Joana Queiroz Ribeiro: “Gostava de gerir pessoas como se fosse um fato à medida”

A diretora de Pessoas e Organização da Fidelidade fala-nos nos atuais desafios dos líderes e de gerir pessoas numa grande empresa, recordando ainda a sua carreira de 25 anos na Unicer. Para Joana Queiroz Ribeiro as organizações terão de se transformar e construir, com os seus colaboradores, relações baseadas na confiança.

Joana Queiroz Ribeiro é Diretora de Pessoas e organização na Fidelidade.

Como é que uma engenheira alimentar acaba a gerir pessoas, comunicação, relações institucionais e responsabilidade social numa grande empresa? E como é que, ao fim de 25 anos de carreira consolidada aí, resolve que é tempo de mudar para se dedicar a outras áreas e, aos 50 anos, começar carreira num setor complexo e para ela desconhecido, como é o dos seguros? Natural do Porto, Joana Queiroz Ribeiro começou a carreira na Unicer, logo após terminar a licenciatura em Engenharia Alimentar na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica. Começou como técnica de qualidade no departamento de qualidade industrial e, dois anos depois, já supervisionava as áreas de legislação, documentação e higiene. Ao longo dos anos, assumiu ali várias responsabilidades: em 1998 já era responsável pelos sistemas de qualidade da empresa e três anos depois convidaram-na a dirigir a área de comunicação e relações institucionais. Em 2008 passava a diretora de Pessoas e Comunicação. Para ela as duas áreas são indissociáveis.

Em 2014 decide abandonar a empresa para se dedicar a projetos independentes enquanto consultora nessas áreas. Percebeu que não seria por aí o caminho porque precisa de trabalhar em equipa, diz, mas no início de 2015 aceita o desafio de uma mudança radical de setor, assumindo o cargo de diretora de Pessoas e Organização na Fidelidade. Nos seguros descobriu um setor “muito complexo e apaixonante” pelos desafios que lhe tem lançado nos últimos três anos, sobretudo no que toca à forma de gerir pessoas nas organizações, apontando para um rumo futuro, e de como comunicar dentro das empresas, num mundo em que a retenção de talento e o alinhamento entre os valores dos colaboradores e a missão e cultura da empresa nunca foi tão importante.

Recentemente, Joana Queiroz Ribeiro foi a convidada da conferência “People & Management”, ciclo de palestras organizadas pela AESE Business School e destinadas a direções de Recursos Humanos e Capital Humano, com o objetivo de fomentar o debate sobre a tomada de decisão na gestão de pessoas nas organizações, promovendo ainda o networking entre pares. Sob o mote “Comunicar, comunicar, comunicar”, a sua intervenção centrou-se no papel da comunicação interna nas organizações, na sua importância em promover o envolvimento dos colaboradores e em como geri-la de forma a que seja eficaz. No final, ficámos para falar com a executiva.

Fala muito sobre as responsabilidades de quem lidera, nomeadamente no que toca à comunicação com as suas equipas, à motivação e gestão de talento. É mais difícil ser líder nos dias de hoje do que há uns anos?
Os desafios que os líderes têm nas organizações são, hoje, talvez mais complexos, mas mais interessantes. Num passado mais ou menos recente, vivíamos com menos incertezas, conseguíamos planear mais e comunicávamos esses planos às nossas equipas. Trabalhávamos mais preocupados com as competências técnicas do que com as aptidões das pessoas para viverem neste mundo, que acaba por ter desafios que exigem mais do papel dos líderes. Na minha opinião um líder aponta o caminho, é o exemplo, ensina e faz crescer a sua equipa; está lá para ela, – pede para arriscar e deixa errar – ensinando em cima desses erros. Por isso é que penso que hoje é muito mais apaixonante assumir esse papel dentro das organizações.

A Fidelidade é uma empresa muitíssimo interessante, e hoje ainda mais pela complexidade que tem em termos de negócio e pelos desafios que estamos a enfrentar. Precisamos muito de analíticos, de pessoas que saibam resolver problemas complexos, de pessoas com capacidade de tomada de decisão. Se há setor onde essas competências são decisivas é o dos Seguros. Este é um negócio que vive em cima de previsões e, nesse aspeto, estamos muito bem preparados. Os grandes desafios dos líderes passam por ajudar a desenvolver as competências comportamentais necessárias no mundo em que vivemos hoje, onde os contextos mudam todos os dias e as variáveis são imensas. Tudo isto exige uma grande transparência, uma capacidade enorme de comunicação com as equipas, de as saber ouvir, de estar alinhado com as necessidades da organização, ter os alicerces muito claros e saber apontar o caminho — o propósito, a missão e os valores são a estrela que nos guia hoje, nas organizações.

