A marca corporativa e a sustentabilidade são dois círculos que se interligam, diz Mafalda Guedes, o primeiro membro da quarta geração da família Guedes a trabalhar no negócio da família. E são sobretudo, “áreas aliciantes, com grande impacto e novos desafios”.
Desde muito nova, sempre soube que o seu destino era trabalhar na Sogrape. Era isso que queria, mas não a qualquer preço. Tinha de se preparar. Foi, por isso, que estudou em Inglaterra, que fez primeiro um percurso de cinco anos noutras empresas em Portugal, Suíça e Angola, onde aprendeu a lidar com todo o tipo de pessoas, algo essencial num grupo que produz vinhos em cinco países e vende para muitos mais. Como sentia e sente a responsabilidade de manter e desenvolver o legado da família, como todos os outros membros, fez e continua a fazer todas as formações que pode, porque gosta de ter uma base sólida de conhecimento quando enfrenta um novo desafio ou tem de tomar decisões.
Num dos eventos realizados pela Sogrape, lembro-me que disse que expressou, desde muito nova, o desejo e a vontade de um dia liderar a empresa da família. O seu percurso académico foi feito com o objetivo de adquirir conhecimentos e capacidades para um dia desempenhar o cargo, se o desafio se puser?
Eu tive sempre uma vontade enorme de trabalhar na Sogrape! Mas hoje, muito mais do que liderar, só preciso de saber que estou a ter um papel ativo no seu futuro, reforçando o meu compromisso e tendo um papel ativo na empresa. O que me interessa é acrescentar valor e dar seguimento ao que foi construído pelas gerações anteriores.
Desde que me lembro, gostava de ir com o meu pai [Salvador Guedes] para o escritório tirar fotocópias e colar rótulos nas garrafas. Ele sempre foi, para mim, uma inspiração e a sua paixão e dedicação à Sogrape foi-me dando motivação para querer trabalhar um dia na empresa.
O meu percurso académico teve sempre em mente a minha entrada na Sogrape. Foi, por isso, que estudei no Colégio Inglês até ao 12.º Ano e Negócios e Gestão na Oxford Brookes University, em Inglaterra. Não quis ingressar na empresa logo a seguir, porque é importante ganhar mundo e competências profissionais. Depois de ter saído de Inglaterra estive uns tempos em Lisboa, depois na Suíça e em seguida em Angola. Mas mantive sempre conversas com o meu pai, para definir qual seria a melhor altura para entrar na empresa e perceber quais seriam as melhores competências e capacidades que deveria levar para a Sogrape.
Mais importante do que a aprendizagem, seria aquilo que iria entregar no futuro. Por isso, procurei ganhar novas competências que me ajudassem a acrescentar valor para a empresa. Como considero que a aprendizagem é uma coisa para a vida inteira, continuo a fazê-la, frequentando formações e tentando aprender com as outras pessoas. Temos de estar sempre a aprender e a tentar melhorar.
Passados cinco anos, voltei a Portugal e entrei na Sogrape. Tive muita sorte, porque ainda pude trabalhar com o meu pai. Mas também foi importante ter o meu avô na empresa e ver como os dois tinham formas de trabalhar tão diferentes, e como se complementavam.
Quando estamos sentados nas nossas secretárias não temos a visualização daquilo que está a acontecer na realidade. Há que sair dos lugares de conforto e ir para a rua com os vendedores.
Também fez uma pós-graduação em vinhos?
Foi na Universidade Católica do Porto, porque achei que era importante saber como o vinho se faz. É verdade que se bebia em casa, mas ninguém da família, a não ser o meu avô, tinha esta componente mais técnica. E eu gostava de aprender, de fazer uma vindima, um vinho. Para ter uma visão global de toda a produção também fiz uma vindima com os enólogos Luis Sottomayor e o António Braga, na Quinta da Leda, com quem aprendi imenso. Agora já sei, com propriedade, o que estou a dizer quando falo sobre o negócio e o mundo do vinho. Foi bom fazer este percurso.
De que forma é que a sua formação escolar, académica e ao longo da vida a tem ajudado a garantir o desempenho das suas funções ao longo do seu percurso?
O curso de Gestão deu-me imensas competências para, pelo menos, poder começar a trabalhar na empresa. O período em que vivi fora ajudou-me a ser uma pessoa mais aberta e a comunicar de forma mais fácil com diversos tipos de pessoas. Ou seja, fez-me saber lidar com toda a gente, algo que não teria talvez a oportunidade de fazer de outra forma.
