Carla Baltazar: “A Covid-19 teve um grande impacto no cronograma para a igualdade de género”

"Se antes contávamos conseguir alcançar esta paridade em 2120, a pandemia fez com que houvesse um atraso de 51 anos nesta meta", destaca Carla Baltazar, gender lead na Accenture Portugal, sobre as conclusões do estudo “If not now, when?, realizado pela W20 e pela Accenture, em que se evidencia a vulnerabilidade das mulheres em todo o mundo a crises como a pandemia da Covid-19.

Carla Baltazar é managing director da Accenture Portugal.

A Accenture tem 3800 trabalhadores em Portugal, 43% dos quais são mulheres. Na Comissão Executiva, num total de doze cargos, há cinco mulheres. Ao nível do recrutamento a consultora está a conseguir ter 40% de mulheres, ainda que enfrente um desafio transversal a toda a sociedade: ter mais talento feminino a trabalhar na área da tecnologia, o que é crucial para conseguir atingir a paridade de género em todos os níveis.

“O meu trabalho é garantir que o melhor talento não tem o género como obstáculo”, assegura Carla Baltazar, managing director responsável pela área de Operations e gender-lead da Accenture. Licenciada em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico, tem mais de 18 anos de experiência profissional em consultoria de tecnologias de informação para clientes nacionais e internacionais. Entrou na Accenture em 2001 e nos últimos anos especializou-se na gestão de serviços e outsourcing de processos de negócio com componentes inovadoras como automatização. Nesta entrevista, Carla Baltazar faz o ponto de situação do percurso da empresa em direção aos compromissos de igualdade que assumiu e comenta os resultados do estudo “If not now, when?: A roadmap towards a more gender-equitable economic recovery”, realizado pelo W20 em colaboração com a Accenture.

 

Que medidas implementou na Accenture para acelerar a progressão das mulheres, até cargos de liderança, com vista a atingir o objectivo de alcançar a paridade de género até 2025?

A nossa ambição é que a Accenture seja a empresa mais inclusiva e diversa do mundo. Para tal, estamos a reunir esforços para acelerar uma cultura de igualdade que permita garantir que todos os nossos colaboradores sintam que pertencem à nossa equipa e que têm oportunidades de crescer pessoal e profissionalmente.

Hoje, as mulheres representam 45% de nossa força de trabalho global, o que corresponde a 215 mil mulheres, mais 115 mil do que em 2013. Estes últimos cinco anos têm espelhado o nosso compromisso em alcançar a paridade de género até 2025, revelando dados que são resultado de alguns programas e medidas, desenhados nesse mesmo sentido. Os nossos principais pilares neste tema dizem respeito ao recrutamento, à formação constante, progressão de carreira, à igualdade de direitos, nomeadamente a remuneração justa e equitativa, e a medidas que permitam conciliar a vida profissional e familiar.

Em Portugal, as mulheres representam 43% do nosso coletivo global. Ao nível de managing directors, terminámos o ano fiscal anterior com 24% de mulheres, valor que se situa hoje nos 30%. Para alcançar estes resultados contamos com um Comité de Inclusão e Diversidade, no qual estão representados os diversos grupos que compõem a nossa organização: LGBTI, género, pessoas com deficiência e/ou incapacidade, pessoas de diferentes culturas e gerações.

De entre as várias iniciativas, destacaria o programa holístico que desenvolvemos para apoiar as mulheres nos momentos fulcrais da sua carreira: antes da sua incorporação, no regresso pós licença parental, no desenvolvimento da sua carreira e na conexão com outros profissionais dentro e fora da organização. Trabalhamos no desenvolvimento do potencial e projeção do talento das mulheres através do nosso programa Women’s voice, onde de entre as várias componentes, focamo-nos na preparação de mulheres da equipa executiva para cargos de liderança.

Quais os principais desafios com que a empresa se tem deparado neste percurso?

Os principais desafios têm surgido no âmbito do recrutamento, tendo em conta a pretensão de aumentar ainda mais o número de jovens mulheres recrutadas nas áreas das STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática) para fazer face às crescentes necessidades corporativas. Temos expandido as nossas fontes e formas de emprego, mas sentimos que ainda não existe disponibilidade suficiente de mulheres nestas áreas, o que reflete temas mais estruturais na nossa sociedade no momento das mulheres elegerem a sua especialização para estudos universitários, pensando em potenciais carreiras futuras.

