Daniel Bessa:
“As mulheres da minha vida”

O diretor geral da Cotec Portugal – Associação Empresarial para a Inovação presta homenagem a três mulheres excepcionais que marcaram a sua personalidade e percurso profissional

Daniel Bessa é diretor geral da Cotec Portugal - Associação Empresarial para a Inovação

Daniel Bessa é diretor-geral da Cotec Portugal – Associação Empresarial para a Inovação desde Junho de 2009. Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto e doutorado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Finanças da Universidade Técnica de Lisboa, foi docente universitário e ministro da Economia, Indústria, Comércio e Turismo do XIII Governo Constitucional, liderado por António Guterres.

“A minha vida encontra-se muito marcada por três mulheres: a avó paterna (Ermelinda), a mãe (Maria Rosa) e a esposa (Maria de Fátima).

A avó Ermelinda nasceu e viveu na freguesia de Perre, concelho de Viana do  Castelo. Foi mãe solteira, mais de cem anos trás. Frustrada a expectativa de casamento, interpôs a necessária acção de paternidade; ganhou, no tribunal de Viana do Castelo, e perdeu, e foi humilhada (única forma de perder uma acção desta natureza) no tribunal da Relação do Porto. Criou o filho, sozinha. Foi merceeira, de dia, e padeira, de noite, trabalhando quase 24 horas por dia, em quase todos os 365 dias de cada ano; com ela, fui também merceeiro e amassei muito pão, nas períodos de férias de Natal, de Páscoa e, sobretudo, nas então chamadas ‘férias grandes’.

Acredito que possa ter quebrado, algumas vezes, mas nunca torceu.

Acredito que possa ter quebrado, algumas vezes, mas nunca torceu. Fez-se respeitar, sendo tratada por toda a gente como ‘Tia Ermelinda’. Quando, cerca de sessenta anos depois do evento fundador, o meu avô (que sempre viveu, solteiro, a poucos metros da avó), acossado pelo padre da aldeia que, suponho, o ameaçaria com as ‘penas do inferno’, lhe propôs, finalmente, o reconhecimento do filho e o casamento, exigiu o primeiro e recusou o segundo. Circula, em mim, algum do seu sangue e quase tudo da sua maneira de ser.

A mãe Maria Rosa está associada a um momento fundador da minha própria vida (o segundo, depois do nascimento). Quando, chegado aos meus dez anos de idade, numa família mais do que modesta, o meu pai me traçou como destino frequentar uma escola comercial (via de ensino mais curta, associada à expectativa de uma entrada mais rápida no mercado de trabalho, para ganhar a vida), a minha mãe opôs-se, e impôs-se: far-se-iam todos os sacrifícios para eu poder frequentar o liceu, abrindo-me, se eu fosse capaz, uma via de ascenção social. Derrotado, o pai acabou por concordar: eu frequentaria o liceu, enquanto não reprovasse.

A minha mãe nunca mais entrou num cinema, num restaurante, muito menos num hotel.

Para o acalmar um pouco, decorridos dois anos, a minha mãe exigiu-me um pequeno contributo adicional: pôs-me a trabalhar, dando explicações, andava eu, com 12 anos, no então terceiro ano do liceu, a um explicando que, com 11 anos, frequentava o primeiro ano. Dei, a esse ‘miúdo’, explicações de todas as matérias que compunham o plano de estudos do primeiro ano do liceu, duas horas por dia, todos os dias úteis, durante um ano inteiro, à razão de cem escudos por mês; no final, comprou-se um fato. Foi assim, de então em diante, até ao dia em que me licenciei, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, e aí comecei a trabalhar: ‘ensinei’ de tudo (já como aluno da FEP, à medida que ia avançando, dei explicações de literalmente todas as disciplinas da licenciatura), a todo o tipo de gente. Julgo que, durante quase quinze anos, com quatro filhos a que se impôs oferecer as mesmas condições de educação (eu sou o mais velho), a minha mãe nunca mais entrou num cinema, num restaurante, muito menos num hotel; fê-lo depois, com os filhos, a quem nunca pediu nada em troca pelo seu sacrifício.

Casei com 22 anos de idade, meia dúzia de meses depois de ter terminado a licenciatura, após três anos e meio de namoro. Vão, portanto, quase cinquenta anos, de uma vida em que a Maria de Fátima pagou um preço muito elevado por um percurso pessoal e profissional em que, por mais que eu diga que a família esteve sempre em primeiro lugar, nem sempre fui capaz de o fazer de modo suficientemente convincente e, sobretudo, capaz de compensar os múltiplos sacrifícios que impus a quem vivia, e vive, mais perto de mim. Tem, além de tudo o mais, o juízo que eu nunca tive.

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