Não é atriz, nem modelo, nem cantora, mas nos corredores de qualquer faculdade de Economia ou Gestão Inês Caldeira é uma inspiração para as alunas. É a primeira mulher a liderar a L’Oréal em Portugal e tinha apenas 35 anos quando assumiu o cargo. Para trás estavam já 13 anos na multinacional francesa, líder mundial em produtos de beleza.
O percurso de sucesso de Inês começou a ser trilhado na casa de 45 metros quadrados em que cresceu com os pais e a irmã mais velha. Chorou no primeiro dia de escola com medo de chumbar, mas ao longo do percurso escolar nunca teve uma negativa. Deixou de passar os fins de semana com a família para poder estudar, mas faz questão de destacar que o seu sucesso escolar foi um trabalho de equipa, que envolveu também os pais e a irmã. “Como não tinha um quarto para estudar, quando precisava de me concentrar, os meus pais não viam a novela”, partilha. A resiliência e as características de liderança abriram-lhe as portas da L’Oréal, onde entrou como trainee no marketing da Divisão de Produtos de Grande Consumo (DPGC) depois de se licenciar em Economia, em 2001. Três anos depois fez a primeira expatriação.
Chegou a Paris sozinha, sem dominar a língua e sem conhecer ninguém, para integrar a equipa de Desenvolvimento de Marketing Internacional e trabalhar os mercados asiáticos. Regressou a Portugal, onde entre 2006 e 2008 foi responsável pelo marketing da Garnier. De volta a França, para ocupar o cargo de diretora de marketing da DPGC para a Europa, percebeu como um passo à frente numa multinacional pode parecer um passo atrás em relação ao que se está habituado no mercado local. Em Portugal, como diretora de marketing, já fazia parte da equipa de direção, tinha estatuto, mas em Paris, voltou a ser “a última da cadeia” e ficou novamente responsável por fazer os debriefs, as notas e as atas das reuniões. “Este percurso faz-se com muita humildade”, salienta. Humildade que não lhe faltou, também, durante os quatro anos que passou em Espanha como diretora de marketing da L’Oréal Paris, para onde foi enviada a seu pedido, porque queria pôr-se à prova num mercado difícil. Estávamos em 2010, Espanha estava mergulhada numa crise profunda e nos quatro anos em que esteve em Madrid, Inês não conseguiu aumentar um ponto de quota de mercado. Ainda assim, foi promovida duas vezes, uma delas a diretora-geral da marca, o que entendeu como uma grande lição de vida e a demonstração de que trabalha numa companhia “que consegue ver para além dos números”.
Em 2014, recebeu a verdadeira prova de fogo: a direção-geral da L’Oréal Portugal. Tinha 300 pessoas sob a sua alçada e sentia o peso da responsabilidade. Na verdade, já o sentira com muita intensidade, sobretudo quando esteve em Paris e Madrid e reconhecia a obrigação de dar maior retorno à empresa do que qualquer colega francês ou espanhol, pois estes não acresciam os custos da expatriação às contas da empresa.
O percurso de Inês Caldeira parece de sonho mas não lhe foi fácil. Exigiu muita humildade, dedicação e sair muitas vezes da zona de conforto. Reconhece que nunca se propôs para nenhuma promoção – “sou uma mulher absolutamente típica” – e foi mais longe, tentou convencer os outros a não a proporem. “Senti sempre que não ia conseguir e estava convencidíssima de que ia falhar”, confessa. Só avançou porque teve chefes, homens, que acreditaram nela e lhe transmitiram a confiança e o empowerment de que precisava para passar ao nível seguinte. Sem eles, admite, o talento, dedicação e paixão pelo que faz poderiam não ter sido suficientes para ocupar o cargo que tem hoje.
Acho que arriscar e sair da zona de conforto são características femininas, pois as mulheres fazem isso toda a vida.
Do seu currículo depreende-se que não tem dificuldade em sair da zona de conforto, em arriscar. Estas são características pouco comuns nas mulheres. Acredita que foram determinantes para a conduzir ao lugar que hoje ocupa?
Acho que foram condições necessárias, mas não suficientes. Estou consciente de que se não tivesse saído da minha zona de conforto não teria chegado onde cheguei. Mas também há muita gente que o faz e fica pelo caminho. O que é que foi suficiente e determinante? Não tem nada a ver com o género. Tem a ver com talento, com características de liderança, com a experiência acumulada, com uma paixão absoluta por este métier e pelo negócio da beleza, e também com o bom acompanhamento da minha carreira na L’Oréal. Foi um processo construído entre mim, a minha ambição e a casa. Há muitas pessoas que mesmo arriscando e saindo da zona de conforto, depois não têm mestres que as vão acompanhando, ou não têm um planeamento de carreira bom, ou têm tudo isso mas não têm as oportunidades. Deixo uma correção: acho que arriscar e sair da zona de conforto são características femininas, pois as mulheres fazem isso toda a vida.
Mas não na carreira.
