Com propriedades curativas reconhecidas desde 182 A.C, as Aguas Solan de Cabras eram praticamente desconhecidas no nosso país até Brites Matos as ter introduzido no mercado de retalho há mais de 10 anos. Esta é apenas uma das 2500 referências que a sua empresa tem hoje no mercado. A primeira foi uma cerveja belga e daí o nome Bricer. Mas podemos falar-lhe das compotas Mrs. Bridges que são produzidas por um dos maiores exportadores da Escócia, ou da Doves Farm Foods, que foi criada por uma senhora celíaca e que hoje é famosa no Reino Unido porque, apesar de não ter glúten, os seus produtos conseguem igualar os resultados dos que incorporam trigo.
Licenciada em Engenharia Física pela FCT NOVA e com várias especializações, na área da Fisica Médica, e vários Executive MBA, Brites Matos fundou a Bricer há mais de uma década, depois de uma carreira na área da física médica que a levou a seguir uma veia comercial que já vinha de pequena, e mudaria a sua vida, transformando-a em empresária na área da distribuição alimentar.
Após vários anos dedicada ao ensino e à área comercial, na área da Física Médica, e após um momento de transformação da empresa onde trabalhava, Brites Matos aproveitou também para se transformar e empreender. Criou a Bricer, sempre com a energia e positividade que lhe são caraterísticas. Aos desafios que foi encontrando chama-lhes “pedregulhos”, vê nas crises económicas uma oportunidade de reinvenção e diz que não pode haver pior do que uma pandemia. A sua empresa, Bricer, é hoje uma referência na oferta de produtos alimentares diferenciados e inovadores.
Trabalha em distribuição alimentar, mas nem sempre foi assim. Como evoluiu o seu percurso?
Sou licenciada em Engenharia Física pela FCT Nova, e sempre tive muita curiosidade em estudar e aprender, e aprofundar os meus conhecimentos, fiz vários mestrados e sempre fiz várias atividades em paralelo. Comecei a minha atividade mais profissional, no Instituto Português de Oncologia (IPO), como estagiária, em primeiro lugar, na área da Física Médica, que era a minha paixão. Na altura era das poucas pessoas em Portugal com formação nessa área e foi precisamente essa especificidade que me levou, ainda muito nova, a ser responsável por várias disciplinas na área da Física Medica, no ensino superior privado. E foi um desafio muito interessante porque tinha alunos mais velhos do que eu.
Conciliava várias atividades em simultâneo?
Sim. A determinada altura estava no IPO, trabalhava numa empresa em part-time, fazia a minha tese e dava aulas à noite. Das seis da manhã até à meia-noite estava sempre ocupada. Foi uma fase muito intensa, que durou alguns anos. Depois do mestrado, e tendo como base de formação a Engenharia, surgiu a oportunidade de fazer um doutoramento na área. Mas um grau académico tão elevado obrigava-me, naturalmente, a focar-me em demasia na parte académica e teórica. Sabia e sentia que o meu caminho não passava por estar numa sala a rever artigos.
Decidi, então, apostar fortemente em algo mais comercial. Na verdade, já trabalhava numa empresa de equipamento médico, mas procurava uma organização mais forte. E encontrei a Agfa, uma multinacional à época muito poderosa na área das radiografias. Integrei a equipa, na área médica da empresa, que comercializava equipamentos médicos, também relacionada com Física médica.
Que funções desempenhou?
Inicialmente, funções de administrativa. Comecei um pouco do zero, mas de alguma forma tive sorte porque encontrei as pessoas certas que viram em mim valor e me deram oportunidade. A chefia sabia que eu tinha claramente um perfil comercial: adoro conversar, conhecer pessoas e tenho boa capacidade de comunicação, e uma veia altamente negocial.
Fui evoluindo e cheguei a key account manager, que era a aspiração máxima. Tinha uma carteira de clientes e negociava ao mais alto nível, não obstante sempre respeitando e reconhecendo a importância enorme, de todos os intervenientes num negócio em que são sempre importantes, todos, incluindo os que estão na “base da pirâmide” e não só os que estão no topo como “decisores”.