Outra situação com a qual nos deparámos relaciona-se com o desafio de fazer esta análise e criar medidas de forma isolada e “desde o zero”. Para ultrapassar essa dificuldade, estabelecemos uma parceria com a organização Girls in Tech, com o objetivo da inclusão de cada vez mais perfis femininos na área de Technology. Aderimos a organizações com o mesmo objetivo como o iGen e comprometemo-nos com um conjunto de ações/metas a realizar, entre as quais, a elaboração de um plano de igualdade em 2021, para garantir o cumprimento da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro da empresa. Aderimos também à iniciativa Target Gender Equality, um acelerador de desenvolvimento com vista à igualdade de género e contribuição para os objetivos de desenvolvimento sustentável, para as empresas aderentes do Global Compact.

Também subscrevemos os sete princípios para o empoderamento da mulher (UNGC Women’s Empowerment Principles) promovidos pelo Pacto Mundial das Nações Unidas e pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), cujo objetivo é promover a igualdade de género no local de trabalho, no mercado e na comunidade.

O estudo da Accenture conclui que os salários das mulheres caíram 63% mais rápido do que os dos homens, numa média de 16% do seu valor. Além disso, os dados indicam que as mulheres têm 79% mais probabilidade de serem despedidas do que os homens.

O estudo da Women 20 e da Accenture “IF not now, when?” evidenciou uma clara erosão da situação da mulher em todas as vertentes, provocada pelo impacto desproporcional da pandemia da Covid-19. Quais as conclusões que mais a surpreenderam ou preocuparam?

Este estudo da Accenture demonstra que a Covid-19 teve um grande impacto no que considerávamos ser o cronograma para a igualdade de género, resultante do compromisso do G20. Se antes contávamos conseguir alcançar esta paridade em 2120, a pandemia fez com que houvesse um atraso de 51 anos nesta meta, o que me deixa naturalmente muito preocupada. Paralelamente, o estudo da Accenture conclui que os salários das mulheres caíram 63% mais rápido do que os dos homens, numa média de 16% do seu valor. Além disso, os dados indicam que as mulheres têm 79% mais probabilidade de serem despedidas do que os homens. Estas disparidades são chocantes e de extrema preocupação, dada a maior vulnerabilidade a que a mulher fica exposta em crises como a pandemia da Covid-19.

Que medidas considera mais efetivas para alterar a situação e recuperar o tempo perdido no caminho para igualdade entre os géneros?

A pandemia fez aumentar a importância da inclusão digital e essa é a grande oportunidade para acelerarmos o caminho para a igualdade de género no seio das empresas. A par com a construção de infraestruturas tecnológicas, muito necessárias à adaptação das organizações a um mundo digital, consequente do novo contexto, terá de existir o cuidado pelo incentivo da participação das mulheres no universo da tecnologia, muito dominado pelos homens, através da implementação de programas de literacia digital e com a inclusão de componentes éticas na tecnologia.

É preciso dar espaço e palco a exemplos no feminino para que a tecnologia seja cada vez mais uma área sem género. Temos mulheres com uma vasta experiência e uma carreira sólida que podem ter um papel determinante no incentivo a jovens estudantes que queiram seguir profissões relacionadas com tecnologia.

Uma das conclusões deste estudo é a notória a preocupação pela inclusão digital das mulheres e das raparigas em todo o mundo e também pela escassez de talento feminino nas indústrias da IV Revolução Industrial. O que é que as empresas podem fazer para combater os estereótipos de género nas escolhas de carreira, na atração e na retenção destas profissionais?

É preciso dar espaço e palco a exemplos no feminino para que a tecnologia seja cada vez mais uma área sem género. Neste momento temos mulheres com uma vasta experiência e uma carreira sólida que podem ter um papel determinante no incentivo a jovens estudantes que queiram seguir profissões relacionadas com tecnologia. E neste sentido, as empresas têm uma oportunidade clara para mostrar a sua cultura, os seus valores e o seu compromisso na paridade de género, seja através das escolas, universidades ou outro tipo de eventos com jovens como os open days.