Eu sei. Há muitas outras condicionantes que têm a ver com o equilíbrio que é preciso encontrar entre a vida familiar e a profissional – como o perfecionismo, por exemplo, que é uma característica muito feminina – que fazem com que o nível de autoexigência seja tão elevado que as mulheres não se candidatem a fazer isso. Não acho que seja por não quererem arriscar.
Como é que conseguiu evoluir de estagiária a diretora-geral, na mesma empresa, observando-se que em Portugal, frequentemente, é necessário sair para depois regressar para patamares superiores?
É muito válido quem chega a CEO depois de uma série de experiências distintas, pois vai trazer muitos inputs de outras equipas, de outras culturas empresariais, que são muito enriquecedores. Também é muito válido quem faz essa viagem na mesma empresa. No entanto, tenho de dizer que apesar de ontem [25 de julho 2016] ter celebrado 15 anos na L’Oréal, tenho a sensação de ter trabalhado, pelo menos, em quatro empresas distintas.
Por que diz isso?
Comecei na L’Oréal em 2001 e era uma L’Oréal. Fui para Paris trabalhar para os mercados asiáticos, no desenvolvimento e não na parte operacional, e era outra L’Oréal. É um outro set que exige capacidades distintas, que eu tive de desenvolver, e um conhecimento muito profundo do mercado da beleza. Regresso para Portugal e depois vou para Espanha, um mercado enorme, altamente estratégico para o grupo. Quando volto para Portugal, encontro um país totalmente distinto daquele que eu conheci. Portanto, são cinco movimentos que me fazem pensar que nunca foi a mesma empresa.
Não se faz este percurso sem esforço e sem sairmos da zona de conforto. Faz-se demonstrando espírito multicultural, capacidade de adaptação a outras culturas e a outros negócios, e muita humildade, pois muitos destes passos no meu percurso foram provas de humildade. Quando era diretora de marketing aqui, já fazia parte de uma equipa de direção, por isso quando chegava a uma reunião, se só havia três cadeiras, uma delas era para mim. Estamos a falar de simbolismos, mas são muito importantes. Quando cheguei a Paris, onde era a última da cadeia, de repente, era eu quem fazia os debriefs, as notas e as atas das reuniões.
Como tinha um contrato de expatriação, enquanto trabalhei fora tive sempre consciência de que tinha de valer mais, porque havia um espanhol ou um francês que não tinham trabalho porque estava lá eu. Havia um return on investment que eu tinha de dar. Nunca ninguém me exigiu isso, mas era uma exigência minha. Quando voltei a Portugal não tive esse peso, mas tive outro – 300 pessoas que dependiam de mim.
Nunca me senti confiante. Nunca! Senti sempre que não ia conseguir e estava convencidíssima de que ia falhar.
Considera que a experiência internacional é determinante para fazer carreira numa multinacional como a L’Oréal?
Para fazer uma carreira tão rápida e exigente penso que é determinante. Não digo que outros percursos não sejam válidos. Mas nesta casa não houve nenhum CEO que não tenha feito carreira internacional. Portanto, os factos dizem que a L’Oréal considera, e eu defendo isso também, que uma experiência internacional é muito enriquecedora, trazendo perspetivas que uma carreira 100% nacional não pode dar.
Pode particularizar que aprendizagens é que essa experiência internacional lhe trouxe?
Trouxe-me um conhecimento profundo do mercado da beleza mundial e do europeu em particular. Trouxe-me uma dimensão multicultural que eu não poderia ter adquirido de outra forma. Trouxe-me ferramentas de gestão, por ter trabalhado em mercados maiores, que são determinantes. Trouxe-me um respeito cultural e uma adaptabilidade que, sendo já características minhas, foram postas à prova – e creio que as superei. E deu-me uma ainda maior admiração por Portugal, pelos portugueses e por estas equipas. Somos pessoas com um nível de engagement extraordinário, que não encontrei noutros países.
O sentido de lealdade às organizações, às chefias e às equipas é muito importante, mas isso também vi noutros países. Mas vi mais equipas moverem-se por lealdade às organizações do que vi equipas moverem-se por solidariedade. Em Portugal temos um talento incrível, somos produtores e, potencialmente, exportadores de generalistas. Nós somos um país de “desenrascanço”! Digo isto num sentido muito bom. Nós formamos pessoas tecnicamente muito fortes – temos as melhores escolas de engenharia, ao nível da matemática somos um centro de expertise. Além disso, também somos capazes de produzir generalistas e general managers de grande competência. Penso que se não tivesse saído de Portugal, não teria tanto orgulho.
Sempre se sentiu confiante para passar ao nível seguinte?
Nunca me senti confiante. Nunca! Senti sempre que não ia conseguir e estava convencidíssima de que ia falhar.
Ainda assim, o que é que a levou a dar sempre o passo seguinte?
