Com apenas três anos, 7 mil metros quadrados e mais de três milhões de visitantes o ano passado, o Time Out Market é um verdadeiro caso de sucesso. O critério da marca é simples: se é bom vem recomendado na revista, se é ótimo vai para o mercado. Com restaurantes, bares, uma academia de cozinha e até uma sala de espetáculos, o Mercado da Ribeira está vivo e recomenda-se. Conversámos com Ana Alcobia, diretora-geral do Time Out Market. Licenciada em Relações Públicas e Publicidade, começou por trabalhar na Sonae Sierra, no departamento de marketing de vários centros comerciais, até que em 2007 fez parte da equipa que lançou a revista Time Out Lisboa – inicialmente como diretora de marketing, acumulando, mais tarde, a direção comercial. Em 2010, fez o lançamento da Time Out no Porto e recebeu uma pequena participação da empresa detentora dos direitos da marca Time Out em Portugal. Integrou a equipa fundadora do espaço Time Out Market, inaugurado em maio de 2014, e hoje, após a venda da empresa ao grupo internacional da marca, é a sua responsável máxima. Tem 37 anos, é casada e tem três filhas.
Como surgiu a ideia de criar o Time Out Market?
A ideia nasceu praticamente desde o início da revista, em 2007, em Portugal, e foi de uma equipa de portugueses. À época, a Time Out era um mero franchising da marca internacional, mas era já uma revista de culto. Além disso, a Time Out sempre teve muita vontade de ter um espaço aberto para a rua onde pudesse contactar mais com os seus leitores, uma espécie de revista palpável. Depois do lançamento da Time Out Porto percebemos que tínhamos de ter uma ideia muito original pois o online, apesar de ser um plano a avançar, ainda não tem o mesmo retorno a que os media estão habituados. Começámos a perceber que, conforme as nossas críticas, fechávamos restaurantes e dávamos sucesso a tantos outros, bem como a espetáculos, workshops e conferências. Sabíamos exatamente quais é que eram as melhores pessoas para ter dentro de um único espaço e pensámos, “por que não abrir um espaço onde as pessoas podem ter o melhor de Lisboa?”. Desde uma discoteca até ao espaço de restauração, passando por uma sala de conferências e de concertos, nós sabíamos exatamente o que fazer, e foi assim que nasceu o conceito do Time Out Market. Chegámos a um espaço de 1 200 metros quadrados, mas acabámos por ficar com uma área de 10 000 metros quadrados, um espaço substancialmente maior e um desafio dez vezes superior àquele que tínhamos esperado, mas que, na realidade, mostrou ser o espaço ideal para a nossa ideia.
Que outros principais desafios enfrentaram no início e de que forma os ultrapassaram?
Todos aqueles que possa imaginar, desde a proposta para ganhar um concurso público, que foi um desafio interessante, até à falta de financiamento do projeto. A crise, a entrada do FMI em Portugal, a falência da empresa que estava a construir um parque de estacionamento ao lado do Mercado e o facto de nenhum banco ter acreditado na nossa ideia foram outros dos desafios com que nos deparámos. O projeto acabou por ser totalmente financiado por marcas e por investimentos próprios e, apesar de termos ganho a concessão em outubro de 2010, só conseguimos abrir ao público em maio de 2014.
Que balanço faz do projeto até agora?
O balanço é extremamente positivo. Em 2016 fechámos o ano com uma faturação total de 24 milhões de euros e tivemos mais de três milhões de visitantes.
“O marketing que fazemos é dirigido aos lisboetas, porque no dia em que os visitantes locais não estiverem aqui, os estrangeiros também não vão querer estar.”
Quais os momentos mais marcantes deste projeto?
Inicialmente, a parte comercial foi a mais difícil. É difícil explicar a mecânica de um espaço como este a pessoas que estão habituadas a ter uma loja de rua e que não estão familiarizadas com este tipo de operações. Quando entraram no espaço pela primeira vez, não tinha o aspeto que tem agora. O Mercado da Ribeira estava abandonado, extremamente degradado e tinha poucos lojistas, todos dispersos. A intervenção da Câmara Municipal de Lisboa foi fundamental, pois conseguiu reuni-los e integrá-los na oferta que nós estávamos a propor fazer. Além disso, foi feito um investimento de sete milhões de euros para a recuperação do edifício, pago na totalidade pela Time Out Market.
Qual é a representação de visitantes estrangeiros e visitantes locais?
