Isabel Vaz: a engenheira que transformou o negócio da Saúde

A construção do Grupo Luz Saúde foi feita ao longo de quase 25 anos, por um quarteto gestores em que a voz e a liderança são de Isabel Vaz, que foi distinguida pelo Prémio Executivas do Ano 2024, na categoria Gestora.

Isabel Vaz é CEO da Luz Saúde desde 2000.

A 23 de abril de 2024, após febricitantes maratonas de reuniões com ligações à Europa e à China, mas, sobretudo, entre os estados maiores da Fosun, da Fidelidade e da Luz Saúde, esta anunciou a suspensão do processo de colocação das acções em Bolsa (IPO) devido às condições de mercado adversas. “Não temos necessidade disso, porque justamente temos planos B e C, e, inclusive, novas oportunidades que apareceram para reflexão”, explicou Isabel Vaz, CEO da Luz Saúde, que assim via esvair-se o bónus que poderia ir até 4,12 milhões de euros aos membros da Comissão Executiva.

No mesmo dia, o ECO referiu que nas novas opções se incluíam a venda direta de uma posição minoritária a um investidor institucional, ou a realização de um IPO destinado a investidores particulares, mantendo a Fidelidade a maioria do capital da Luz Saúde. A carreira de gestora de Isabel Vaz é feita de muitas vitórias, mas tem os seus momentos espinhosos. Numa metáfora que agradaria aos seus acionistas chineses, são muitos passos velozes em frente, mas às vezes é preferível abrandar ou parar do que tropeçar e cair.

Isabel Vaz nasceu no Porto, a 2 de janeiro de 1966, filha de um médico cardiologista, António José d’Oliveira Aníbal. Aos quatro anos foi viver para Setúbal, terra natal dos pais, onde se cruzou com José Mourinho e Miguel Frasquilho. “Cresci em Setúbal, que era, nos anos 1980, uma zona muito industrial. E esse ambiente fabril marcou-me. Claro que adorava o meu pai e a sua profissão. Mas o que me fascinava nos hospitais era a sua organização, os seus processos. A engenharia dos processos hospitalares é absolutamente fascinante. Acho que sempre fui engenheira de pequenina, não sei explicar…”, como contou numa entrevista para a Nova School Business feita por Diogo Lucena. Mas a resiliência foi buscá-la à mãe.

Após se ter licenciado em Engenharia Química, pelo Instituto Superior Técnico, em 1990, seguiram-se funções de investigação no Laboratório de Tecnologia de Células Animais, e, depois, no grupo farmacêutico Atral-Cipan, então de Sebastião Alves, como engenheira de projectos fabris. Em 1992 entrou para a McKynsey e, em 1994, fez um MBA. Foi nesta altura que se muniu na Nova School Business & Economics da teoria e dos conhecimentos de gestão de que carecia e que a McKinsey ajudaria a aprimorar.

 

O princípio de um império

Em 1999, Isabel Vaz trabalhava na consultoria McKinsey em gestão estratégica e participara no processo de reprivatização do Banco Espírito Santo (BES) e na reorganização da seguradora Tranquilidade. Nessa altura, Ricardo Salgado, informado do seu talento e experiência, desafiou-a para liderar a criação de um challenger da CUF Saúde, detida pelo Grupo José de Mello, que era o maior grupo de saúde privado em Portugal.

 

Neste projeto o impacto do MBA foi fundamental e enformou muitas das suas decisões, “desde a forma inovadora como organizámos clinicamente os nossos hospitais (…) até aos princípios de corporate finance e de ética empresarial que aplicamos no dia a dia.”

 

Aceita e começa a formar a sua equipa, que ainda hoje a acompanha.  A liderança da equipa cabia a Isabel Vaz e atraíra para o projeto, Tomás Branquinho da Fonseca, vindo da McKinsey, Ivo Antão, que era consultor de sistemas de informação, e João Novais, então no BPI. Estas quatro pessoas, num gabinete de 12 metros quadrados na Esumédica, empresa de cuidados médicos às empresas do Grupo Espírito Santo, traçam os primeiros planos do negócio que deu origem à atual Luz Saúde. Em 2000, com a compra da Cliria Hospital Privado de Aveiro e o Hospital da Arrábida, nascia a Espírito Santo Saúde.