Para perceberem o nível crítico da Síndrome do Impostor, eu tive aos 35 anos o mesmo episódio que tive aos 6 anos. No dia em que entrei para a escola primária os meus pais encontraram-me a chorar e com vómitos e a dizer que não podia ir para escola. Quando me perguntaram a razão, respondi que não queria ir porque iria chumbar. Lembro- me perfeitamente de os meus pais me terem dito: “Como é que vais chumbar se ainda não foste à escola?! Se calhar vais chumbar, mas primeiro tens de ir à escola!” Quando, em 2014, assumi o cargo de CEO na L’Oréal Portugal, tive exatamente o mesmo episódio, com o mesmo grau de intensidade.
Nunca me propus para as promoções – sou uma mulher absolutamente típica. Ou pior, eu fui mais longe, porque tentei convencer as pessoas a não me proporem! Foram sempre homens que me propuseram e que, apesar de todos os meus argumentos – e eu posso ser muito convincente! –, me disseram: “Vais conseguir! É um risco que tomamos em conjunto”. Portanto, neste tema em particular, conselhos não tenho muitos, pois acho que se tivesse tido chefes que me tivessem ouvido, nunca teria chegado onde cheguei.
Tive sempre pessoas que acreditaram em mim mais do que eu própria acreditava.
Beneficiou do facto de estar enquadrada numa empresa que sabe reconhecer o talento e a competência e sabe que as mulheres funcionam assim.
Acho que sim. Por um lado, tive sorte pelas pessoas que fui encontrando. Mas, por outro, saber estabelecer com elas relações de muita transparência e sinceridade, que lhes permitiram acreditar em mim nos momentos em que entrei em pânico, não foi fruto da sorte. Tive sempre pessoas que acreditaram em mim mais do que eu própria acreditava.
O que diria a outras pessoas sobre dar o passo seguinte?
O receio que senti nestas situações manteve-me sempre alerta, mas não foi limitador. Sentir medo numa certa dose é positivo. Embrace it, pois faz-nos procurar a excelência. É importante rodearmo-nos de pessoas que gostem verdadeiramente de nós, para que quando nós dissermos “Não sou capaz!” ou “Estou muito desmotivada!”, nos respondam: “Estás a fazer um ótimo trabalho, entre a tua avaliação e a minha há um gap gigante!” Às vezes precisamos de ouvir isso. É preciso muito diálogo com a chefia e com os Recursos Humanos, e a coragem de partilhar as dúvidas e os momentos de insegurança.
Como define um líder?
A minha resposta a essa questão tem evoluído. Neste momento, considero que líderes são pessoas capazes de criar um enorme engagement e enablement. Ou seja, são capazes de fazer os seus colaboradores quererem, mas também de lhes darem as condições para poderem. Um líder tem de ser exemplar, tem de ser inspirador, tem de ser um role model, tem de ter uma certa visão – apesar de isso ser discutível –, mas se não dá às pessoas os instrumentos para explorarem o seu máximo potencial e eficácia, está a falhar. Da mesma forma, um líder que só esteja preocupado em dar condições, mas que não crie um ambiente de sonho, também falha.
Excluiria das minhas definições os visionários, pois no mundo dito VUCA [Volatility, Uncertainty, Complexity, Ambiguity] é impossível produzir uma visão a longo prazo. Já ninguém o faz! O mundo muda tão rapidamente que é um desperdício de tempo imaginarmos o que será a L’Oréal daqui a cinco ou dez anos. É mais importante trabalhar nos valores, nas condições de trabalho, no engagement em compromissos sociais, na criação de uma empresa cidadã, coisas que são intemporais, do que dizermos: “Vou entrar em cinco mercados e vou ganhar cinco pontos de quota de mercado!”
Se eu fixar essas metas corro o risco de tentar impô-las ao resto da organização e não estou atenta a muitas oportunidades e posso deixá-las passar. É desejável que sejamos flexíveis. Há princípios e filosofias orientadoras, com certeza, mas não necessariamente uma visão. Sempre foi preciso que os líderes fossem um bocadinho loucos – digo líderes, não digo responsáveis de topo, pois para mim há uma diferença. Os líderes sempre tiveram de ter uma dose de loucura e, hoje, têm de ser loucos ao quadrado: têm de ser loucos, como sempre tiveram de ser, e têm de ser loucos para não darem em loucos. Têm de ser loucos no sentido de perceberem e estimularem esta volatilidade, têm de ser muito mais audaciosos, muito mais aventureiros, porque não sabem o que é que está do outro lado da onda. Nós temos sempre a sensação de que há uma onda que nos pode engolir, mas que, do outro lado, pode haver sol.
O carisma é inato, a capacidade de sonhar, a ambição são características inatas, mas a liderança pode ser trabalhada. Creio que isso é uma fonte de esperança para muitas pessoas.
Quando é que descobriu que tinha características de líder? Ou seja, a liderança é um atributo inato ou foi-se desenvolvendo?
Já estava em Portugal quando percebi que sempre tive características de liderança. Tenho uma apresentação para quando vou às universidades que intitulei Connecting the dots. Não se pode querer olhar para trás aos 15 anos. Fi-lo quando tinha 35 ou 36 anos e percebi que algumas características de liderança estão presentes desde os 6 anos. Olhando para as minhas fotografias de infância eu estou sempre à frente e a minha irmã, que é mais velha, está-me sempre a agarrar. Sempre!
