José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.
Atravessamos tempos virtualmente negros (retintos) de covid-19. Só não chamamos peste negra ao vírus que há um ano nos atormenta e corrói, porque a mortandade de hoje nem de perto nem de longe chega aos pés da que trouxe a pandemia negra do século XIV (1346 a 1353).
Estima-se que a peste negra tenha levado a população mundial total à época a decrescer de 475 milhões para uns 300 a 350 milhões de habitantes! Calculem a percentagem de gente que morreu então, e apliquem-na ao número de habitantes que a Terra tem hoje. Terrível, e por isso os políticos em todo o mundo entraram em paranóia com a antevisão apocalíptica do que poderiam ter de vir a enfrentar…
Se em termos de número de vítimas os efeitos da covid-19 não serão sequer próximos dos da peste negra, serão certamente tão ou mais terríveis em termos de equilíbrio emocional, económico e mesmo sanitário a longo prazo (desconhecemos o comportamento das sequelas de saúde que perdurem no tempo), na sociedade moderna, globalizada e conectada em que vivemos hoje.
Em tempos assim, em que somos literalmente bombardeados com notícias que nos apavoram e abalam, qualquer notícia positiva, boa, e que sublinhe que a Humanidade ainda tem esperança, pois o bom senso, com maiores ou menores dificuldades, continua a vencer a luta entre o Bem e o Mal, enche-nos de júbilo. Já lá vamos, deixo a cereja para o final…
Decidi tratar dois temas que me são especialmente caros (corrupção e liderança no feminino) num só artigo, por razões que espero poder explicar de forma convincente, transparente e clara. Muitos dos argumentos que uso serão empíricos, não tenho estatísticas para os sustentar, mas quem conseguir acompanhar o meu raciocínio certamente concordará comigo.
A primeira tese que defendo é que estejamos a dar um passo gigantesco para a erradicação da corrupção na nossa sociedade, porque as mulheres são muito menos propensas a deixar-se arrastar para o mundo das malas de dinheiro vivo, do que os homens.
Depois de um tempo de ausência (maldita pandemia…) da minha rede social preferida para contactos profissionais e formação, o LinkedIn, voltei há umas quantas semanas a passar algum tempo diário na minha atualização pessoal, por um lado, e na disseminação de informação em determinadas áreas que considero relevante partilhar com amigos e seguidores (tudo o relativo a seguros, ao mercado imobiliário, e à promoção do meu adorado Portugal, o melhor país do mundo).
Um dos aspetos que mais me tem chamado à atenção no LinkedIn, é o anúncio de um número crescente de mulheres a ascender a posições de liderança em empresas de todo o tamanho e feitio em Portugal. Provavelmente, ainda não seja estatisticamente relevante, mas acredito firmemente que seja uma tendência irreversível que, no limite, dentro de uns anos, levará a que uma maioria das empresas (pequenas, médias e grandes) tenha no topo a geri-la uma mulher. Torço para que o processo se acelere.
Chegado esse momento, a primeira tese que defendo é que estejamos a dar um passo gigantesco para a erradicação da corrupção na nossa sociedade, porque as mulheres, por predisposição genética, ou outra qualquer que nem me atrevo a explorar, são muito menos propensas a deixar-se arrastar para o mundo dos “caixa 2”, ou das malas de dinheiro vivo, do que os homens.
Este é mesmo um bom tema para os especialistas universitários explorarem em estudos académicos que possam ter relevância e aplicabilidade na nossa sociedade. E adorava ouvir a opinião desassombrada das leitoras e leitores da Executiva sobre este tema ([email protected]).
A minha justificação empírica pessoal para esta minha tese assenta em dois pilares.
O primeiro é porque para cada mulher que chega às páginas dos jornais por este motivo (não consigo arranjar um único nome de mulher apanhada em esquema de corrupção em Portugal para aqui poder citar), já antes apareceram centenas ou mesmo milhares de nomes de homens que foram apanhados a meter a mão no “cookie jar”, adorável expressão americana para definir aquilo que os corruptos fazem (meter a mão na caixa de bolachas)… quer como corrupto, quer como corruptor.
O segundo pilar da minha tese é que estou quase a acabar de ler um livro escrito magistralmente pela Malu Gaspar, escritora brasileira, com o sugestivo título “A Organização — a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo”.
