Aumentar a participação feminina na ciência e na inovação – um grande desafio para a Europa

Inês Vieira Lopes, da Organização Europeia de Patentes, escreve sobre a evolução do nosso país em termos de inovação e, em particular, do papel das mulheres neste contexto.

Inês Vieira Lopes é Coordenadora Regional na Direção de Relações Internacionais da Organização Europeia de Patentes.

Inês Vieira Lopes, Coordenadora Regional na Direção de Relações Internacionais da OEP

 

O mais recente Índice de Patentes divulgado pela Organização Europeia de Patentes (OEP) demonstra que as empresas, as universidades e os inventores individuais em Portugal apresentaram 329 pedidos de patentes em 2023 na OEP, o que representa um aumento de 5,4% em relação ao ano anterior e um novo marco histórico do país em termos de inovação e proteção intelectual.

Contudo, quando se aborda a questão da diversidade na inovação, sobretudo no que respeita à participação das mulheres neste domínio, é manifesto que há ainda um longo caminho a percorrer. Pela primeira vez, o Índice de Patentes analisou a contribuição feminina nos pedidos de patente, revelando que apenas 27% dos pedidos apresentados junto da OEP incluíam uma mulher como inventora.

Nesta matéria, Portugal tem-se destacado pela positiva, alcançando o segundo lugar entre os 39 estados membros da OEP, apenas superado pela Sérvia, no índice que avalia a participação feminina nos pedidos de patente apresentados em 2023. Observou-se que em 52% dos pedidos de patente com origem portuguesa, há pelo menos uma mulher indicada como inventora. Esta posição pioneira de Portugal foi corroborada por um estudo publicado em novembro de 2022, segundo o qual 26,8% de todos os pedidos de patentes provenientes de Portugal, entre 2010 e 2019, nomearam exclusivamente mulheres como inventoras.

Estes resultados positivos foram amplamente influenciados por dois fatores que desempenham um papel significativo no cenário português. Em primeiro lugar, o impacto significativo das universidades e dos centros de investigação na apresentação de pedidos de patente originários de Portugal junto da OEP. Por outro lado, as áreas tecnológicas abrangidas por esses pedidos, que refletem o espectro de inovação no nosso país.

Os estudos divulgados pela OEP demonstram que as universidades e as instituições públicas de investigação detêm uma parcela significativamente maior de mulheres (19,4% de 2010-19 em toda a Europa, 36% em Portugal) quando comparadas com as empresas privadas (10,0% em toda a Europa, 19,4% em Portugal) ou inventores independentes (9,3% em toda a Europa, 14,6% em Portugal). Considerando que as universidades lideram os pedidos de patentes provenientes de Portugal e que é nestas instituições que as mulheres conseguem melhor conciliar as suas carreiras com responsabilidades familiares, este aspeto contribui significativamente para o bom desempenho de Portugal. O papel essencial das universidades portuguesas no incentivo às inventoras mulheres é adicionalmente ilustrado pelo facto de 47% dos doutorados em STEM em Portugal serem mulheres, uma percentagem que supera a de países como França (37%) ou a Alemanha (33%). Além disso, o estudo revela que é mais comum encontrar mulheres entre equipas de inventores do que como inventores individuais, mas que as mulheres ainda tendem a ocupar posições menos séniores nestas equipas face aos homens.

Outro fator preponderante no bom desempenho de Portugal nesta matéria prende-se com a natureza das áreas tecnológicas maioritariamente abrangidas pelos pedidos de patente originários do nosso país, com destaque para a área da química. O estudo da OEP demonstra que as áreas de biotecnologia e farmacêutica sobressaem como os setores tecnológicos com a maior representação de mulheres. Entre 2010 e 2019, 22,4% dos inventores nesta área foram mulheres, enquanto que em Portugal esse número foi ainda mais assinalável, alcançando os 42,3%. Esta discrepância é particularmente marcante quando comparada com áreas tradicionalmente dominadas por homens, como a engenharia mecânica, em que a presença feminina é significativamente menor, representando apenas 5,2% em toda a Europa e 13,4% em Portugal.

Apesar do progresso gradual ao longo do tempo, a paridade permanece num horizonte distante, o que coloca as mulheres numa posição de desvantagem considerável. Não só, de acordo com alguns estudos, a remuneração dos investigadores está fortemente ligada à sua contribuição para a apresentação de pedidos de patente, como a disparidade de género compromete o próprio avanço tecnológico, existindo um risco real de se perder potencial inventivo e criativo e o surgimento de novas tecnologias e soluções transformadoras.

As mulheres necessitam de modelos inspiradores. O Prémio do Inventor Europeu, organizado anualmente pela OEP, reconhece o trabalho de inventoras extraordinárias. Carla Gomes, em conjunto com o seu colega Nuno Correia e a equipa de engenheiros do Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Industrial do Porto, ganharam este prémio em 2022, na categoria de PMEs. Desenvolveram um novo sistema de tração para centrais solares flutuantes que seguem o sol através da rotação e inclinação dos seus painéis fotovoltaicos, maximizando a energia solar e a sua eficiência.  Outro exemplo notável é o de Filipa de Sousa Rocha, engenheira de computação e investigadora da Universidade de Lisboa, que conquistou o segundo lugar do Prémio de Jovens Inventores de 2023, desenvolvendo um sistema de aprendizagem digital mais acessível para crianças com deficiência visual.

Concluo com uma nota de otimismo: à medida que as tecnologias avançam e os desafios globais se tornam mais complexos, também a necessidade de abordagens interdisciplinares, inclusivas e colaborativas se torna cada vez mais premente. Este contexto contribui para o aumento significativo da importância do trabalho em equipa em todos os campos e é, sem dúvida, uma tendência auspiciosa para o futuro das mulheres na ciência e inovação. As politicas públicas e privadas devem apoiar ativamente as mulheres nas suas trajetórias profissionais nas áreas científicas e de inovação, permitindo-lhes superar as barreiras que ainda existem ao nível das oportunidades de financiamento, da falta de representação em cargos de liderança, da discriminação institucionalizada em determinados setores tecnológicos ou das dificuldades relacionadas com a conciliação entre a vida profissional e familiar. Promover um maior equilíbrio de género transcende a mera questão de justiça, de igualdade salarial e de igualdade de oportunidades.  É um imperativo para o progresso e para a prosperidade tanto da Europa como do mundo.

 

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