Não é protagonismo porque não sou uma pessoa egocêntrica. Sempre fui assim. Fui delegada de turma desde os 6 anos até entrar para a universidade, e isso repetia-se em ambientes diferentes, com turmas diferentes que nos primeiros 15 dias de aulas me elegiam. Não é por acaso que na escola secundária tenha organizado a primeira viagem de finalistas no 12.º ano – hoje é banal, mas naquela altura e naquela escola nunca se tinha feito.
Sempre achei que a liderança era inata, mas ao trabalhar com alguns advisors da área de Recursos Humanos começo a mudar de opinião. O carisma é inato, a capacidade de sonhar, a ambição são características inatas, mas a liderança pode ser trabalhada. Creio que isso é uma fonte de esperança para muitas pessoas.
O que é que foi mudando no seu estilo de liderança com o tempo?
Primeiro, o que é que se manteve. Manteve-se a minha proximidade com as pessoas, a minha crença profunda no talento individual, e a minha crença profunda de que o talento individual não é suficiente, portanto, sempre trabalhei em equipa e sempre procurei consensos. Sempre fui uma líder integradora, com o espírito de dar o corpo ao manifesto, um bocadinho protetora. No meu círculo restrito pode não ser sempre fácil trabalhar comigo, tenho a certeza absoluta, mas à frente dos outros, há uma solidariedade e uma coesão muito grandes.
Ao longo do tempo evoluiu a minha tolerância em relação ao erro, aos meus e aos dos outros. Aprendi isso com o meu chefe, a quem reporto há sete anos [em julho 2016]. A passagem dele pela minha vida foi fundamental, pois numa época em que o mercado espanhol estava em colapso [2010-2014], em que os resultados não eram bons, ele promoveu-me duas vezes. Para mim, isso revela generosidade e capacidade de ver o talento individual para além dos resultados, carcaterísticas que são muito raras.
Para todas as mulheres, quando forem convidadas para uma promoção, pensem que a probabilidade de erro é pequena.
É uma líder diferente por ser mulher?
Acho que sou uma líder diferente por ser a Inês Caldeira – pela minha história, pelo meu background familiar, pelo que sou como pessoa. Acho que não tem nada que ver com o facto de ser mulher. A liderança no feminino, tendencialmente, procura mais consensos, mais trabalho em equipa. Temos mais o espírito de alcateia. Mas considero que é da Inês Caldeira a proximidade, a procura de consenso, o direito ao erro, a promoção da igualdade de género, que é uma preocupação dentro do Grupo L’Oréal, mas que eu também encarno.
Houve alguma decisão que lhe tenha sido mais difícil de tomar pelo facto de ser mulher?
Não. Acho que há muitas decisões difíceis que um CEO tem de tomar. Sobretudo na área de Recursos Humanos são dificílimas, não nos deixam dormir. Mas não deixam dormir homens e mulheres.
Como é que lida com o paternalismo dos homens?
Lido muito bem! Sinto algum desse paternalismo, mas penso que se deve mais ao facto de eu ser jovem. Há uma parte de mim que aceita esse paternalismo e que gosta. Para mim tem sido um truque, pois eu não sou uma pessoa que crie inimizades nem suscite invejas, por isso toda a gente baixa as defesas. Quando chego a um sítio não crio anticorpos e rapidamente construo equipas e grupos de trabalho produtivos, pois não tenho o desgaste de ter de destruir para construir.
O que é o paternalismo? Quando fui indicada, fui ter com os meus chefes, para lhes dizer: “Isto é uma loucura, não façam isso, eu não sou mesmo a pessoa certa” e eles responderem: “Inês, tu vais conseguir! Se nunca falhaste, estatisticamente há poucas probabilidade de falhares desta vez”. Esta conversa é, talvez, paternalista, mas fez-me bem naquele momento. Isto é empowerment!
Eu talvez seja fruto de uma série de minorias e de quotas. Eu sou muito jovem, sou mulher, não sou francesa – o que também contribui para o tick da diversidade –, sou de um país periférico. Cai-me alguma lama nas botas?! Nunca ninguém me disse que foi essa a razão porque fui convidada, mas se me tivessem dito eu perguntaria à L’Oréal se estavam arrependidos? Fizeram um mau negócio? Aparentemente, não. Já lá vão 15 anos e, neste cargo, dois [em julho de 2016].
Para todas as mulheres, quando forem convidadas para uma promoção, pensem que a probabilidade de erro é pequena. Haverá erros de casting, claro, como também os há com os homens, mas não nos devemos angustiar com isso.
Nunca senti a concorrência das mulheres, e também nunca fui competitiva com as mulheres, nem nunca pisei ninguém para avançar na carreira. Pelo contrário, agora que, graças à autoaprendizagem, tomei consciência de que há muitas mulheres que se autoexcluem, tenho feito um maior esforço para ser facilitadora, para as ajudar a ultrapassarem esses momentos de dúvida, para as incentivar a participarem.
