Annie Criscenti: “A igualdade na liderança avança lentamente, mas é irreversível”

Há 18 anos no setor financeiro, Annie Criscenti, Deputy CEO da Younited em Portugal, aponta para um equilíbrio global no setor quanto à igualdade de género, mas reconhece que há áreas onde é preciso batalhar mais para garantir essa igualdade.

Annie Criscenti é Deputy CEO da Younited em Portugal.

Alimentando, desde cedo, a ambição de ter uma carreira internacional, a italiana Annie Criscenti encontrou na banca a catapulta para um percurso profissional trilhado sobretudo em solo ibérico — primeiro em Espanha e agora em Portugal. Este trajeto levou Annie Criscenti a passar por grandes multinacionais como o Citigroup, a General Eletric e, desde 2016, a Younited, onde, em 2020, passou a assumir as rédeas do mercado português como Deputy CEO da empresa em Portugal. Em entrevista, a executiva passa em revista os principais pontos altos da sua carreira e sublinha a importância de ter tido a oportunidade de parar para tirar um ano sabático. Como uma mulher num lugar de topo na área das Fintech, Annie Criscenti reflete ainda sobre o caminho que falta trilhar rumo à igualdade de género no setor financeiro e destaca as conquistas, a este nível, alcançadas pela Younited Iberia, onde mais de 60% das posições de gestão de equipa são ocupadas por mulheres.

 

Licenciou-se em Ciência Política, fez um MBA em Turismo e começou a trabalhar na banca. Não parece o caminho mais óbvio. O que a atraiu na área financeira?

Sempre escolhi caminhos onde tivesse a oportunidade de desenvolver carreiras internacionais. Adorei estudar em detalhe o funcionamento das instituições europeias e o Direito do Comércio Internacional, por exemplo, mas também percebi que era fundamental conhecer os mecanismos mais próprios das empresas privadas uma vez que, afinal, as maiores mudanças económicas e sociais são quase sempre impulsionadas por estas.

Começar a trabalhar na banca foi ainda menos óbvio porque, sinceramente, achava que não gostaria nada do setor, mas foi-me oferecida a oportunidade de fazer parte duma plataforma de servicing com mais de 30 nacionalidades e… aqui estou eu, 18 anos depois, com mais interesse que nunca pelo setor.

Trace-nos a sua carreira até sair da General Eletric.

O começo da minha carreira profissional coincide com a decisão de mudar-me para Barcelona e explorar um novo país e uma nova cultura. Comecei a trabalhar no mundo dos cartões de crédito e, pouco a pouco, especializei-me nos processos de cobranças e controle de crédito. Em 2008, veio o credit crush e essa área converteu-se numa das áreas mais estratégicas das empresas financeiras e assim cheguei à General Electric, onde, em poucos anos, passei das operações locais até aos projetos de governance nos headquarters da empresa em Londres.

Ainda que sempre na área financeira, teve funções muito diferentes ao longo da sua carreira. Qual a que mais gostou de desempenhar e de que forma ela foi importante na sua evolução profissional?

Acho que a época onde mais aprendi a liderar equipas e grandes projetos foi, sem dúvida, aquela em que tivemos de lidar com a maior crise financeira. Foram anos de muita pressão em diferentes frentes e em que foi fundamental crescer como líder de pessoas e potenciar o talento das equipas.

 

De Espanha para Portugal com a Younited

Annie Criscenti, Deputy CEO da Younited em Portugal

“Acreditamos que a maior barreira à igualdade na liderança ainda reside na conciliação da vida pessoal com o trabalho”, Annie Criscenti, Deputy CEO da Younited em Portugal.

 

Como chegou à Younited e qual a missão que lhe foi entregue?

Cheguei à Younited em 2016 para preparar toda a plataforma de Operações da nova sucursal espanhola. Dois anos depois, começámos a trabalhar para acrescentar os serviços portugueses e lançar o nosso produto também em Portugal.

Muito mudou no setor financeiro desde que começou a trabalhar em 2004. Quais os principais desafios que enfrenta este setor atualmente e em que medida está a Younited preparada para lhes dar resposta?