A gestão de grandes contas deu-me uma grande bagagem e o contacto com tantos clientes abriu-me as portas para muitas amizades, que ainda hoje mantenho. Para mim, um cliente é um amigo que respeito muito.
Mais tarde, a minha veia empreendedora, de facto “falou” mais alto e arrisquei outro caminho.
Passei de películas radiográficas para cervejas e sumos! Porém, pensava “o produto é diferente, mas vou ter clientes e com os clientes eu tenho experiência, então será apenas uma ligeira mudança”.
Que caminho foi esse?
Decidi criar uma empresa. Sou muito positiva e acho que todo o ser humano tem capacidade de se reinventar. Sempre fui destemida, nunca tive medo de arriscar, e acredito que temos de olhar para o copo meio cheio.
Sabia contactar com o cliente e, por isso, tinha de vender algo. E, naturalmente, fui ter aos produtos alimentares.
Iniciei as pesquisas e encontrei o meu primeiro produto, uma cerveja belga. Não sabia como importar, muito menos outros detalhes. Enviei muitos e-mails até que alguém me respondeu e pensei “está aqui o caminho”, e de facto, o caminho faz-se andando.
Este era um mercado completamente diferente daquele que eu conhecia. Passei de películas radiográficas para cervejas e sumos! Porém, pensava “o produto é diferente, mas vou ter clientes e com os clientes eu tenho experiência, então será apenas uma ligeira mudança”.
Abriu o negócio sozinha?
Sim, a Bricer é uma sociedade unipessoal. O nome Bricer vem de Bri de Brites e Cer de cerveja.
A partir do momento em que consegui fazer o contrato comercial com o primeiro fornecedor precisei de importar. Eu não sabia nada. Tive de aprender toda a dinâmica, toda a logística, ou seja, comecei a entrar no métier. Contactei várias transportadoras, numa delas falei com uma senhora que ainda hoje é uma grande amiga, que me explicou todo o processo, e me ajudou muito. Arranjei transportadora, consegui fazer vir a palete de cervejas e paguei tudo com umas economias que tinha.
Quando aquela palete de cervejas chegou, percebi que tinha de pagar impostos sobre o álcool. Como não sabia nada, fui para a alfândega e, mais uma vez, pedi ajuda. Estamos sempre a aprender e precisamos sempre dos outros. E temos que ter a humildade de perceber isso, a partir daí, tudo é muito mais fácil.
Já tinha clientes?
Ainda não, e precisava de os arranjar. Comecei a procurar, a elaborar uma lista de clientes. Recordo-me do primeiro cliente. À porta de uma cervejaria, tive de ganhar coragem para entrar. Apresentei-me, falei da Bricer, distribuidora de produtos alimentares, apresentei a cerveja e as suas caraterísticas. Rapidamente percebi que os obstáculos estavam logo ali, e como costumo dizer, nem eram pedras, eram pedregulhos. Virei-me então para as lojas gourmet, retalho mais especializado e fui fazendo o meu caminho, naturalmente.
Nós não queremos que percam a componente de inovação. Isso faz com que na Bricer sejamos muito cuidadosos com a introdução de certos artigos no mercado para manter ao máximo estas características tão importantes para nós, que distinguem a nossa oferta. E faz-nos estar sempre atentos às trends e às novidades a nível internacional.
Hoje compete com as grandes marcas?
A palavra competir, é muito relativa, penso que há lugar para todos. A Bricer tem marcas exclusivas Bricer, mas também tem produtos a que chamamos “mercado aberto” que são artigos de marcas multinacionais, que não os vendem em Portugal. Pelas suas características peculiares estes artigos trazem diferenciação e inovação.
Com alguns artigos é um equilíbrio muito delicado de conseguir, pois pelas suas características há o risco de se massificarem, mas nós não queremos que percam a componente de inovação. Isso faz com que na Bricer sejamos muito cuidadosos com a introdução de certos artigos no mercado para manter ao máximo estas características tão importantes para nós, que distinguem a nossa oferta. E faz-nos estar sempre atentos às trends e às novidades a nível internacional.
Vende também ao público em geral?
