Luísa Matos: “É preciso saber sonhar para ir mais à frente da concorrência”

Luísa Matos admite que o momento mais desafiante da sua carreira é que está a viver como CEO da Virtual Power Solutions (VPS). Com uma carreira dedicada à inovação no setor energético, o seu papel agora é pensar a estratégia da empresa tecnológica e a melhor forma de a implementar.

Luísa Matos é CEO da Virtual Power Solutions.

Com uma licenciatura em Economia, um MBA e mestrado em Gestão de Marketing e a fazer um doutoramento em Marketing e Estratégia, Luísa Matos parece à partida uma escolha improvável para dirigir uma empresa tecnológica. Mas a verdade é que a sua carreira tem sido dedicada, sobretudo,  à inovação, tendo já participado em mais de 40 projetos de desenvolvimento de soluções nas áreas das virtual power plants (VPP), eficiência energética, cidades e redes inteligentes. Para o seu doutoramento está a fazer uma investigação dedicada ao estudo da Inovação nos Modelos de Negócios e na Transformação Digital das empresas do sector energético.

Chegou à Virtual Power Solutions (VPS) no início de 2018, como diretora de Inovação, Produto e Marketing, e em 2019 foi desafiada a assumir a liderança da empresa. Porque encara o seu papel como integrante do trabalho de uma equipa, seja ao nível do topo, seja com todos os outros membros, uma das primeiras coisas que Luísa Matos fez quando assumiu o cargo foi uma entrevista individual com todos os colaboradores da empresa, para perceber o que os motivava, quais os seus interesses e o que estava bem e mal com cada um deles. Um líder não trabalha sozinho, precisa da informação e do conhecimento de todos os que estão à sua volta.

De que maneira a sua formação a tem ajudado a construir um percurso na área tecnológica? 

Ela vem-me servindo para dar resposta a diversos desafios, sejam eles de gestão de equipas, de comunicação ou de análise de mercados para, por exemplo, definir melhor uma oferta. E mesmo para perceber o que está a acontecer no mundo.

A minha formação foi fundamental para ter ferramentas para trabalhar e perceber a melhor maneira de implementar uma série de iniciativas da empresa. No fundo, para ter a capacidade para pôr as pessoas da VPS a seguir a missão e a estratégia que estamos a desenhar atualmente.

Também contribuiu para conhecer o mercado e a realidade deste sector. Graças à investigação que fiz para o doutoramento, passei a perceber melhor toda a área da energia: os seus players e a forma como se movem, os interesses envolvidos. Depois também as dificuldades que resultam de questões técnicas, da adopção de tecnologias, das respostas que temos de dar ao problema das alterações climáticas. Mais recentemente foquei-me também na forma como podem surgir os novos mercados.

Hoje há cada vez mais fontes de energia renovável em produção, uma coisa boa porque é uma resposta positiva às alterações climáticas. Mas estas fontes também causam problemas, porque o sol só está disponível uma parte do dia, e o vento sopra quando sopra.

[O momento mais desafiante da minha carreira] é este porque implica uma procura constante de equilíbrio entre o caminho por onde queremos que a empresa avance e tudo o que foi feito para trás.

Mas isso não tem sido suprido pela energia de origem hídrica durante a noite?

Portugal tem muita energia hídrica disponível. Mas isso não acontece em muitos países. Além disso, a sua utilização está condicionada, já que nem sempre os anos são húmidos. Se queremos descarbonizar e recorrer cada vez menos a energia poluidoras, temos de ter formas alternativas de o fazer. Isso abre lugar à criação de novos mercados.

No momento atual, estou a estudar a forma como a implementação de uma comunidade de energia pode contribuir para a criação de novos mercados. A Comissão Europeia está a olhar para o tema há algum tempo e até já existem directivas aprovadas e publicadas para documentar a sua criação e as formas de transacionar a energia.

Mas ainda há muitos constrangimentos locais, dos países?

Sim. Para além dos constrangimentos físicos, e até da própria estrutura que permitirá que isto aconteça, que tem a ver com as redes de distribuição da energia, também é necessário o enquadramento legal sobre a forma de comercializar a energia. Há, aqui, várias áreas que precisam de ser conjugadas para o mercado ser estabelecido.

Qual o momento mais desafiante da sua carreira?

É este. Já tive fases bastante interessantes da vida e momentos muito desafiadores. Mas o atual, depois do convite para assumir o cargo que ocupo, há mais de meio ano, implica uma procura constante de equilíbrio entre o caminho por onde queremos que a empresa avance, e tudo o que foi feito para trás. Tem sido esse o meu maior desafio até agora.

“Alguém que se quer lançar na área da tecnologia precisa de não ter medo de arriscar e partilhar”, diz Luísa Matos.

Quais as competências mais importantes para exercer este cargo?

Apesar de ser a líder, não trabalho sozinha. Eu vejo muito o meu papel como integrante do trabalho de uma equipa, seja ao nível do topo, seja com todos os outros membros. Uma das primeiras coisas que fiz, quando assumi o cargo, foi uma entrevista individual com todas as pessoas da VPS, para perceber o que as motivava, quais os seus interesses e o que estava bem e mal com cada uma delas. Também partilhei a minha visão para o crescimento da empresa e tentei ter o seu feedback, porque cada um deles possui informações e conhecimentos que não tinha, mas necessito. É importante coligi-los.

