Jill Ader é a chairwoman global da Egon Zehnder, firma de executive search onde ao longo da última década desempenhou diversas funções globais de liderança. Lançou a CEO Practice e liderou o escritório londrino, sendo responsável pela Global Consumer Practice. Mais recentemente fundou o Executive Breakthrough Program e o Discovery Program for CEO, com o objetivo de desenvolver e transformar os líderes, ao abrigo de uma parceria com a Mobius. Com um MBA da London Business School, antes de ingressar na Egon Zehnder, Jill Ader trabalhou no retalho, consultoria estratégica e venture capital.
Para assumir as novas funções, Jill mudou-se com o seu marido Roger – com quem tem 3 filhos já adultos – de Londres para Zurique. Nos tempos livres, gosta de passar tempo com a sua família, no campo, a passear os seus cães e a jogar ténis.
Esteve em Portugal para a comemoração dos 30 anos de atividade do escritório de Lisboa da Egon Zehnder e nessa ocasião deu a seguinte entrevista à Executiva, em que partilha o seu entusiasmo pelo desenvolvimento de líderes e em que defende que hoje os líderes devem perguntar tanto “o que pensa” como “o que sente”.
Quais são suas prioridades no trabalho?
A primeira é garantir que estamos a servir os clientes globalmente nas suas necessidades de liderança. Neste momento, a liderança está a mudar muito rapidamente. Portanto, ajudá-los a compreender o que envolve ser-se líder nesta era complexa é um desafio. E isso inclui ir muito além do search [pesquisa de executivos] até à consultoria de liderança, sendo muito fortes nessa área.
A segunda seria a nossa própria cultura. Conectar as mulheres globalmente em 69 escritórios, mais do que pensávamos ser possível. E a diversidade também faz parte disso, na verdade, porque somos bons nessa área, mas ainda temos muito trabalho a fazer.
Como descreve a realidade da Egon Zehnder International em termos de género?
As mulheres são cerca de 34% dos nossos consultores, o que é bom, mas não é suficiente bom. Se pensarmos na nossa indústria, porque é que sou a primeira líder feminina das big firms? É uma loucura, considerando o que fazemos em termos de diversidade e inclusão. Ainda há muito que fazer.
Com a ajuda dos meus colegas, convenci-me a concorrer, mas não esperava vencer a eleição.
Para ser eleita, desafiou a tradição e o CEO que esperava tornar-se chairman. Por que razão decidiu candidatar-se à função? Por favor partilhe a história com as leitoras da Executiva, pois consideramos que é muito inspiradora, atendendo a que as mulheres raramente se candidatam a funções.
A tradição sempre foi o CEO tornar-se o chairman e realmente eu interrompi essa tradição. Interiormente senti-me muito constrangida e acho que, todos nós, na empresa, nos sentimos muito desconfortáveis porque antes nunca houvera uma eleição para presidente.
Sempre dissemos aos nossos partners: “Este será o nosso próximo presidente, levantem as vossas mãos” e todos levantávamos as mãos. Demorei muito tempo a decidir se me candidataria. Os colegas incentivaram-me a fazê-lo, mas eu tinha aquela ideia tipicamente feminina: “oh, eu não consigo fazer isso, é maior que eu”, minimizava-me. Eu diria que duas coisas se passavam comigo. Uma delas é que sou muito introvertida, e essa introversão estrangulava a minha identidade e estava a limitar-me. A outra era o crítico interno que repetia: “não és suficientemente boa para nisto” ou “não és suficientemente boa naquilo”. Mas, no final, senti muito fortemente que, em termos de governação, precisávamos dividir a liderança da empresa permanentemente e senti que os partners precisavam de ter escolha e uma voz sobre quem seria o chairman. Com a ajuda dos meus colegas, convenci-me a concorrer, mas não esperava vencer a eleição, por isso estava muito calma quando os resultados foram anunciados.
Quando percebeu que tinha ganho, ficou assustada?
Provavelmente, havia um pouco de receio. Eu imaginei que seria um papel muito solitário, mas essa não é de todo a minha experiência. Prometi que visitaria todos os nossos 69 escritórios espalhados pelo mundo em dois anos, por isso estou a ver muitos clientes da firma e colegas, e não pareço sofrer com o jet lag: uma semana no Brasil, seguida de uma semana na Índia, e agora aqui – eu acho que isso é revigorante.
Adoraria ver muito mais mulheres líderes. Do que tenho mais medo é de falhar, porque não quero fazer um desserviço às mulheres que aspiram a papéis semelhantes.
Que conselho daria a outras mulheres que desejem chegar ao topo?
Por que não devemos ter ambição? Por que eu me perguntava: “Porquê eu?”, de forma negativa? Porque é que mais de nós, mulheres, não compartilham as nossas aspirações – e isso não diz necessariamente respeito a títulos, é sobre qual o impacto que deseja ter no mundo, na sua organização?
