“‘Paula, podes por favor chegar ao meu gabinete e falar com as minhas filhas? Elas gostavam de ser engenheiras e não conhecem nenhuma mulher engenheira.’ Atónita, dirigi-me ao gabinete do colega e conheci a Stephanie e a Sharon. Eram gémeas, com cerca de 15-16 anos, e visitavam o local de trabalho do pai para fazer um trabalho e uma apresentação na escola. Ambas queriam ser engenheiras; uma queria ser engenheira aeronáutica, a outra engenheira de plásticos.
Conversei com as duas sobre a minha formação e a minha carreira: como mudei de funções e empresas, os fatores de motivação que me levaram a fazê-lo, os países por onde passei, os desafios, o propósito, as oportunidades e as recompensas. Não tomaram uma única nota, limitavam-se a ouvir com muita atenção e os olhos bem abertos dizendo “wow, so cool” e colocando uma ou outra questão. Encorajei-as, o mais que pude, a seguirem os seus sonhos e a tornarem-se engenheiras.
Na tarde seguinte, o pai contou-me que as gémeas praticamente não tinham dormido para preparar o trabalho, o qual aparentemente teve por base a nossa conversa, e que tiveram uma nota excelente. Disse-me ainda que a professora escreveu o seguinte comentário no trabalho “uma pessoa assim não existe” (numa nota de admiração).
Esta história de duas adolescentes que querem ser engenheiras, mas que não conheciam mulheres engenheiras, passou-se em pleno século XXI, concretamente em fevereiro de 2022, na maior economia do mundo, os Estados Unidos da América. Este grandioso país é formado por 50 estados com níveis de desenvolvimento distintos, nomeadamente ao nível da representatividade das mulheres em cargos superiores nas empresas. Ao mesmo tempo em que em Nova Iorque já há mulheres a ganharem mais que homens que desempenham a mesma função, ainda há raparigas no Ohio, muito perto de Columbus, que não conhecem mulheres engenheiras.
“As mulheres têm ambição, mas não acreditam que possam chegar a desempenhar funções de topo”
A história das gémeas não é única. Ao longo da minha carreira tenho sido abordada por mulheres jovens, algumas já inseridas no mercado de trabalho em empresas competitivas e de renome internacional, que querem saber como uma mulher chega a CEO. Aconteceu-me nos EUA, no México e também na Alemanha. Estas situações demonstram que as mulheres têm ambição, mas não sentem, nem acreditam, que possam chegar a desempenhar funções de topo.
O tema da igualdade de género nas empresas é recorrente. Fala-se muito do papel das mulheres nas empresas e, em diversos países, Portugal incluído, foi introduzido um sistema de quotas que assegure um número mínimo de mulheres no conselho de administração das empresas. Questiona-se muito o porquê destes números, em vários países incluindo Portugal, estarem muito aquém dos objetivos traçados. E pergunta-se porque não há mais mulheres nos lugares cimeiros das empresas.
A equidade de género é na sua essência uma questão cultural e requer o envolvimento dos governos, das sociedades, dos estabelecimentos de ensino, das empresas e demais entidades com poder de influência. O progresso na representatividade das mulheres nos cargos de topo das empresas, a nível mundial, existe, mas tem sido bastante lento. O World Economic Forum publica todos os anos o Índice de Igualdade de Género. Em 2021, a Islândia ocupava o 1º lugar, Portugal aparece em 23º e os EUA em 30º. Segundo esta organização, e com os dados atualmente disponíveis, serão necessários 135 anos para atingir a igualdade de género.
Um relatório da UNESCO-IESALC e Times Higher Education examinou o desempenho de 776 universidades globais em 18 indicadores. Este relatório reflete sobre a posição única das universidades na sociedade e o seu potencial para contribuir para a igualdade de género e fortalecimento do poder das mulheres e das raparigas.
O relatório constata que, globalmente, as estudantes do sexo feminino superam os estudantes do sexo masculino; 54% dos alunos formados em 2019 eram mulheres. No entanto, constata também a existência de tendências humanísticas: a proporção de estudantes do sexo feminino que cursam ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM) (30%) ainda é 24 pontos percentuais menor do que a parcela de estudantes do sexo feminino que cursam artes, humanidades e licenciaturas em ciências sociais (AHSS) (54%). O relatório conclui ainda que as universidades estão mais focadas em medir o acesso das mulheres ao ensino superior do que em rastrear os seus resultados e taxas de sucesso.
“Não basta definir quotas para ter mulheres em cargos de direção”
Os dados publicados pelas entidades acima indicadas, complementados pelas experiências vividas ao longo da minha própria carreira, demonstram que há muito a fazer pela igualdade de género nas empresas e que não basta definir quotas para ter mulheres em cargos de direção. É preciso começar pelas bases:
- educação de todas as raparigas, não só a educação dada nas escolas, mas também a educação e a cultura experienciada em casa;
- informação disponível sobre os papéis que podem desempenhar na sociedade;
- legislação que não só promova a igualdade de oportunidades, mas que crie as condições para essa mesma igualdade;
- disponibilização de modelos de referência que levem as raparigas e as mulheres a ganhar confiança na sua capacidade e potencial;
- programas de mentoria;
- planos de carreira;
- voluntariado;
- outras atividades;
- inspiração.
Sabemos que as raparigas não têm todas as mesmas oportunidades. Há países onde os direitos mais básicos ainda lhes são negados. Não tenhamos ilusões, a igualdade de género vai demorar gerações e pode nunca ser atingida. Mas se todos, em diversas situações do nosso quotidiano, inspirarmos raparigas e mulheres a crescer e afirmarem-se profissionalmente, por mérito e vontade própria, deixamos uma pegada positiva na direção da igualdade de género.
Quanto às gémeas, sei que as consegui inspirar, e espero ter a oportunidade de conversar com elas dentro de alguns anos sobre as suas atividades e impacto em temas importantes como, por exemplo, a circularidade da economia do plástico e o sucesso das missões a Marte!”
Texto de Paula Dias, assessora & consultora nas áreas de Estratégia, Desenvolvimento de Negócio, Restruturação, M&A, Carve-Out, PMI
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