As soft skills são competências muito importantes em tudo o que está ligado com a gestão de pessoas. Em qualquer empresa, e em particular na VPS, onde temos uma grande diversidade de perfis, de pessoas de múltiplas áreas. É preciso ter capacidade para as estimular e motivar a seguirem na direção que nós acreditamos ser a melhor, tendo também em conta a sua opinião, porque todos os membros da equipa têm uma palavra a dizer. Já viveram muito e têm conhecimento para isso.

Para além de saber comunicar e motivar as pessoas, é necessário ser perseverante, ter alguma resistência e capacidade de lidar com a adversidade, as falhas e as dificuldades do dia a dia. Nem sempre as coisas surgem como queremos. Depois também é preciso saber sonhar e antecipar cenários do futuro, para ir um pouco mais à frente da concorrência. É uma capacidade muito importante para quem está a tentar fazer uma empresa crescer.

O meu grande desafio atual é o da execução, que implica o desenho das rotinas diárias na forma de trabalhar. Tudo tem de fazer sentido, num processo construído normalmente com base na tentativa e erro. Não há nada que se consiga criar de outra forma numa empresa.

Em que consistem as suas funções?

Venho da área da inovação e mantenho esse pelouro na empresa. Implica pensar e desenhar projectos para o futuro. Como trabalhamos em cooperação com universidades e empresas complementares, principalmente da Europa, outro dos meus papéis é a criação de parcerias. Estou também a acompanhar o marketing e toda a parte da comunicação.

Sou também perita da Comissão Europeia para projetos de energia, tanto na área da gestão, como da procura. Para além dos contratos na área da energia, também tenho feito a avaliação de projetos inovadores. Quando as empresas querem lançar novos produtos, a Comissão Europeia contrata peritos para os avaliar. É um trabalho que tenho feito desde 2011.

Qual a parte mais aliciante do seu trabalho e quais os principais desafios da sua função?

Há uma parte muito interessante, que gosto muito: é pensar na estratégia e na forma como podemos avançar. Quando pensamos o futuro, ambicionamos também encontrar soluções para os próximos desafios. Depois é preciso desenhar a estratégia para a empresa lá chegar, criando caminhos, escolhendo parceiros e ferramentas, definindo produtos. Por fim, é necessário por tudo isto em prática, que é a fase em que estou agora. O meu grande desafio atual é o da execução, que implica o desenho das rotinas diárias na forma de trabalhar, por exemplo. Tudo tem de fazer sentido, num processo construído normalmente com base na tentativa e erro. Não há nada que se consiga criar de outra forma numa empresa.

Que conselho daria a uma jovem que quer fazer carreira na área da tecnologia?

Alguém que se quer lançar na área da tecnologia, seja como empreendedor, seja no seio de uma empresa onde quer crescer, precisa de não ter medo de arriscar e partilhar. E manter a curiosidade, para saber e fazer mais. É preciso ter esta insatisfação. Isto é verdade para as tecnologias, mas também para outras áreas.

Na área da tecnologia não há limites. Constatamos isso em inovações que surgem a partir de ideias aparentemente disparatadas, como o Skype. Os primeiros investidores contactados não aplicaram o seu dinheiro no projeto com o argumento que era algo que já existia [Dois anos depois o negócio tinha crescido imenso e foi vendido à eBay por 2600 milhões de dólares. Hoje pertence à Microsoft e tem mais de 300 milhões de usuários].

E na gestão?

Na área da gestão, o grande desafio é lidar com pessoas. É preciso desenvolver competências que nos permitam ter empatia pelos outros e saber colocar-nos no lugar de pessoas que têm os seus interesses, o seu conhecimento, a sua forma de estar na vida, os seus medos. Os receios são muito naturais quando uma empresa tenta mudar comportamentos das pessoas, das equipas. Para alguns, pode ser um mergulho no desconhecido, e é natural que se sintam céticos e não queiram avançar. Por isso é necessário ter capacidade de ler as pessoas, para saber como elas se sentem e vão reagir.

Mas também é necessário saber comunicar, para que aquilo que queremos passar pareça o que é: algo racional e lógico.

Sim. Não se pode só impor. É preciso comunicar bem e envolver as pessoas. Não podemos assumir o papel de ditadores. Isso não resulta. Temos de envolver as pessoas e ouvi-las, sobretudo porque não sabemos tudo. Podem ter ideias relevantes para a decisão e temos de as ter em conta. Por outro lado, se acreditamos que aquilo que estamos a defender é, de facto, muito importante, é preciso passar melhor essa mensagem.

O que é a VPS

É uma empresa tecnológica focada na criação de soluções para descarbonizar a economia. Com clientes nos sectores industrial, comercial, residencial e de serviços públicos, abrange diversas áreas de mercado, para as quais tem soluções distintas, a VPS facturou, em 2019, três milhões de euros e conta com 40 colaboradores.

“Temos feito negócio com cerca de 600 clientes nos últimos anos, onde se incluem clientes dos sectores da banca, indústria, hotelaria, aeroportos, saúde, educação, municípios e outras entidades públicas, comercializadoras e produtoras de energia e gestores de redes elétrica”, diz a gestora, que assumiu o cargo há pouco mais de seis meses. Hoje procura fazer crescer o negócio, procurando novas soluções e mercados e aproveitando as oportunidades da criação das novas comunidades energéticas na Europa.

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