Temos o site Bricer, que é B2B, e, entretanto, criámos uma loja online B2C, mas o nosso verdadeiro foco é o segmento retalho, como grossistas que somos. Vendemos para todos os players a nível nacional, nos vários segmentos.
Não deve ter sido fácil negociar com a grande distribuição.
Em negociação, tal como na vida, o mais importante é sermos honestos e transparentes, e transmitirmos confiança, a partir daí, tudo se torna mais fácil. Na realidade, é preciso também ter sorte com as pessoas que encontramos no nosso caminho. E reconheço que tenho tido essa sorte, e de alguma forma, as excelentes pessoas que tenho tido o privilégio de encontrar como clientes, e como parceiros, também me ajudam a potenciar a capacidade de ultrapassar as situações menos positivas, que podem aparecer sempre, e que fazem parte do caminho a percorrer, na grande distribuição e em qualquer sítio.
Qual é o principal mercado de importação?
É o Reino Unido porque é muito rico em produtos bastante diferenciados. A Alemanha também, mas o Reino Unido tem algo que o distingue e o impulsiona: a familiaridade com a língua. Qualquer europeu olha para o rótulo e consegue percebê-lo. Todas as empresas do Reino Unido estão internacionalizadas à priori de uma forma natural. Na Alemanha, França ou Holanda, isso não acontece tão facilmente. Os produtos nestes países têm labels apenas na língua oficial e para internacionalizar o produto é necessário traduzir e criar uma linha à parte no label em inglês. Mais, o Reino Unido tem uma capacidade de inovação muito grande, estão muito à frente em tudo. E os ingleses têm outra característica que adoro: são extremamente corretos e éticos em tudo o que fazem e dizem, e assim é muito mais fácil trabalhar e criar parcerias longas e verdadeiras.
Temos de estar atentos todos os dias e nunca baixar os braços. Sobrevive quem se adapta. E perceber que a mudança e a adaptação fazem parte da vida é um princípio para que tudo corra bem e aconteça duma forma natural.
Que obstáculos enfrentou com o Brexit e de que forma impactou o negócio?
O Brexit foi um desafio muito grande. Culminou com a pandemia e passámos vários meses até perceber a nova dinâmica. Até porque de várias frentes, que eu persegui, à procura de informação, nenhuma me conseguia dar uma resposta concreta e sucinta, que me conseguisse ajudar a desbravar caminho a entender o que iria acontecer.
A primeira coisa que fiz foi enviar e-mails para o GOV.UK, mas ninguém sabia de nada. Fiz reuniões com transportadoras, mas ninguém conseguia responder-me. Todos os emails que enviava, inclusive para diversas entidades no Reino Unido e em Portugal, ninguém me sabia responder. Algo que considerei incrível tendo em conta a complexidade do processo que estávamos a viver.
No meio disto tudo, acabei por gerir internamente os stocks até haver mais informação, e continuei exaustivamente à procura de pessoas que me pudessem ajudar no processo, o que culminou no recomeçar de importações, com todo o sucesso.
Como é que a Bricer resistiu à pandemia?
Tinha acabado de resolver a questão do Brexit quando caiu a pandemia. Os supermercados estavam a fechar, sobretudo alguns clientes, e o primeiro impacto foi complicado, mas não perdemos a calma. Como tantos outros desafios que já tinha enfrentado, este seria só mais um, apesar dos diferentes contornos. Interiorizei esta ideia e mantive tudo como estava, para não assustar a equipa. Nunca parámos e apesar de as encomendas terem começado a diminuir, continuámos sempre a fornecer, na dinâmica habitual. Não obstante, a minha maior preocupação foi arranjar alternativas de produtos adequadas à fase pandémica que estávamos a viver, e consegui, depois de noites de muita pesquisa. Colocámos no mercado imediatamente artigos com configuração não alimentar, que foram um sucesso.
Como isso ajudou o negócio?
Foi muito importante, sem dúvida, porque compensou o decréscimo no consumo de outros artigos alimentares. Temos de estar atentos todos os dias e nunca baixar os braços. Sobrevive quem se adapta. E perceber que a mudança e a adaptação fazem parte da vida é um princípio para que tudo corra bem e aconteça duma forma natural.