Neste projeto o impacto do MBA foi fundamental e enformou muitas das suas decisões, “desde a forma inovadora como organizámos clinicamente os nossos hospitais – que, por incrível que pareça, foi inspirado numa aplicação do teorema de Nash, aprendido nas aulas de microeconomia – até aos princípios de corporate finance e de ética empresarial que aplicamos no dia a dia”, contou Isabel Vaz.

Com a crise financeira de 2008 e a crise das dívidas soberanas em 2010, que levaram Portugal a pedir assistência financeira internacional de 78 mil milhões de euros da denominada troica (BCE, FMI e CE), o Grupo Espírito Santo começou a apresentar fissuras, que se agravaram quando decidiu não pedir apoios ao Estado, como fizeram o BPI e o BCP. No verão de 2013, com as crescentes dificuldades do Grupo Espírito Santo, devido ao arrastar da crise financeira e económica, a principal alternativa para se financiar e aceder a capital era um programa de colocação de participadas em Bolsa. A então Espírito Santo Saúde era uma das jóias da coroa do grupo e ficou na linha da frente para ser colocada em Bolsa. O que aconteceu a 12 de fevereiro com a venda em Bolsa de 49% do capital que rendeu 149,8 milhões de euros. Nesse dia Isabel Vaz disse, segundo a Lusa, que “a Espírito Santo Saúde foi pioneira, é a primeira empresa de prestação de cuidados de saúde a ir para a bolsa nacional e mesmo a nível europeu não há muitas”. Antes, na assembleia-geral de 22 de janeiro de 2014, foi decidido dar a Isabel Vaz um prémio de reconhecimento pelos serviços prestados ao grupo no valor de 850 mil euros no caso de ser afastada da administração, e que ainda hoje se mantém.

 

À beira do abismo

Os problemas avolumaram-se no Grupo Espírito Santo e a 29 de julho o Tribunal Comercial do Luxemburgo aceita analisar os pedidos de gestão controlada da Rioforte e da ESFG, acionistas da Espírito Santo Health Care Investments (ESHCI), dona de 51% da Espírito Santo Saúde. A 3 de agosto de 2014 Isabel Vaz estava de férias em Troia quando soube que o Banco Espírito Santo (BES) se dividia em banco mau e bom, este o Novobanco. A angústia dos últimos meses transformara-se numa aproximação rápida a um precipício.

 

O facto de ter liderado desde o princípio a empresa e ter construído uma equipa coesa, leal e combativa, foi um dos factores que contribuiu para que a Luz Saúde conseguisse sortear a hecatombe provocado pelo furacão BES.

 

Pouco depois, Isabel Vaz estava em Lisboa numa reunião de emergência da então Espírito Santo Saúde. “Foi,, provavelmente, o pior dia da minha vida profissional e pessoal”, confessou à Bloomberg. “A empresa poderia realmente entrar em colapso porque não conseguíamos aceder às nossas contas” no BES. Estas rapidamente foram mudadas para o BPI e o BCP.

O facto de ter liderado desde o princípio a empresa e ter construído uma equipa coesa, leal e combativa, foi um dos factores que contribuiu para que a Luz Saúde conseguisse sortear a hecatombe provocado pelo furacão BES. A 19 de agosto de 2014 foi anunciada a OPA da mexicana Ángeles sobre a Espírito Santo Saúde, seguiram-se propostas concorrentes da José de Mello Saúde, a única que não agradou a Isabel Vaz e disse-o em voz alta, e da Fidelidade. Os norte-americanos da Unitedhealth (donos do Grupo Lusíadas) fizeram uma proposta, fora de bolsa, aos accionistas da ESHCI para ficarem com 51% da Espírito Santo Saúde.

Em 10 de outubro de 2014, a Fidelidade, controlada pela Fosun, de Guo Guangchang, arrebatou em OPA a Espírito Santo Saúde, que mudou o nome para Luz Saúde. Pagou 459,8 milhões de euros e fica com 96% do capital da Espírito Santo Saúde. Na altura, Isabel Vaz dizia que, “como tenho accionistas chineses, acredito no longo prazo”. Nas suas as apresentações surgiam aforismos de gestão chineses como a “ação sem visão é um pesadelo, visão sem ação é um sonho”.