Independentemente da idade e do género, quando se chega a cargos de liderança, a probabilidade de só ter acesso às boas notícias é enorme.
É uma pessoa confiante ou teve de trabalhar a autoconfiança?
Tive de trabalhar muito a minha autoconfiança, muito. É uma caminhada de muitos anos. Tive psicólogos e tive coaches, profissionais a quem reconheço competência. Não transmito falta de confiança e só percebi que tinha este problema aos 30 anos. A partir daí trabalhei imenso para o superar.
Como é que o coaching ajuda nessa questão?
Quando vim para este posto tive coaching, mentor, um sistema de apoio extraordinário proporcionado pela L’Oréal. Para mim o coaching é quase higiénico, é algo que se deve fazer sempre para evitar blind spots. Através de exercícios de 360º, ajuda a identificar quem são na organização os promotores ou os detratores, e quais os traços de personalidade que podem ser desviantes. Muitas vezes, as características mais fortes e positivas de uma pessoa podem levar a derailment.
Aparentemente, uma pessoa muito próxima, como eu sou, parece ser muito positivo num mundo de millennials e num país como Portugal, mas esta característica também pode ser um derail, pois em determinados contextos pode impedir-me de tomar certas decisões. Portanto, a identificação permanente de blind spots e os checkpoints são muito importantes. Este é um cargo muito solitário. Ter um coach executivo que fala a mesma linguagem, que tem experiências de muitos outros CEO, ajuda muito.
Independentemente da idade e do género, quando se chega a cargos de liderança, a probabilidade de só ter acesso às boas notícias é enorme. Aliás, li um artigo que dizia que apenas 4% dos problemas da organização chegam aos CEO. Vendo de outra forma: os problemas que nos chegam são críticos, porque abaixo há equipas para resolver a maior parte deles. Mas, entretanto, estamos rodeados por uma espécie de corte que só quer que nos cheguem as boas notícias. Há pessoas no topo que gostam disso, porque é mais confortável. Como eu estou muito ligada à base – estive na base até há dois anos – isso faz com que o meu dia a dia seja muito menos tranquilo do que poderia ser, pois não me chegam só 4%, eu deteto muitos mais.
Referiu que aprendeu a ser mais tolerante com os seus erros. Como é que reagia antes e o que mudou?
Reagia com muita intolerância, com muita angústia, sem me perdoar. Acho que é caracteristicamente português não conseguir separar o erro profissional do erro pessoal, o que é um disparate, porque não há uma relação entre os dois. Como é que reajo hoje? Nos 30 segundos iniciais reajo muito mal, mas tento rapidamente passar para a solução, e só mais tarde voltar ao erro.
A análise do erro é altamente formadora, pois descobrem-se muitas coisas na organização que não estão a funcionar. Não se pode passar demasiado tempo a procurar a origem do erro, pois a solução é muitas vezes mais relevante. Mas, em algum momento, tem de se voltar atrás para analisar e evitar que se repita. Tenho muito boa memória, por isso quando um erro se repete questiono: “Porque é que aconteceu outra vez na mesma situação?” ou “Nós já tínhamos posto em prática uma série de coisas para evitar este erro, porque é que ele ainda persiste?”
No último estudo do ambiente interno concluiu-se que oito em cada dez pessoas dizem que na L’Oréal Portugal é tolerável cometer um erro desde que se aprenda com ele. Creio que é uma grande conquista, pois é interessante ver como uma empresa com mais de 100 anos tem um comportamento e um valor de startup.
Quando cheguei a Espanha em 2010, as coisas estavam difíceis, mas nunca pensámos que em 2012 iriam estar muito pior! De repente, 30% do nosso volume desapareceu! Foram 48 meses a perder quota.
Qual é que foi o momento mais difícil da sua carreira?
Foi em Espanha, em 2010. Começou num momento de dúvida da minha parte em que achava que tinha progredido muito rapidamente, tal vez mais por sorte do que por ser tão boa como os meus chefes achavam (olhando para trás, constato que tive vários momentos de dúvida). Pedi ao meu chefe – que hoje [em julho de 2016] é o vice-presidente da L’Oréal a nível mundial – que me pusesse num país importante, difícil, para eu fazer as minhas provas. Ele olhou para mim como se eu fosse um ovni e disse que nunca ninguém lhe tinha dito nada do género. Como insisti, acabou por me prometer o mercado espanhol, que estava a atravessar uma forte crise. Pediu-me para esperar um ano, para que a crise passasse, antes de me enviar para lá.
Quando cheguei a Espanha em 2010, as coisas estavam difíceis, mas nunca pensámos que em 2012 iriam estar muito pior! Assisti a uma contração gigante do mercado – os emigrantes da América Latina foram-se embora e a população diminuiu em quatro milhões de pessoas. Muitos espanhóis também emigraram. As marcas brancas passaram de 0% a 30% de quota de mercado – de repente, 30% do nosso volume desapareceu! Estive quatro anos com equipas de jovens que acabavam de sair da universidade, que não conseguiam ganhar quota de mercado. Foram 48 meses a perder quota. Não foi fácil para mim, porque encarei isso como uma grande falha pessoal. Não foi fácil, porque todos os dias, todos os meses, tínhamos de nos reinventar. Tentávamos uma coisa, não dava, tentávamos outra, não dava. Em 48 meses foram muitas tentativas que não resultaram.