A minha preocupação é continuar a trabalhar, sempre positiva e com saúde. Comecei sozinha, do zero. O que é mais difícil do que isso?
Como é que esta fase que estamos a viver está a impactar o negócio?
Não estou a sentir problemas, pelo contrário, estamos com muito boas perspetivas. Inicialmente apostámos na diversificação do portefólio em Portugal, e agora vamos à procura de novos mercados e clientes. A internacionalização é uma fase natural e de crescimento do negócio.
Continuamos a importar e a alargar o portfolio de artigos inovadores para aumentar a nossa oferta aos nossos clientes, e naturalmente, também a fazer contactos em novos mercados.
Quais são as suas preocupações em 2023?
A minha preocupação é continuar a trabalhar, sempre positiva e com saúde. Comecei sozinha, do zero. O que é mais difícil do que isso?
Em que medida é que as experiências profissionais anteriores a têm ajudado na Bricer?
Ajudaram em tudo. Sem dúvida que a minha experiência comercial, de negociação e de contacto com as pessoas ajudaram muito. Até a experiência a lecionar e a lidar com alunos da minha idade e mais velhos não foi fácil. Há que ter jogo de cintura e isso deu-me estofo e fez de mim aquilo que sou hoje. Não mudava nada, e se mudasse, provavelmente, não seria quem sou hoje.
O que é que gostava que lhe tivessem dito quando lançou a Bricer que só veio a aprender mais tarde?
Nada. Sabia que o caminho não ia ser fácil e nunca vai ser. É mesmo assim.
Começou sozinha e agora tem uma equipa de pessoas para gerir. Como é a sua experiência enquanto líder e que desafios é que isso lhe coloca?
Não me vejo como líder. Quero ser um elemento da equipa, uma inspiração. Gosto de estar ao lado, para que me respeitem dessa forma. Em qualquer altura, quando necessário, vou com a equipa para o armazém fazer o que é preciso, e é algo que faço desde o primeiro dia, e sempre farei.
Sou acessível e não quero ser convencional. Em tudo, tento ser fora da caixa. Quero que a minha equipa vá trabalhar com gosto. Para mim isso é o mais importante e acho que todos se sentem assim.
Como é que sonha a Bricer no futuro mais longínquo?
O meu sonho por concretizar é a Bricer crescer. Neste momento consigo ajudar algumas famílias, uma delas é a minha, claro. No futuro espero poder ajudar outras mais, dar-lhes um local para trabalharem e de que gostem, onde se sintam felizes. Há empresários que pensam apenas em enriquecer. Não penso nisso. Para mim, a riqueza é aquilo que temos dentro de nós, é também o meu percurso, é aquilo que eu sou e aquilo que a vida fez de mim. O meu sonho materializou-se. Sou uma pessoa realizada, de bem com a vida, mas espero dar à Bricer ainda mais sustentabilidade, mais coerência, mais visibilidade porque isso também traz reconhecimento.
Que palavra resume o sucesso que a Bricer teve até agora?
Resiliência, sem dúvida. As coisas sustentáveis constroem-se com tempo, nada é imediato.
O percurso da Bricer nem sempre foi fácil. Como não o é, certamente, o percurso das nossas vidas. Tudo é dinâmico, não é só subir, há altos e baixos, há fases complicadas, de viragem, e que não ocorrem só em tempo de crise. Há flutuações no negócio, há uma venda que corre menos bem, há a perda de um cliente, o ganho de outros, é mesmo assim. Porém, desistir nunca é uma opção.
A resiliência é o mais importante e ter muita humildade não só perante as pessoas, mas também perante as situações. Tudo passa.
Se tivesse de deixar um conselho para uma mulher que está a pensar lançar um negócio, diria que tem de estar preparada para…
As dificuldades. Diria para as ultrapassar e ser resiliente, ter força, positividade, acreditar, nunca duvidar e, principalmente, nunca desistir.
A Executiva agradece ao Hotel Corinthia as facilidades concedidas para a realização da fotografia.