Não temos role models (modelos inspiradores), há poucos modelos, e isso é difícil. Temos mentores que são ótimos, mas, por vezes, você supera o seu mentor. Eu superei o meu mentor, pois ele achou que eu não deveria concorrer.
Acho que temos que de ter estas conversas e de nos encorajar umas às outras. E temos que olhar para a mudança de identidade que está envolvida. Eu era uma pessoa orientada para o cliente, era membro do board, mas não era presidente, e estou realmente a entender o que essa mudança de identidade significa. O Roger e eu mudámo-nos de Londres para Zurique, a família vem visitar-nos e gostam da Suíça. Acho que nos estamos a começar a acostumar a falar sobre as nossas aspirações, sobre qual é a mudança de identidade necessária. E procurar as razões pelas quais poderíamos fazer isso, e não procurar todas razões por que não poderíamos. Encontre outras mulheres felizes em ter estas conversas. Mas muitas pessoas que me incentivavam eram colegas do sexo masculino, por isso não é apenas uma questão de diversidade.
Adoraria ver muito mais mulheres líderes. Acho que do que tenho mais medo é de falhar, porque não quero fazer um desserviço às mulheres que aspiram a papéis semelhantes.
Agora as boas ideias podem vir de qualquer lugar. Por isso, o líder precisa de ser inclusivo, precisa de se afastar de qualquer pedestal.
Há muito que a Egon Zehnder não é, apenas, uma empresa de executive search, aconselhando os clientes em questões de liderança e de governança corporativa – numa posição privilegiada para partilhar, o que é que, na sua visão, está a mudar no nível cimeiro da gestão empresarial?
Eu penso que o contexto em que os líderes estão a trabalhar é muito diferente. No passado enfrentámos situações de negócio complicadas; mas hoje elas já não são apenas complicadas, são definitivamente complexas. Portanto, não se consegue mais prever. É verdadeiramente difícil fazer um plano a três anos, por isso nem pense num plano a cinco anos. Nós falávamos muito em best practices, mas agora são apenas uma quimera.
Neste contexto, os líderes precisam de se acostumar a não saber as respostas – o que desafia os egos de muitos deles. A verdade é que, agora, as boas ideias podem vir de qualquer lugar. Por isso, o líder precisa de ser inclusivo, precisa de se afastar de qualquer pedestal. Temos que incentivar qualquer pessoa e que assegurar a segurança psicológica em que todos sentem que podem contribuir. Trata-se de sentir, em vez de conhecer; trata-se de experimentar, em lugar de lançar grandes iniciativas. É perguntar às pessoas o que é que elas pensam sobre algo, mas também o que é que elas sentem sobre algo. Penso que se trata de pensar de maneira a escavar de forma mais profunda emocionalmente, e isso exige mais humildade.
Considera que os líderes atuais estão preparados para este novo cenário?
Os líderes dos tempos complicados eram os líderes heróis que sabiam todas as respostas. Alguns deles têm-se mostrado dispostos a desafiarem-se a si próprios e a reinventarem-se, mas há muitos que, se começassem hoje, não teriam tanto sucesso porque confiam demais nos manuais.
Mas, cada vez mais, estamos a encontrar mais líderes que estão a perceber. Fizemos uma pesquisa global e 79 % dos CEO disseram: “Eu sei que preciso de me transformar para transformar a minha empresa”. Ou seja, eles estão a perceber isso e não estão a receber muita ajuda dos seus boards. Menos de um quarto disse ter recebido feedback útil de seus conselhos de administração; foram mais os que disseram ter recebido comentários úteis do seu cônjuge, não sobre se são um bom cônjuge, mas se são um bom CEO.
Eu sinto que há uma percepção maior de que, como diz o velho adágio “o que me trouxe aqui não me vai me levar ali”.
Nós realizamos programas de desenvolvimento de CEO e programas de desenvolvimento de comités executivos. Geralmente sou formadora em muitos deles e, cada vez que fazemos um novo programa, eu quase que suspendo a respiração e penso: “Será que eles realmente irão encontrar essa humildade e vulnerabilidade?”. E eles conseguem-no! De muitas centenas, recordo-me de dois ou três que não conseguiram ultrapassar os velhos hábitos. A maioria só quer fazer a coisa certa, mas não sabe como.
O atributo mais importante num líder é a curiosidade, acerca dos outros e de si mesmo.
Em termos de negócio, qual o peso dessa área?
O executive search representa 75% da nossa atividade, mas trabalhamos muito nas áreas do desenvolvimento individual, desenvolvimento de equipas, cultura, boards. Acredito que é preciso fazer ambas: não se pode colocar uma pessoa num ambiente complexo, numa nova função, e apenas esperar que tenha sucesso; tem de a ajudar a desenvolver-se, a desenvolver as suas equipas, a que os boards se acostumem a um novo CEO ou CFO. Na minha opinião, estas duas atividades não são separadas, devem muito naturalmente surgir juntas. O search é absolutamente essencial, mas é insuficiente.