Tirando a Dilma Roussef, que sucedeu a Lula, que sai pela tangente, e acredito que não se tenha beneficiado pessoalmente dos esquemas (ao contrário do Lula, como está explícito preto no branco no livro), não há um único nome de mulher mencionado nas mais de 600 páginas do livro! São, no entanto, às dezenas e dezenas os homens envolvidos nestes esquemas de corrupção magistralmente explicados no livro, que só foi escrito graças à legislação de “delação premiada” que existe no Brasil, e que permitiu a muitos dos envolvidos nos esquemas de corrupção chegarem-se à frente, delatar circuitos, entregar papéis, explicar os esquemas, e obviamente dar o nome dos que deles se beneficiaram!
Importei o livro do Brasil, e duvido muito que ele venha a ser publicado cá… Substituindo o nome dos dirigentes partidários brasileiros citados com todas as letras, que andavam a angariar “fundos para os respetivos partidos” (e que pingavam para a conta pessoal deles nos off-shores e na Suíça também), pelo nome de alguns dos nossos angariadores de mala de “fundos” partidários de PS, PSD, CDS, etc., e substituindo o nome de alguns políticos deles, a começar pelo Lula, pelo dos correspondentes políticos portugueses, aquilo é uma cópia a papel químico dos esquemas que aconteceram em Portugal (e certamente perduram) entre as construtoras do regime (temos claramente uma Odebrecht em Portugal também), sucateiros, futebol (a construção dos estádios do Mundial no Brasil, do Euro-2004 em Portugal…), e os políticos da nossa praça. A um dos principais “maleiros” angariadores de “caixa2 ‘pó partido” apanharam-lhe na conta pessoal 150 milhões de dólares…
O futuro dos nossos filhos e netos é demasiado importante para ser deixado nas mãos destes “old boys networks”.
A corrupção é o cancro socialmente mais injusto que pode infetar uma sociedade. Recursos pertencentes à coletividade são apropriados por um grupo relativamente pequeno de pessoas que detém o poder, ou gravitam à volta dele.
Num estudo recente que me chegou de uma fonte insuspeita, o Parlamento Europeu, em que apresentam resultados detalhados sobre os recursos que a corrupção consome em cada país europeu, Portugal aparece miseravelmente colocado.
Todos os anos desaparecem em Portugal, perdidos para a corrupção, calculado por baixo, uns 18.2 mil milhões de euros, ou 7.9 % do PIB! Para verem o grave que isto é, este valor corresponde ao que a nossa economia perdeu em 2020 por conta da crise gerada pelo covid-19! Ou seja, se não houvesse corrupção a devorar recursos da coletividade em Portugal, podíamos ter encerrado o ano de 2020 em “break even”, e usado esse dinheiro para salvar empresas e empregos! Num ano normal estaríamos a produzir superávites sucessivos, a aliviar a economia da brutal carga fiscal que a sufoca, a eliminar dívida, e a investir no futuro dos nossos filhos e netos !
Por isso, e porque ninguém me consegue abalar na crença que tenho quanto à solidez dos dois pilares da minha tese, que sustenta que as mulheres são menos corruptas (e muito menos corruptoras) que os homens, espero que não demorem muitos anos para podermos ver uma ampla maioria de mulheres a liderar nas empresas e… na política ! O futuro dos nossos filhos e netos é demasiado importante para ser deixado nas mãos destes “old boys networks”.
O mundo tem salvação sim! Step by step, one Mori at the time!
Mas aquilo que nestes dias me encheu realmente as medidas, e que passou quase inadvertido na imprensa portuguesa, cada vez mais vocacionada para servir os interesses particulares dos “spin-doctors” dos partidos do atual arco de governação (por isso a nossa imprensa está a morrer), foi a notícia sobre a mudança de liderança do Comité Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Para quem não leu nada sobre o tema, este Comité estava obrigado a obedecer a regras estritas e pre-definidas de igualdade de género na sua composição. Ora bem, o Presidente do Comité, um senhor chamado Yoshiro Mori, disse esta pérola numa reunião de direção, para justificar o facto de não querer mais mulheres no Comité: “As mulheres falam demasiado. Em conselhos com muitas mulheres, as reuniões levam muito tempo. Se aumentarmos o número de mulheres, temos de garantir que o tempo que lhes dermos para falar é limitado. Elas não conseguem calar-se, o que é muito aborrecido.”
O coro de protestos, num país ancestralmente tradicionalista e machista como o Japão foi de tal ordem, que o homem se teve mesmo de demitir. E pela primeira vez na História do país, uma mulher, Seiko Hashimoto, é a nova presidente do Comité Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio! O mundo tem salvação sim! Step by step, one Mori at the time!
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