Começou pelo marketing na Sogrape, mas também esteve nas vendas. Fê-lo para alargar o seu conhecimento sobre a empresa?
Quando estive no marketing, da primeira vez, senti que me faltavam algumas competências na área de mercado. Quando estamos sentados nas nossas secretárias nos sectores de marketing, não temos a visualização daquilo que está a acontecer na realidade. Por isso, há que sair dos lugares de conforto e ir para o mercado, para a rua com os vendedores. Foi o que fiz. Assumi a responsabilidade de alguns mercados externos, onde vendia para os distribuidores. Mas também acompanhei as equipas de venda, o que foi fundamental para perceber a dificuldade enorme que é estar presente num mercado competitivo como o nosso. Também foi importante para perceber as tendências do mercado, como é que funciona a nossa equipa comercial e como é que esta vende aos clientes.
Voltei para o marketing com competências diferentes e mais conhecimento. Agora sei que precisamos de ajustar o portefólio à realidade de cada mercado, porque é essencial vender o que os clientes querem em cada um deles.
Tenho a sorte de ter podido trabalhar com o meu avô, o meu pai e os meus tios, algo que nem toda a gente tem a sorte de fazer.
Quais são as vantagens e desvantagens de trabalhar na empresa da família?
Eu digo sempre que tenho a sorte de trabalhar na empresa da família. Quando é nossa, faz parte de nós. Não é só um trabalho. Gostamos de ver as conquistas de todos, olhamos com orgulho para tudo o que é feito e, ao mesmo tempo, preocupam-nos mais com as coisas do que os outros, o que é normal.
Damos mais de nós, o que é natural, pois é toda a história da nossa família que está envolvida, e esperamos que perdure no tempo. É uma responsabilidade muito grande, mas é também um privilégio continuar o trabalho de todos os antecessores. E tenho a sorte de ter podido trabalhar com o meu avô, o meu pai e os meus tios, algo que nem toda a gente tem a sorte de fazer.
Quero dar o meu melhor para que a Sogrape continue e que um dia mais tarde, se os meus filhos gostarem e se tiverem competências para o fazer, que entrem também para a empresa, porque isto é quase a nossa vida. Estas são as vantagens, já que as desvantagens são poucas, como adormecer e acordar a pensar na Sogrape. Mas isso não é assim tão mau. Depois há a sensação de responsabilidade acrescida, porque as pessoas têm os olhos postos em nós. Mas considero isso sobretudo um incentivo para dar o meu melhor para a empresa e todas as suas pessoas.
É gestora de marca corporativa e responsável pela implementação do programa de sustentabilidade do Grupo Sogrape desde o início deste ano. Em que consistem as suas funções?
Relativamente à marca estamos, neste momento, a criar uma nova identidade. Vamos ter um website novo, passar a gerir o relacionamento da marca com outras empresas e organizações e ter uma representação institucional. É importante que a família dê a cara, porque tem maior facilidade em fazê-lo, e se relacione com outras entidades e pessoas. São laços que nos interligam e nos abrem portas para o mundo, o que é fundamental para continuarmos a crescer.
Quais são os principais desafios da gestão da marca de uma companhia como a Sogrape, que tem sido construída ao longo de muitas dezenas de anos pelos seus antecessores?
A Sogrape tem, hoje, uma grande reputação. É uma marca símbolo de vinhos de qualidade, conhecida e reconhecida pelo setor, não só em Portugal, mas também no resto do mundo. É um legado que queremos manter, continuando a produzir grandes vinhos e a ter grandes conquistas e mantendo-nos sempre envolvidos com as comunidades onde estamos presentes. Mas há espaço de melhoria, sempre com base naquilo que é o nosso propósito, o nosso lema: “Trazer amizade e felicidade a todos que tocamos com os nossos grandes vinhos”. É esse o nosso ponto de partida.
É importante continuar a desenvolver a marca, porque não queremos que fique apenas para a história. Queremos que evolua. É um processo muito ligado à sustentabilidade, que tem de decorrer sempre com o pensamento no mundo, nas pessoas. A marca corporativa e a sustentabilidade são dois círculos que se integram.
Em que é que consiste o programa de sustentabilidade do grupo Sogrape? Quais são os objetivos e de que forma serão alcançados?
A Sogrape sempre se pensou no longo prazo e no bem do mundo e das pessoas, pois tem mantido uma cultura de sustentabilidade desde o seu início, em 1942. É um tema cada vez mais relevante, que já não é uma opção, é uma obrigação. Por isso tínhamos de pensar profundamente sobre isso.