Em 2023, a Luz Saúde cresceu os seus rendimentos operacionais consolidados para 666,9 milhões de euros, em que teve cerca de 1,2 milhões de clientes nos seus 14 hospitais privados, um dos quais de cuidados especializados, 14 clínicas privadas e uma residência sénior. É deste império, construído por uma empreendedora por conta de outrem, que Isabel fala como uma obra de engenharia.

 

Uma obra de engenharia

“Ser engenheiro é ousar pensar as coisas, transformar o mundo” disse Isabel Vaz na sessão solene do Dia da Graduação do Instituto Superior Técnico a 10 de março de 2022Isabel Vaz contou como foi ‘construir’ hospitais como engenheira: “olhar para um hospital com olhos de engenheiro traduzia-se na prática com a sua identificação como uma fábrica, à época um conceito inovador e mal compreendido pelos médicos e pelo status quo da gestão hospitalar vigente”.

 

“Não imaginavam os meus professores do IST, como as suas aulas e ensinamentos mudariam a vida de tanta gente! Como marcariam para sempre a estratégia operacional dos hospitais do Grupo Luz Saúde, o seu estilo de liderança e a minha vida”

 

Acrescentou ainda que “não imaginavam os meus professores do IST, como as suas aulas e ensinamentos mudariam a vida de tanta gente! Como marcariam para sempre a estratégia operacional dos hospitais do Grupo Luz Saúde, o seu estilo de liderança e a minha vida”.

Numa entrevista à RTP em abril de 2007 disse que “melhor negócio do que a saúde só a indústria de armamento”. Hoje é uma das constantes armas de arremesso de quem contesta ou se opõe à saúde privada. Dizia ainda que o sector privado é diabolizado em Portugal: “se as pessoas têm lucro são muito mal vistas em Portugal. Se [alguém] não tem lucro, é um atrasado mental, não é eficiente e não devia existir”. Ou “o lucro de uns é o desperdício de outros”, e,“a saúde é muito democrática. Os médicos para serem bons têm de ver muito doentes e só com muitos doentes é que os ricos têm acesso aos melhores tratamentos. É graças à ADSE que os médicos têm o privilégio de ser cada vez melhores médicos”. Mas a expressão chave da sua liderança é “motiva-me motivar”.

Estes exemplos mostram a sua determinação e o discurso intenso e assertivo que se tem suavizado à medida que multiplica as suas participações em conferências, colóquios e outros eventos públicos. Foi administradora não executiva da Sonae Capital e dos CTT, hoje é da Mota-Engil, é e membro do Strategic Board da Católica-Faculdade de Medicina, com quem a Luz Saúde criou, em 25 de março de 2022, o Centro Académico Clínico Católica-Luz (CAC-CL). Esta sua longa experiência na área da saúde levou a dizer que “ninguém manda nos médicos. Na saúde não há chefias, há liderança ou não se chega a lado nenhum”. E isso “é um desafio fascinante para qualquer gestor”, considerou Isabel Vaz em entrevista ao podcast “O CEO é o limite”, de Cátia Mateus.

Trabalha muitas horas por dia. Como já referiu “sempre envolvi a minha família naquilo que faço, sempre disse aos meus filhos que o trabalho é um serviço aos outros. E o mais importante é que nunca perdi a noção das prioridades. Ou seja, trabalho muitas horas por dia, mas sou dona do meu tempo e essa flexibilidade faz toda a diferença. Não faz sentido deixar de fazer coisas importantes ou a família deixar de ser a nossa prioridade. A verdade é que o mundo não deixa de rodar por causa disso. Ser equilibrado, saber gerir trade-offs e ter bom senso são das características-chave que um bom gestor deve ter”, explicou uma vez. Tem dois filhos: um rapaz e uma rapariga.

Em 2017 Isabel Vaz recebeu o prémio Maria de Lurdes Pintassilgo, que distingue as engenheiras que se destacam na sociedade, e foi instituído pelo Instituto Superior Técnico em 2016, e é uma das Mulheres Mais Influentes de Portugal, segundo o estudo feito anualmente pela Executiva..

 

Leia a entrevista de Isabel Vaz à Executiva

Leia mais sobre o Prémio Executivas do Ano

 

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