Quais são os atributos mais importantes que os CEO devem ter?
Acho que o mais importante é a curiosidade. Se é curioso com os negócios, o mundo, as pessoas com quem trabalha, isso ajuda muito à diversidade e inclusão, porque é curioso acerca das diferentes vozes na empresa, é curioso sobre como as pessoas se estão a integrar e a desenvolver. Mas também precisa de ser curioso sobre si mesmo; se não o for, estará basicamente a limitar o seu próprio potencial. É ser curioso em tudo o que faz. Pensamos em competências para avaliar os líderes: por resultados ou estratégias, liderar uma equipa ou influenciar outras pessoas – todas elas melhoram se aumentar a sua curiosidade. Achamos que a curiosidade é a maior competência de um líder hoje em dia. E, a par disso, eu diria a humildade, para me afastar dos pedestais e dos títulos.
O género é um atributo colocado em cima da mesa quando fazem uma pesquisa de executivos?
Se observar quais são as características necessárias para conduzir a transformação, há coisas a que os sociólogos chamariam de “poder masculino” e “poder feminino”. O poder masculino é tipicamente drive, competição, capacidade analítica. As qualidades de poder feminino são tipicamente a empatia, compaixão, flexibilidade, intuição. Para conseguir a transformação necessária, a liderança precisa do feminino.
Todos os homens e todas as mulheres têm ambos. Só que os boards, os líderes, os responsáveis de Recursos Humanos, durante muitas décadas, apoiaram-se no masculino, e não no feminino. Portanto, as grelhas de avaliação de um líder são construídas com base em traços masculinos, e não nos traços femininos, transformadores.
Um dos grandes problemas que temos é que estamos todos ocupados a contar a diversidade – e eu sei que as quotas desempenham um papel real. Mas não é apenas contar as mulheres, é fazer com que as suas vozes contem.
Observamos repetidamente que se espera que as mulheres se adaptem. Mas se se adaptam e adotam os traços masculinos, acabamos novamente sem diversidade. Portanto, a conformidade é uma grande ameaça e essa é uma das coisas sobre as quais conversamos muito com líderes e com boards.
A presença de mulheres ao redor da mesa do board faz aparecer o melhor dos homens.
Outra questão é que, para que a sua presença tenha impacto, deve haver um mínimo de representação de mulheres no board.
Acreditamos na magia dos três – há um excelente artigo sobre isso. Quando fazemos reviews da eficácia do board, vemos que a presença de mulheres ao redor da mesa faz aparecer o melhor dos homens. Elas fazem perguntas diferentes e acho que, geralmente, você recebe, apenas apresentando coisas em diferentes visões.
Se estivéssemos nos Estados Unidos, estaríamos a falar de etnias, de formas diferentes de pensar, de maneiras diferentes de ver as coisas. É realmente muito difícil que uma só mulher faça a diferença. No nosso Conselho de Administração e no nosso Comité executivo temos cerca de 42% de mulheres, e isso faz a diferença.
Com a Lei das Quotas, em Portugal, observa-se que as mulheres estão a entrar nos boards, mas sobretudo como administradoras não executivas.
Há um ditado masculino muito antigo que diz, “estamos a roubar ao Peter para pagar ao Paul”. As mulheres desistem e dizem: “Nunca vou chegar ao topo desta organização, ninguém está a pensar sobre o meu desenvolvimento, mas estou a receber todas estas chamadas para ingressar nos boards”, e, no final, dizem: “Entrarei nos boards porque eles me querem”. Mas temos um problema porque estamos a retirar as mulheres de funções executivas, do pipeline executivo. As empresas precisam investir muito no desenvolvimento das mulheres que têm.
Quando fazemos os nossos programas de desenvolvimento de CEO e de Comissões executivas, convidamos as pessoas a participarem dos programas. Se convidarmos um homem, rapidamente chega a um “sim”. As mulheres, infelizmente como eu, são os seus próprios maiores inimigos e diremos: “Não posso pedir esse investimento em mim” ou “Não tenho certeza se posso ser a CEO” e descobrimos muitas razões pelas quais não devemos fazê-lo. Por exemplo, tínhamos três pessoas num programa, todas candidatas ao mesmo cargo de CEO, e a mulher disse: “Não serei eu, eu nunca vou conseguir esse cargo, os outros são ótimos”, mas ela acabou de ser nomeada CEO dessa empresa.
Também precisamos que as mulheres ajudem outras mulheres. Quando assumem cargos seniores, precisam de investir na ajuda às gerações de mulheres que vêm a seguir. É decepcionante, pois isso nem sempre acontece.