O grupo tem várias empresas no mundo. Cada uma estava a trabalhar da sua forma, para atingir os seus objetivos e era a hora de implementar uma estratégia integrada.
Por isso, olhámos, em 2020, para as iniciativas de sustentabilidade em todas as empresas do grupo e falámos com todos os peritos internos e externos, para definirmos quais eram os riscos e os desafios atuais, para delinear uma estratégia comum a toda a empresa. Depois, definimos compromissos, objetivos e metas a serem atingidos até 2027. O que pretendemos é preparar o caminho para um mundo mais saudável, porque não podemos usar todos os seus recursos. É este o nosso primeiro pilar da jornada que vamos empreender.
O segundo pilar pretende garantir que continuamos a produzir vinho. Com as alterações climáticas e a migração crescente das pessoas das zonas rurais para as urbanas, isso será cada vez mais difícil de fazer, pelo menos pelos modelos atuais. Queremos antecipar as mudanças que irão ocorrer, para garantir a continuidade do nosso negócio, o nosso legado. Desta forma iremos continuar a inspirar vidas mais felizes e responsáveis, não só nas pessoas que trabalham connosco, mas também nas das comunidades onde a Sogrape opera. Valorizar as pessoas é meio caminho andado para tudo o resto funcionar.
A sustentabilidade ambiental das empresas, instituições públicas e países é essencial para assegurar o futuro do nosso planeta. Quais são os principais investimentos da Sogrape com este objetivo, cá e lá fora, e em todas as suas áreas de negócio?
Temos várias iniciativas a decorrer nas empresas. Nas vinhas da Sogrape Vinhos, por exemplo, usamos soluções com base naquilo que existe na natureza para o maneio das nossas vinhas, sem estar a comprometer a qualidade e a integridade dos nossos terroirs. Queremos também reduzir as nossas emissões e aumentar o uso de fontes de energia renovável para suprir as nossas necessidades energéticas.
Mas como é que estão a fazer isso?
2020 foi o ano zero, aquele em que parámos para olhar para isto, pensar sobre o tema e decidir o que fazer. 2021 é o ano em que vamos passar a implementar.
Nós queremos envolver toda a nossa organização nisso, para os nossos colaboradores contribuírem para este projeto, porque é importante que integre a cultura da empresa. Quando o estávamos a definir, quisemos ser ambiciosos, mas também realistas. Não podemos reduzir as emissões de um dia para o outro, porque isso não é possível. Vamos fazê-lo de forma gradual, mas temos de o fazer, até porque é esse o nosso compromisso com a sociedade. Como empresa, temos de ser transparentes e também funcionar como exemplo, mesmo que haja dificuldades pelo caminho. É este o nosso objetivo, e é para ser cumprido.
Qual a parte mais aliciante do seu trabalho atual?
Estava, há muito tempo, a defender que precisávamos de ter uma estratégia mais concreta e integrada na área da sustentabilidade. Por isso, quando me foi dada esta oportunidade, este desafio, senti que concretizei um sonho.
Neste momento, tudo é aliciante porque estou a começar um projeto novo, o da marca corporativa. Mas ao mesmo tempo estamos a recomeçar com o programa de sustentabilidade. É algo novo, não em termos do que fazemos, mas em relação ao objetivo de incorporar a estratégia no grupo todo. São ambas áreas aliciantes, com grande impacto e novos desafios.
Nós temos marcas comerciais muito fortes e queremos posicionar a Sogrape como empresa de referência neste sector. E a sustentabilidade é um pilar importante para construir esta reputação. É verdade que olhámos sempre para este tema. Mas é a primeira vez que existe uma estratégia integrada, com metas que têm de ser cumpridas.
3 PERGUNTAS SOBRE VINHOS
O que é um grande vinho?
É uma pergunta difícil. Mas um grande vinho… é aquele que quase conta uma história quando o estamos a beber, que nos leva para um lugar diferente. É aquele que nos fica na memória, que nos deixa um sabor para sempre.
Qual o melhor momento para o beber?
Isso depende. Um grande vinho tanto é aquele que me sabe bem em casa, com o meu marido ou amigos, porque gosto muito de os partilhar e ver as suas reações quando os bebem, como aquele que me faz companhia quando estou a ler um livro. Os momentos também contribuem para melhorar a experiência que temos com cada vinho.
Com que comida?
Para mim, o vinho vai bem com qualquer comida. Tanto adoro beber Mateus Rosé com sushi à beira mar, como um Legado com um bom assado no forno. São vinhos que nos remetem a lugares. Lembram-me onde os bebi e com quem, principalmente se a comida ajudar a garantir ainda mais a lembrança da experiência.