Por outro lado, no que diz respeito à atração e retenção de talento feminino, é preciso construir uma cultura onde a mulher se possa sentir um elemento integrante e valorizado pela organização, o que passa por exemplo, pela criação de programas de formação e progressão de carreira, focados nas profissionais, como é o caso da Accenture que procura interligar mulheres de nível júnior, médio e sénior num espaço de networking, aprendizagem, partilha e cocriação de planos de desenvolvimento e progressão de carreira. Este suporte é muito importante.

No ano passado, a Accenture promoveu a iniciativa Chicago Women’s ERG, que lançou proactivamente um seminário virtual, com uma série de almoços, de modo a ajudar as mulheres a enfrentar a Covid-19. Na Índia estamos a trabalhar com vários stakeholders para desenvolver o Parents at Work series, um campo de férias digital para as crianças, filhos de colaboradores da Accenture.

Este estudo aborda também a questão do trabalho não remunerado, uma das razões que afasta as mulheres do mercado de trabalho, e da conciliação entre a vida profissional e familiar, quando estão no mercado de trabalho. Para empresas como a Accenture, este é um tema que não tem género? O que tem sido implementado com este fito?

A Accenture é bastante sensível a este tema e tem construído medidas para reconhecer esta realidade e reduzir a carga de trabalho, de modo a que as mulheres possam cuidar e apostar em si, oferecendo licença de paternidade, auxílio para a creche e opções de trabalho mais flexíveis. No ano passado, a Accenture promoveu a iniciativa Chicago Women’s ERG, que lançou proactivamente um seminário virtual, com uma série de almoços, de modo a ajudar as mulheres a enfrentar a Covid-19. Na Índia estamos a trabalhar com vários stakeholders para desenvolver o Parents at Work series, um campo de férias digital para as crianças, filhos de colaboradores da Accenture.

Existe um conjunto de ideias que podem ser executadas para atenuar a pressão da mulher em casa, dando-lhe mais tempo e oportunidades que permitam minimizar as disparidades de género no mercado de trabalho.

Tento transmitir aos mais jovens que para além de verem determinadas pessoas como role models em determinadas áreas, cada pessoa tem de encontrar a sua própria identidade e ser fiel aos seus valores na forma de ser e trabalhar. Só quando cada pessoa demonstra a sua individualidade é que se pode destacar e demonstrar o seu valor.

A Accenture tem cada vez mais mulheres em posições de liderança. Já conseguem avaliar o impacto da maior presença de líderes mulheres no vosso negócio?

Para além de termos cada vez mais mulheres em posições de liderança, em setembro de 2019, Julie Sweet, foi nomeada Chief Executive Officer (CEO) da Accenture e em 2020 foi eleita a Fortune’s Most Powerful Women, Global CEO. Sendo a Accenture uma empresa cotada em bolsa, este feito é algo que nos distingue no mercado, a par com os resultados positivos que temos apresentado. No fim do dia, podemos afirmar que 43% dos perfis que criam receita para a empresa são assegurados por mulheres.

Esperamos que o impacto positivo no negócio continue a surgir, à medida que continuemos a aumentar o número de mulheres em cargos de liderança e também por estarmos a aumentar no coletivo em geral.

Enquanto mulher líder, sente a responsabilidade de agir e de ser um role model?

Sinto essa responsabilidade todos os dias, não só por ser mulher, mas por ser líder. Da mesma forma como fiz a minha carreira ao longo dos últimos 20 anos a aprender muito com os exemplos que tinha à minha volta e a ver os role models que queria seguir, tenho consciência que as gerações mais novas olham para mim também com essa expectativa. Tento transmitir aos mais jovens que para além de verem determinadas pessoas como role models em determinadas áreas, cada pessoa tem de encontrar a sua própria identidade e ser fiel aos seus valores na forma de ser e trabalhar. Só quando cada pessoa demonstra a sua individualidade é que se pode destacar e demonstrar o seu valor. Com este pensamento por base, encaro esta responsabilidade de ser um role model com mais leveza na grande responsabilidade associada, pois sei que estou a ser verdadeira nos meus princípios na forma de liderar.

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Veja aqui a reportagem do Accenture Women Day 2021, que celebrou mais um Dia da Mulher, em parceria com a Executiva.
Releia aqui a entrevista sobre liderança feminina com Carla Baltazar.

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