Quais são, para si, os grandes desafios na forma como as grandes empresas comunicam internamente?
Na minha opinião há dois grandes desafios. Um deles é fazer com que, internamente, os líderes sejam comunicadores com as suas equipas, alinhados com a estratégia da organização — trabalhar o papel do líder, pedindo-lhes que “não se esqueçam de partilhar e de ouvir muito”. O outro é percebermos que as pessoas dentro das empresas são muito diferentes umas das outras; temos perfis diferentes e não queremos todos ouvir nem saber as mesmas coisas. Há aqui um desafio muito grande e para o qual ainda não conheço uma receita perfeita, que é o de criar grupos, personas dentro da organização, com quem possamos comunicar o que eles querem ouvir.

Na nossa equipa temos uma área de analytics, porque acreditamos muito que precisamos de pensar como vai ser a nossa força de trabalho, no futuro, e como nos vamos organizar. Para isso precisamos de números e dados. Estou sempre a dizer que gostava muito de começar a gerir pessoas dentro da organização como se fosse um fato à medida. Não estamos aí ainda, mas é o meu sonho. Uma mãe ou pai jovem, por exemplo, que queira ir buscar os filhos ao colégio — porque não há-de sair mais cedo trabalhando a partir de casa depois? Esta é a forma como acho que vamos ter de aprender a gerir no futuro. As organizações vão ter que fazer uma mudança; temos que nos adaptar ao novo mundo em que vivemos. Na minha opinião, tudo isto implica construir uma cultura de confiança — tenho que confiar na organização onde estou, mas a organização tem de puder confiar em mim. Estamos a alicerçar muito daquilo que fazemos na confiança e por conseguinte na responsabilização.

“As organizações vão ter de se adaptar ao facto de terem gerações diferentes porque precisamos como nunca dos conhecimentos das pessoas que têm mais anos de experiência. Temos que trazer pessoas mais novas, sim, mas precisamos muito das que têm mais anos de ‘casa’…”

Para uma empresa como a Fidelidade, com uma média de idades mais elevada e com o peso de uma grande organização, como se recruta e retém talento jovem — os “sub-30”, como refere?
Eles não são todos iguais — e ficam muito zangados quando os trato a todos, apesar de ser num tom carinhoso, por “miúdos”. Há no entanto uma característica comum, já nasceram nesta geração de correria. É importante ouvi-los e percebê-los porque para eles é importantíssimo aprenderem muito e depressa. Acham que, ou isso acontece, ou aquilo que aprenderem hoje já não lhes vai servir amanhã. É difícil retê-los porque estão sempre muito abertos a novas experiências e realidades, mas as apostas que temos feito passam por integrá-los bem na organização.

Temos um programa de mentoring, onde temos pessoas com muita experiência, e conhecimento riquíssimo como mentores destes jovens, com o papel de os orientar dentro da organização, passar conhecimento, discutir dúvidas e refletir sobre elas. Estes mentores não são chefes hierárquicos. Ao mesmo tempo, os mentores estão a “aprender” com os seus mentees a gerir os jovens que têm dentro das suas áreas. Este diálogo intergeracional é cada vez mais importante nas empresas, como é nas nossas famílias também.

As organizações vão ter de se adaptar também ao facto de terem gerações diferentes porque precisamos como nunca dos conhecimentos das pessoas que têm mais anos de experiência. Temos que trazer pessoas mais novas, sim, mas precisamos muito das que têm mais anos de “casa”, porque têm experiência de vida e os valores da cultura da empresa. São quem nos pode ajudar nesta transformação que vivemos hoje em dia. Uma das coisas que penso que, de alguma forma, tem feito com que as pessoas fiquem connosco na Fidelidade, é esta noção clara do caminho para onde vão, de se identificarem com os valores. De verem acontecer. Na altura dos incêndios de Pedrógão, os colaboradores reagiram superando-se — fomos para o terreno, levámos carrinhas com os números de telefone de apoio, estivemos lá desde o início para apoiar quem precisou… muitos nem eram nossos clientes… A nossa teoria hoje é fazer bem o Bem, estar lá. E isso prende os jovens porque se identificam com o que está por detrás da marca.