Tenho com aquela equipa comercial e de marketing uma dívida de vida, porque me apoiaram imenso. Nada no ambiente foi beliscado, nenhuma das minhas relações interpessoais foi beliscada, pelo contrário, acho que se criou uma união quase sanguínea. Os momentos de dificuldade, mais do que unir, fundem as pessoas. Foi o momento mais difícil, mas também aquele em que aprendi mais e que me proporcionou estar aqui. Nunca estaria aqui, se não tivesse dado essas provas. Contribuiu imenso para diminuir o meu self doubting. Em muitos momentos pensei: “ O que é que foste fazer? Daqui não sais e vais para a rua!”
Esta experiência reforçou muito a minha relação com a L’Oréal, que sempre foi uma relação de amor. Todas as línguas que aprendi, as experiências internacionais que tive, a rede de contactos, as amizades que fiz, as pessoas que conheci e com quem tenho o privilégio de trabalhar, aconteceu tudo aqui. Era já uma ligação muito forte, mas em Espanha transformou-se numa relação. Também por esta generosidade de ver para além do erro, para além dos resultados. Claro que já houve muita gente despedida por causa de resultados maus, mas a L’Oréal também é capaz de ver além dos números, que os resultados bons ou maus, porvezes, não estão ligados àquela pessoa.
Qual é que foi a sua grande vitória na L’Oréal?
Chegar aqui [a country general manager]. O dia 8 de Maio de 2014 foi um dia histórico para mim, está cheio de simbolismo. Nunca quis este cargo. A pessoa que me recrutou e que foi uma das que ocupou o cargo antes de mim [Armando Paes] foi fundamental. Continua a ser uma referência. Ainda hoje digo algumas vezes: “Na altura do Sr. Paes também era assim!” Ele construiu a casa, nós só vamos fazendo acrescentos. Esta função foi um marco importante também porque com ela voltei ao meu país. E ainda conhecia mais de metade das pessoas que cá estão.
Adoro trabalhar com pessoas muito inteligentes, tecnicamente superiores, mas o que faz a diferença são pessoas com um nível elevado de compromisso e de paixão.
O que é que mais valoriza nas pessoas que trabalham consigo?
Que sejam apaixonadas pelo que fazem, que vistam a camisola e que deem tudo pela equipa. Isso é fundamental. Tenho muita dificuldade em lidar com pessoas que não gostam da L’Oréal. Se assim é, por que é que cá estão? Há tanta gente que deseja trabalhar aqui.
Adoro trabalhar com pessoas muito inteligentes, tecnicamente superiores, mas o que faz a diferença são pessoas com um nível elevado de compromisso e de paixão. A ética é um requisito mínimo, e isso é muito Inês Caldeira, apesar de também ser um valor da L’Oréal – ganhámos pelo sétimo ano consecutivo, a nível mundial, o prémio de uma das empresas mais éticas do mundo. Mas a ética não se pode impor, não se afixa num caderno, é uma questão de atitude que tem de estar presente no dia a dia. Paixão, compromisso e comportamentos éticos acima do standard são o mínimo. Depois há aquelas pessoas que contribuem para o debate, para construir.
Sendo ainda tão jovem, como é que chega a uma equipa mais velha, mais experiente, e conquista as pessoas?
Não acho que tenha a ver com a idade. Ou seja, conquista-se da mesma maneira como se conquistam os mais jovens. O que é que as pessoas querem do seu líder? Querem pessoas autênticas e competentes. Isto é comum a todas as gerações. As pessoas precisam de confiar e de sentir segurança para trabalharem e serem produtivas. Estão muito atentas aos comportamentos e este é um lugar muito exposto. Só há uma maneira de não se ser apanhado na curva, é sendo verdadeiro. Mas também é preciso ser-se competente. As pessoas não podem pensar: “É muito simpática, muito autêntica e muito verdadeira, mas vai-nos levar contra a parede!” As pessoas têm famílias, precisam do seu trabalho. Eu sei que as pessoas tinham muitas dúvidas.
Não fez o seu lugar com facilidade?
Não fiz o meu lugar com facilidade. Não é um lugar fácil. Mas optei por não viver atormentada com isso e disse: o caminho faz-se caminhando. Se, com o tempo, as pessoas não confiarem e eu não tiver essa legitimidade, encontraremos um caminho para todos, para mim, em primeiro lugar. Havia dúvidas legítimas. Como é que eu posso dizer que as dúvidas não eram legítimas, se eu era a primeira a tê-las?! Compreendo-as. Mas ainda bem que não me disseram, porque num momento em que eu estava tão insegura, ter ouvido pessoas com dúvidas não era bom.