Sem dúvida que nos últimos anos o setor aprendeu a gerir o risco de uma forma muito mais “saudável”: todas as entidades aprenderam a controlar os seus non performing loans e conter os ratios de endividamento dos clientes da própria carteira. Hoje, estamos a agir num setor muito mais consciente dos riscos de crédito e com uma continua vigilância do portefólio.

Ao mesmo tempo, os produtos de crédito tornaram-se mais acessíveis sob o ponto de vista da experiência do cliente, já nos últimos quatro anos e com a aceleração da situação pandémica que vivemos, as empresas financeiras reforçaram a sua oferta digital até conseguir que um empréstimo possa ser concedido de forma rápida, 100% online.

Considera que ao longo da carreira enfrentou desafios acrescidos por ser mulher num setor onde as lideranças continuam a ser maioritariamente masculinas?

Na verdade, nunca senti obstáculos ao meu desenvolvimento profissional por ser mulher, mas, também acredito que sempre tive a sorte de trabalhar em empresas onde a diversidade era um valor bem consolidado. No entanto, o que podemos observar com demasiada frequência é que, no nosso setor, apesar de existir um equilíbrio no que respeita à igualdade de género nos números globais, ainda há departamentos e áreas onde temos que batalhar mais para garantir essa igualdade. Na minha opinião, HR, IT e Finanças são exemplos claros de áreas onde ainda atemos muito caminho pela frente nesta matéria.

Qual a situação da Younited no que respeita à igualdade de género na liderança e que medidas tem nesta área?

Na Younited Iberia temos mais de 60% de mulheres em posições de gestores de equipa e procuramos acompanhar todos os nossos managers nos seus processos de desenvolvimento com planos ad-hoc que tenham em conta as situações especificas de cada um. Acreditamos que a maior barreira pela igualdade na liderança ainda reside na conciliação da vida pessoal com o trabalho e estamos comprometidos em contribuir para que ninguém renuncie a ambicionar a mais responsabilidades por sentir não ter suficiente apoio. Nessa direção vão, por exemplo, as nossas políticas de flexibilidade horária e de teletrabalho.

 

Ano sabático: uma oportunidade para Annie Criscenti parar

Porque decidiu tirar um ano sabático e qual o impacto que ele teve na sua vida?

Encarei o ano sabático como uma oportunidade para parar por um certo período de tempo e dedicar-me a projetos pessoais que, até aqui, sempre foram “deixados de lado”. Não pensei duas vezes e foi uma das melhores decisões da minha vida. Uma das minhas recomendações para todas as pessoas é que planeiem um ano ou uns meses para um período sabático para conhecer outras realidades, se formarem e explorarem outras maneiras de viver para marcar com, ainda mais consciência, os próprios objetivos.

Viveu em vários países. O que de mais importante aprendeu em cada um deles?

Que temos de ter sempre a mente aberta a conhecer outras culturas, outras maneiras de viver e agir para nos podermos integrar com facilmente em cada país. No final, acabamos sempre por levar o melhor de cada um dos sítios onde vivemos.

Trabalhou o mercado português pela primeira vez em 2007 e voltou a ele em 2018. Quais as principais diferenças que notou?

Em 2007 estávamos prestes a entrar numa crise financeira mundial e o nível de incumprimento em Portugal começava a disparar. Lembro-me das enormes dificuldades para conter os números de risco mês a mês. Em 2018, o país era completamente diferente, a situação voltava a ser muito mais positiva, a economia tinha superado os anos da “austeridade” e o mercado tinha uma procura pelo crédito muito mais informada e, portanto, sustentável.

Que conselho deixa a uma jovem executiva que ambicione fazer carreira nas Fintech?

Que a igualdade na liderança avança lentamente, mas avança e é irreversível. Da mesma maneira, o mundo das Fintechs evolui com uma enorme velocidade, e portanto, também não podemos parar de aprender e desafiar constantemente os processos e a nossa conceção de produto. Por último, recomendaria ter sempre bem claras quais são as nossas ambições profissionais: “qual quero que seja o meu papel na organização?” para que todas as decisões tomadas em cada momento vão nessa direção concreta.

 

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