Onde é que a gestão de pessoas e a comunicação se tocam, em termos de funcionamento da organização e da forma como vê esta interligação?
Tenho uma opinião muito pessoal, que é sempre muito discutível: para mim, gerir pessoas é comunicar — hoje em dia, cada vez mais. Por isso tenho insistido sempre, e não acho que seja um detalhe, em não usar a expressão Recursos Humanos. A gestão de Pessoas implica a comunicação. Gerir pessoas é estar com elas, ouvi-las, convencê-las, ser exemplo para elas. Quando se diz que as áreas de comunicação e de gestão de pessoas devem estar no mesmo departamento é pela dificuldade de alinhamento entre direções e para criar foco. Hoje tive o desafio de vir aqui falar de comunicação interna e, no fundo, falei de gerir pessoas. Hoje em dia, este tema ganha relevância porque as fronteiras entre o que o que é interno e externo, no que toca à comunicação, são muito ténues. A distinção entre o que é pessoal e profissional… nós só temos uma vida: trabalhamos, namoramos, temos filhos, educamos, fazemos desporto, temos os media e as redes sociais. Por isso, o que queremos das pessoas, internamente, é que sejam embaixadores da nossa organização, que sintam para poderem vender apaixonadamente cá fora o que fazemos lá dentro.

O poder numa marca está muito nas pessoas que trabalham nela. Nunca mais me esqueço que, quando a minha filha começou a falar eu trabalhava na Unicer e uma das primeiras palavras que ela aprendeu a dizer foi “Bocki” — de Super Bock. Há dias ligou-me a elogiar o serviço do seguro Multicare, quando foi mandar fazer uns óculos e até escreveu sobre isso no Facebook — não lhe pedi nada e não me perguntou se o podia fazer.

Como é que se passa da engenharia alimentar à gestão de pessoas e de comunicação numa empresa como a Unicer?
Entrei na Unicer como engenheira alimentar para a área técnica e o primeiro grande desafio que tive logo foi com pessoas, porque fui arrancar uma linha de enchimento na fábrica de Santarém. Foi giríssimo, de fato de macaco com os homens nas linhas de enchimento. Depois tive outro desafio interessantíssimo, o da certificação de qualidade da empresa, fazendo uma parte mais burocrática e menos sexy de procedimentos e regras, mas que me permitiu trabalhar a comunicação e o envolvimento das pessoas. Chegava a ir à troca dos turnos, a meio da noite, para ouvir as pessoas desses turnos. Quando olho para trás agora, tudo aquilo que sempre me deu um grande gozo foi estar com as pessoas, ouvi-las e envolvê-las. No fim da fase de certificação convidaram-me para assumir a área de relações públicas, que era uma área pequena dentro da organização. Por conselho de um administrador da Carlsberg disse que não queria largar a qualidade logo, porque ainda não sabia bem o que me iam deixar fazer da área de relações públicas. Acabaram por me atribuir os dois pelouros: qualidade e relações públicas. Com o tempo fui percebendo que gostava mesmo era de trabalhar com pessoas. Desenvolvemos então uma área de comunicação interna, trabalhámos muito com o marketing, as relações institucionais apareceram pouco a pouco. Mais tarde veio a assessoria mediática, que me assustava imenso a princípio, embora hoje tenha grandes amigos jornalistas. O que fazia era dizer-lhes muito honestamente: “não percebo muito disto… ensine-me como é esta relação de jornalista com a empresa.” Ainda hoje rimos muito quando nos recordamos disto. Era uma área de que gostava muito.

Quando me convidaram para assumir os recursos humanos, em 2008, foi uma surpresa. A razão que me deram foi: “você conhece toda a gente na organização e todos a conhecem a si”. Então fez-se um clique e eu percebi que, afinal, se tratava de trabalhar com pessoas. Nunca mais esquecerei o que me disse o CEO da Unicer à altura – António Pires de Lima: “Joana, o truque é escolhermos, para as nossas equipas, pessoas melhores do que nós naquilo que fazem.” Até hoje nunca deixei de o fazer; tem-me dado liberdade para me distanciar das questões mais operacionais e dá-lhes a eles espaço para crescerem.

O que lhe custou mais nessa mudança de funções?
Não foi a parte técnica, porque tive esta lição de saber de quem precisava para cada área — muitos já lá estavam e todos eram melhores que eu naquilo que faziam. O que mais me custou foi o alargamento e complexidade de funções. É um desafio muito grande gerir pessoas. Uma coisa é gerir uma equipa de seis, outra é ajudar os lideres de uma organização a gerirem 2 mil. Tive o meu tempo de adaptação à função, ao início foi difícil e existiu aquela sensação de não ter tempo para nada e de estar perdida. Mas depois correu muito bem, por causa da equipa, da empresa onde estava e pela confiança que havia com os meus pares.

Tive a oportunidade de trabalhar numa empresa extraordinária, que me deixou crescer e ser ousada. Uma das minhas características é que sou bastante atrevida, desde miúda. Considero que tenho uma carreira muito engraçada, super inspiradora. Passei de cervejeira para gestora de pessoas e de comunicação e, agora, da distribuição para os seguros. Era um mundo completamente diferente, em ziguezague, mas sempre à volta das pessoas.