Eu estive oito anos fora e nunca faltei aos anos do meu pai nem da minha mãe! Faltei a muitas outras coisas porque quis, ou porque não as quis o suficiente. Acho que as pessoas não tomam as rédeas da sua vida.
Como é que se lida com esta pressão?
Fazendo o melhor que se pode, tendo a consciência tranquila no fim do dia. Mas há muita pressão. Com a experiência talvez se vá controlando, mas não desaparece. A pressão vem da necessidade de apresentar resultados, da volatilidade, da incerteza, da complexidade e ambiguidade do mundo em que vivemos. O CEO tem a chave do seu país nas mãos e essa chave é o simbolismo para a chave das vidas das 300 pessoas que trabalham comigo e que precisam desta casa para viver. Os resultados mensais, a sustentabilidade, deixar a obra feita representam uma pressão e um sentido de responsabilidade permanentes.
Mas eu adoro o que faço, acho que tenho imensa sorte e que é um privilégio. Não sei quando é que isto vai acabar. Pode acabar. A minha atitude é: “Vamos fazer coisas importantes pelas pessoas, pela casa, pela reputação da casa, pela igualdade, para continuar a construir pedras neste edifício de empresa-cidadã”.
Como mantém o equilíbrio no meio dessa imensa responsabilidade?
Tenho o meu equilíbrio, mas não é 50-50. Acho que vai ser 50-50 só quando eu tiver 80 anos. Não dedico 50% do meu tempo a mim, ao ginásio, à família e aos amigos. Mas dedico o tempo que quero dedicar e, se quiser dedicar mais, não é a empresa que não me deixa. Se tivesse um trabalho onde saísse às cinco da tarde não ia ao ginásio. Eu não quero ir ao ginásio. Ponto! Se eu quisesse ir ao ginásio, ia.
Fiquei louca quando um colaborador me disse: “Faltei ao aniversário do meu avô!” Por culpa da L’Oréal?! Não! Eu estive oito anos fora e nunca faltei aos anos do meu pai nem da minha mãe! Faltei a muitas outras coisas porque quis, ou porque não as quis o suficiente. Estão a dizer-me que uma pessoa não é capaz de sair, duas vezes por semana, às sete para ir ao ginásio ou que não pode chegar às nove e meia a uma empresa como a L’Oréal, porque se levanta mais cedo para ir fazer jogging?! Isto não tolero porque acho que as pessoas não tomam as rédeas da sua vida.
Sou incapaz de ir para uma reunião sem me preparar, sem ter refletido sobre os assuntos porque acho uma falta de respeito. Noto que preparo mais a avaliação das pessoas do que elas próprias.
Leva os problemas para casa?
Eu deito-me às dez e meia da noite. Tenho de dormir, senão choro. Já tive a minha vida mais desequilibrada do que tenho hoje. Levo os problemas para casa, mas não permito que belisquem a minha relação. A verdade é que também tenho a sorte de ter ao meu lado uma pessoa que tem muito mais stresse do que eu.
Para mim foi fundamental uma conversa que tive com a minha avó, uma senhora com 80 anos, que tinha apenas a 4.ª classe: “Inês, o balanço da vida não se faz aos 30. Faz-se aos 80, no mínimo. Não te preocupes com o equilíbrio todos os dias. Há pessoas que têm o equilíbrio todos os dias, há pessoas que vão ter equilíbrios de dez em dez anos – dez anos dedicados a uma coisa, dez anos dedicados a outra”. Acho que aos 80 talvez conclua que dediquei 40 anos ao trabalho e 40 anos à minha vida pessoal e familiar, mas não tem a ver com a exigência do trabalho, mas com aquilo que sou. Sempre fui assim. Aos 12 anos deixei de fazer fins de semana com os meus pais porque ficava a estudar. Eu adorava estudar. A mim desequilibrar-me-ia muito ir todos os dias ao ginásio!
Se pudesse mudar alguma coisa no seu percurso, o que é que faria de diferente?
Teria errado mais cedo. Como é que isso se faz? Não se faz. Eu acho que errar, confrontarmo-nos com as nossas limitações é muito importante. Eu só tive isso aos 30 anos, foi muito tarde. Acho muito importante as pessoas terem uma nota negativa na vida; eu nunca tive. Eu era incapaz de não me preparar para um exame. Hoje sou incapaz de ir para uma reunião sem me preparar, sem ter refletido sobre os assuntos porque acho uma falta de respeito. Noto que preparo mais a avaliação das pessoas do que elas próprias. Digam-me como é que se pode gerir as carreiras de pessoas assim? Quando a pessoa não preparou a sua entrevista de desenvolvimento, coloca-se completamente nas mãos da empresa.
Diria que a preparação é um dos segredos do seu sucesso?
É e essa caraterística tem a ver com a minha personalidade. Não quer dizer que eu não improvise, mas preciso de saber o mínimo para ter uma rede de segurança.
Quem é a sua referência?
