José António de Sousa: “Um dia passado “com o fisco” (verdadeira etimologia da palavra “confisco” )

O colunista José António de Sousa relata duas interações com a Autoridade Tributária e apela ao investimento significativo na modernização administrativa do Estado.

José António de Sousa fez a maior parte da sua carreira na liderança de multinacionais no estrangeiro.

José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais de seguros.

 

Não conheço ninguém, mas absolutamente ninguém, no meu círculo de familiares, e ainda mais no meu vastíssimo círculo de conhecidos e amigos, que nunca tenha tido com o Fisco / AT um “encontro imediato de terceiro grau”, esse filme de outro mundo, produzido por Steven Spielberg já lá vão mais de 35 anos (1977), que relata uma série de acontecimentos verdadeiramente extraordinários (equivalentes à correspondência física e digital que estamos a trocar em permanência com a AT…).

O filme culmina com um espectacular encontro de humanos com extraterrestres, sensivelmente o mesmo sentimento que invade o cidadão comum quando entra numa Repartição de Finanças para resolver um dos múltiplos problemas em que se vê envolvido regularmente.

As obrigações estão sempre, sempre do nosso lado, comum dos mortais. Recentemente recebi uma das famosas cartinhas da AT. Sem qualquer exagero, e com total franqueza, as minhas experiências pessoais com a correspondência que chega a casa da AT (mesmo sendo um cidadão que cumpre escrupulosamente as suas obrigações fiscais) deixam-me sempre em estado de grande ansiedade, em burnout total, e não descanso enquanto não abro o “presente”, frequentemente envenenado, que recebo no correio.

Só para dar um pequeno exemplo dos muitos que poderia dar aqui, e para que os meus pacientes leitores entendam o verdadeiro enlevo, arrebatação, êxtase, arroubo e um infindável etc. de expressões menos “carinhosas” que aplico mentalmente quando me sinto compelido a falar da mana Mariana Mortágua, a AT mandou-me recentemente uma cartinha a cobrar o AIMI (adicional ao IMI), que ficou conhecido por imposto Mortágua.

Ora, os meus amigos da AT cometeram o erro de me “chamar à pedra” indevidamente, ao colocar só e apenas em meu nome o património imobiliário que tenho em conjunto com a minha mulher, e não, como deveria estar, em tributação conjunta… Certamente para atirar o “barro à parede” a ver se cola, porque em cada 100 casos, se uns poucos andarem distraídos, é mais algum graveto que fica do lado de lá… São tantas as solicitações de tetas mamáveis na bordalliana porca do Orçamento de Estado, e tanta a pressão para não haver deficit, que as fontes de cobrança, mesmo irregulares e indevidas, são aparentemente bem-vindas.

Falei com um fiscalista amigo que me disse que :”apesar de não deveres nada, porque isso foi mal calculado, primeiro pagas, para evitar que a máquina trituradora das multas e penhoras entre em funcionamento. E depois fazemos a reclamação graciosa, esperando que não demorem muito a devolver o que legitimamente é teu, não deles.”

Diga-se em abono da verdade que na AT demoraram apenas umas poucas semanas a resolver o imbróglio. Mas isto não se faz. Deveria haver uma forma de, reagindo de imediato a um erro crasso, haver um efeito suspensivo da cobrança enquanto o caso é analisado. Mas da posição de poder absoluto em que a AT se encontra, um Estado dentro do Estado, não existe qualquer preocupação com a minimização da pressão sobre o cidadão, mesmo que indevida e abusiva.

Erro de sistema

Após esta dolorosa introdução, o caso que realmente me leva a partilhar a minha frustração com a AT prende-se no entanto com a minha ida hoje, 21 de Novembro, a uma das galáxias do Universo (repartição de Finanças), para registar uma escritura de doação de imóvel (diminuindo assim o risco das manas Mortágua virem ao meu bolso novamente, para eu as ajudar a sustentar…), e pedir as guias para pagamento do Imposto de Selo (doação a filhos está isenta de IMT).