“Quando saí da Unicer, fiz duas experiências de consultoria enquanto freelancer para perceber como seria. Cheguei à conclusão de nunca iria conseguir trabalhar sozinha. Preciso de pessoas à minha volta, de debater com elas, sentir que trabalho em equipa.”

Como foi, para si, depois de 25 anos na Unicer, passar para o setor dos Seguros?
Não foi logo em seguida. Saí em 2014 e só entrei na Fidelidade em 2015. Quando saí, passava-me pela cabeça criar uma empresa e, fiz duas experiências de consultoria enquanto freelancer para perceber como seria. Cheguei à conclusão de nunca iria conseguir trabalhar sozinha. Preciso de pessoas à minha volta, de debater com elas, sentir que trabalho em equipa. Sou muito mais de relações e de ter pessoas comigo do que de estar sozinha no mundo dos negócios. Um dia gostava de voltar a pensar nisso, mas não sozinha.

Um dia, recebi um telefonema a dizer que tinham um desafio fantástico para mim e a perguntar se poderiam entregar o meu currículo. Respondi que sim, mas só porque confiava muito nessa pessoa, porque não estava à procura de emprego. Quando me disse que era no setor dos seguros achei mais uma vez estranho, mas hoje que estou muito apaixonada pelo projeto e pelo grupo Fidelidade.

Qual foi o principal desafio dessa mudança?
O setor em si. O facto de não conhecer o negócio. É um desafio muito interessante acompanhar a transformação deste negócio. Acreditamos que um dia destes seremos um prestador de serviços. Queremos ser ainda mais do que “vendedores” de seguros. Queremos estar cada vez mais próximos dos nossos clientes e ter para lhes oferecer os serviços de que precisam.

O que mais a apaixona no seu trabalho?
O que me apaixona naquilo que faço todos os dias é, claramente, contribuir para a transformação das pessoas. O que mais me inspira na organização é trabalhar numa empresa que anuncia uma coisa e faz. Alguém que anuncia um propósito — “para que a vida não pare” — e que lá dentro, no dia a dia, nos pergunta abertamente “o que estás a fazer para que a vida não pare? É o quê e a vida de quem?” Isto toca muito. A campanha de valores que vamos desenvolver vai ser muito em cima disto, pedindo às pessoas que nos digam o que fazem todos os dias para que a vida não pare.

Como lida com a mudança, a nível pessoal?
Tenho pensado muito no que me faz gostar de mudar, em ser uma pessoa que gosta de desafios e que não é tão avessa aos riscos.  Tive uma infância muito engraçada porque o meu pai fez carreira na magistratura. De três em três anos, no máximo, mudávamos de terra. Nasci no Porto, mas vivi em Castelo de Vide, Cascais, Felgueiras, Guimarães, Loulé, Lisboa e Porto. Sinto a mesma coisa nos meus irmãos. Mudávamos, normalmente, em janeiro ou fevereiro, a meio do ano letivo e tínhamos que nos habituar a novas pessoas, novo ambiente e novas escolas. Há muitas pessoas que mudam com facilidade e não tiveram esta vida. Mas para mim é normal mudar e acho que nos faz muito bem. Agora estou em Lisboa, mas vou quase todos os fins de semana para o Porto e Caminha, onde tenho parte da família e muitos amigos. Esta lógica de vida faz-nos criar relações em todo o lado e é engraçado.

“Na Fidelidade há uma forma de estar que me tem tocado particularmente e que tem sido também uma aprendizagem – a humildade. Estar nas organizações com humildade facilita a proximidade e torna a nossa experiência mais humana.”

Foi o melhor conselho de carreira que lhe deram?
Que um líder tem que ser um exemplo. Às vezes, no dia-a-dia, acabamos por não o ser, mas temos que voltar lá sempre. Tem que haver coerência, persistência e é disso que as pessoas estão à espera: que sejamos, um bom exemplo.

E, também, nos últimos anos na Fidelidade há uma forma de estar que me tem tocado particularmente e que tem sido também uma aprendizagem – a humildade. Estar nas organizações com humildade facilita a proximidade e torna a nossa experiência mais humana.

E que conselho deixaria a uma jovem profissional que queira fazer carreira na sua área?
É difícil eleger um conselho. Acima de tudo — e é algo que digo muito à minha filha de 23 anos —, se queres ser interessante, sê interessada. Ser curioso e atrevido, de alguma forma, traz ânimo e dinamismo às nossas vidas, nas organizações ou fora delas.

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