Tenho uma série de pessoas que foram determinantes na minha vida. Há o Sr. Armando Paes, o J. B. Dalle que é o meu chefe atual e que foi meu chefe nos últimos anos, a Céline Brucker [foi general manager da L’Oréal Paris em França], e a Rosa Carriço, que foi a minha primeira chefe [é atualmente responsável mundial da Coloração L’Oréal Paris] e hoje é a minha melhor amiga. Estas quatro pessoas foram absolutamente críticas ao longo da minha vida profissional.
Mas as duas pessoas mais importantes foram sempre os meus pais. No dia 25 de Julho [de 2016] fiz 15 anos de casa, mas não me lembrava. A minha mãe todos os anos me liga nesse dia: “Há 15 anos este dia mudou a tua vida”. Respondi: “Com certeza! Mas eu também mudei a vida da L’Oréal”. A resposta do meu pai foi: “É verdade, mas tenho a certeza de que eles fizeram muito mais por ti do que tu fizeste por eles”. Ou seja, o que ele queria dizer é que houve muitas pessoas que contribuíram muito para a L’Oréal, mas houve poucas coisas na minha vida que contribuíram tanto como a L’Oréal. Isto é uma grande lição de vida e são valores profissionais muito importantes.
O meu pai teve uma pastelaria e todos os dias saía de casa às seis da manhã e voltava às nove da noite. Nunca faltou, nunca ficou em casa doente. Os meus pais têm os dois a 4.ª classe. Quando eu e a minha irmã já éramos crescidas, a minha mãe fez o curso de Enfermagem enquanto trabalhava para o poder pagar. Mais tarde fez um curso profissional dentro da área para se atualizar. Lembro-me de tudo isso. Eu vivi até aos 25 anos dentro de 45 metros quadrados. Éramos quatro e havia um quarto. Quando eu precisava de estudar, os meus pais não viam a telenovela.
Vejo muitos pais fazerem sacrifícios pelos filhos, sem dúvida, mas estes foram exemplos de disciplina profissional, foi um trabalho em equipa, que eu depois trouxe para a L’Oréal. Hoje, os meus pais percebem melhor o que faço porque leem as entrevistas, mas quando eu era diretora de marketing, eles não percebiam muito bem a dimensão do meu trabalho.
Eu não vivo no mundo do pónei cor-de-rosa. Eu sei o que é viver com o ordenado mínimo, eu sei o que é não ter tido oportunidade para estudar, apesar da inteligência, da competência.
Isso contribuiu sempre para manter os pés assentes na Terra?
É verdade. Não havia grandes celebrações. Ainda hoje não há. Quando eu dizia “Fui promovida!” a resposta era “Vê lá se estás à altura”.
Qual é a sua máxima de vida?
É sempre possível. Eu sou o exemplo de que é sempre possível. Há uns tempos eu diria que a minha máxima era “nada é impossível”, mas agora é “é sempre possível”. Esta mudança marca os meus antes-dos-trinta e os depois-dos-trinta. A aprendizagem que fiz, as ajudas que fui tendo provocaram esta mudança.
Imagine que lhe bate à porta uma jovem candidata a trainee na L’Oréal. Que conselhos lhe daria para ter sucesso na carreira?
Eu não tenho muitos conselhos do tipo “vai para esta faculdade” ou “vai aprender esta língua”. Vai para fora, claro. Aprende. Sai fora destas paredes. Mas uma coisa que gostava muito de dizer a uma filha ou um filho é que é sempre possível. Com maior ou menor extensão, com mais ou menos recursos, com mais ou menos competência, é sempre possível fazer um trabalho bem feito, trabalhar com alegria e com paixão, trabalhar em equipa. São valores.
As desculpas de nada valem: “Não dá porque sou portuguesa e numa empresa francesa…”, “Eu não falo francês, portanto…”, “Não dá porque nós nunca vamos ser um país estratégico”, “Os homens têm sempre muito mais oportunidades e eu nunca vou conseguir conciliar a minha vida profissional com a minha vida pessoal”. Posso dizer que 80% destas limitações são nossas, não são do contexto, não são da empresa, nem do país, são nossas!
Eu não sou indiferente à dificuldade, eu não vivo no mundo do pónei cor-de-rosa. Eu sei, eu sei o que é viver com o ordenado mínimo, eu sei o que é não ter tido oportunidade para estudar, apesar da inteligência, da competência. Eu sei o que é não viver num contexto favorecido, eu sei o que é não ter network, nem ter grandes empresas para fazer estágios. Eu sei o que é não ter explicador, eu sei o que é só saber o francês e o inglês da escola pública. Eu sei o que é não ter um quartinho para estar concentrada a estudar. Eu sei o que é ir sozinha para Paris, sem um amigo, sem um familiar, sem apoio. Eu sei o que é chegar e as pessoas acharem: “Meu Deus, agora é esta miúda que vai ser responsável por nós?!” Eu sei o que é isso.
Mas é sempre possível.
É sempre possível. Se eu fui capaz, é sempre possível.
(Esta entrevista foi concedida em 2016 e faz parte do livro Lições de Liderança de CEO Portuguesas, de Isabel Canha e Maria Serina, publicado em novembro de 2016)