Fui cedinho, para não arriscar bater na porta com um “já não há senhas”. Senha A20 do Património, estavam a atender (achava eu) a A7 quando cheguei. Precavido como me prezo de ser, pus uma senha de estacionamento de 4 horas no pára-brisas do carro, levei um bom livro (“O pesadelo de ar condicionado” do Henry Miller), e preparei-me para passar a manhã naqueles bancos confortáveis de “suma-a-pau”, num ambiente pesadíssimo (em Marte respira-se mal), com dezenas de pessoas a tossir e fungar ao meu lado. Vacinas já tomadas, felizmente, let’s hope for the best.

Com enorme surpresa minha, as senhas A estavam a ser chamadas a uma velocidade incomum, e ao fim de 50 minutos de espera chegou a minha vez. O homem nem me deixou sentar.  Mostrou-me o ecrã do computador, e disse “estivemos toda a manhã sem sistema”… Apeteceu-me partir a loiça toda, mas contive-me, porque a culpa não era obviamente dele. Perguntei só porque é que a colega que distribuía as senhas à porta não avisava que o sistema estava inoperacional, dando às pessoas a escolha de ficar e esperar, a ver se o sistema voltava, ou de ir embora. Lembrei-lhe também que era bom avisar as pessoas com marcação (são atendidos entre as 12.30 e as 15.30) que seria mais prudente remarcar, porque se arriscavam a vir de longe para bater com a cara no ecrã de um sistema inoperacional. O homem disse que dissesse isso à menina da porta ao sair, e a menina da porta mandou-me às malvas, que esse não era o trabalho dela, o trabalho dela era dar senhas à entrada, pois o sistema podia regressar a qualquer minuto…. Pareceu-me tão assertiva e convincente, que esperei mais 2 horas a ler o Miller. O sistema não voltou.

E aqui chegados, ao regressar a casa fui ao meu canhenho de recortes, porque me lembrei de um artigo do Público (11 de Abril de 2022) que tinha como título “Finanças atrasam sistema informático que vai acelerar investigações criminais”. Apesar de isto não ter diretamente a ver com o sistema operativo da AT, ficamos então a saber que por causa de 756 mil euros que o PS cativou, que eram necessários para o reforço de técnicos para fazer o suporte e manutenção de uma aplicação chamada ProMP, desenvolvida pela PGR, que aceleraria significativamente as investigações criminais, gerando certamente receitas adicionais para a AT, o software que era para estar operacional no primeiro trimestre de 2021 ainda não estava (está ?) operacional.

Sabemos que o poder em Portugal não gosta de ter polícias muito ativas e eficientes, e sabemos o porquê (era a morte dos “artistas”, era uma chatice a corrupção baixar para os níveis da Suíça ou da Dinamarca…), mas é inadmissível que depois de ter passado já um quarto de século do século XXI ainda haja participações de polícia a chegar ao MP em papel, e inquéritos-crime que a nossa lei ainda obriga que sejam também feitos em papel….

A maioria de sistemas de modernização administrativa via digitalização são financiados com Fundos Europeus. E segundo Paulo Morais há uma verba de 10 0/0 do OE (já vi números que vão dos 11 mil aos 15 mil milhões de euros…) que alimenta um fundo de maneio secreto, que ninguém diz para o que serve. Nem os partidos do arco do Governo, nem, curiosamente, a oposição da berraria (PCP e BE). Creio que seria chegado o momento do Governo do PSD, que se diz diferente daqueles do PS que o antecederam, de investir significativamente na modernização administrativa do Estado. Como será que conseguem explicar aos portugueses, que pagam a fatura, que com o PS o aparelho burocrático administrativo do Estado nos últimos 8 anos tenha aumentado mais de 100.000 pessoas (!), e os serviços prestados ao público piorado.

O PSD não descola do PS, porque os eleitores ainda não conseguiram descortinar uma diferenciação, por pequena que seja, entre o que temos hoje, e o que tínhamos com António Costa. E os 100 dias de graça já lá vão.

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