020, precisamente no início da pandemia. Habituada à energia do trabalho presencial, esta mudança foi uma espécie de prova de fogo, pois chegou precisamente quando o trabalho remoto passou a ser obrigatório. Hoje está perfeitamente adaptada e gere a partir de Lisboa uma equipa de 60 pessoas que trabalham nos Estados Unidos, França e Portugal, e não exatamente a partir dos escritórios da empresa, mas de onde quiserem.
A Dashlane já tinha trabalho híbrido antes da pandemia, e esta veio apenas acelerar o processo. “Acreditamos que cada pessoa deve poder escolher onde melhor desempenha a sua função – à exceção de uma ou outra função que, pela sua natureza, implica uma maior necessidade de estar presente no escritório, todas as outras podem ser desempenhadas de forma totalmente remota, híbrida ou totalmente presencial, conforme fizer mais sentido à pessoa que a desempenha”, diz Mafalda Garcês. As equipas têm autonomia para se articularem da forma que considerem a ideal e a empresa encarrega-se de criar momentos remotos e presenciais para que continue a existir uma conexão entre os colaboradores.
“É importante assegurar que a empresa está preparada para se abrir a diferentes formas de trabalhar, pensar e colaborar”, opina Giovanna Faso, VP of engineering operations “uma empresa que não esteja preparada para desafiar e melhorar, dificilmente será uma empresa que atrai o melhor talento diverso”.
Como country leader & senior people director da Dashlane, Mafalda Garcês vai continuar a apostar na diversidade. Destaca a importância dos role models femininos e por isso defende que é preciso continuar a mudar mentalidades, ter mais exemplos de liderança diversa para que todos se possam inspirar. “É preciso entender que sem diversidade ficamos sempre aquém do potencial”, concluiu a executiva.
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