Em época alta, temos 70% de visitantes estrangeiros e 30% de visitantes locais, mas o marketing que fazemos é dirigido aos lisboetas, porque no dia em que os visitantes locais não estiverem aqui, os estrangeiros também não vão querer estar.
Uma amostra do que de melhor se faz em Lisboa
Têm lista de espera para a entrada de novos restaurantes?
Sim, temos uma lista de espera para a entrada de novos restaurantes, mas não temos uma lista de espera muito comprida para aqueles restaurantes que queremos. O que realmente diferencia este espaço de todos os outros é a curadoria, o facto de haver conteúdo em tudo aquilo que é feito. Não é quem paga mais quem entra, mas sim o melhor naquilo que faz falta no mercado. Queremos os melhores e novas apostas. Para isso, recorremos a estudos de mercado e falamos sempre com a revista. Somos o único food court no mundo com três chefs galardoados com estrela Michelin, todas ganhas depois de os chefs chegarem ao mercado. Temos noção em quem devemos apostar e quais serão as grandes tendências.
O que é que o Time Out Market trouxe de novo ao setor da restauração em Lisboa?
Essencialmente, trouxe muito mais ao setor dos media do que ao setor da restauração. Ao setor da restauração trouxe experiência: o facto de as pessoas, ao vir fazer uma refeição, não fazerem uma refeição “pura e dura”, não estarem obrigadas a permanecer num só restaurante e poderem experimentar um bocadinho de cada um deles, com a garantia de que todos os restaurantes são espetaculares e têm cinco estrelas dadas por editores que conhecem muito bem o mercado do food & beverage. Não interessa a que sítio se vai dirigir porque de certeza que a experiência vai ser sempre muito boa. O Time Out Market é uma amostra daquilo que de melhor se faz em Lisboa.
Em relação aos media, penso que marcámos uma grande diferença pois, além de nos associarem ao mercado food & beverage, associam-nos também ao mercado imobiliário. Muito se fala de que o digital ainda não dá os resultados que são necessários e a verdade é que as pessoas não estão habituadas a pagar por conteúdos. Mas, na realidade, aqui as pessoas pagam pelos conteúdos que têm ao seu dispor e que são trabalhados. No fundo, a experiência que estão a usufruir advém exatamente desses conteúdos. Na minha perspetiva, o conceito do Time Out Market foi uma solução muito inovadora para aquilo que era um problema que se apontava aos media, principalmente à imprensa e, mais especificamente, à imprensa ligada à cultura. Hoje em dia, os conteúdos online gratuitos são mais do que muitos, mas que não têm qualquer tipo de qualidade. O que as pessoas ainda não se aperceberam é que todo o conteúdo que é dado gratuitamente obviamente não pode ser pago a quem os fez. Por ser um conteúdo muito difícil de rentabilizar, faz com que esse mesmo conteúdo não tenha muita qualidade. O Time Out Market foi uma solução que arranjámos para dar continuidade à marca e para continuar a ser aquilo que é hoje e que significa para o mundo inteiro.
“[A expansão] é um mundo em aberto. Nesta fase, e foi isso que um conceito como este permitiu, o mundo é uma porta aberta.”
Lisboa foi pioneira e agora o conceito vai ser implementado em Miami já em 2018. Porquê Miami e como vão adaptar o conceito a outra realidade?
Exatamente da mesma forma: é o melhor de Miami dentro de um só espaço. A Time Out tem em Miami conteúdo editorial e é uma cidade que está na moda por ser um destino muito fun e muito ligado à experiência, portanto fazia todo o sentido abrir um espaço destes lá. Além disso, é prioritário para a Time Out entrar no mercado americano. Isto acontece em Miami, como pode acontecer em todas as cidades do mundo, desde que elas tenham conteúdo editorial e um ADN muito relacionado com a cidade em que se encontram.
Que outros planos de expansão existem?
Cidades onde a Time Out se encontra que tenham conteúdos editoriais ou serem criadas estruturas editoriais para alimentar mercados. É um mundo em aberto. Nesta fase, e foi isso que um conceito como este permitiu, o mundo é uma porta aberta.
O mercado conquistou recentemente um prémio de inovação nos Prémios de Criatividade em Autopromoção e Inovação na revista Meios & Publicidade. O que é que este prémio representa?
Representa imenso trabalho e imenso esforço. Desde que abriu portas, o mercado tem sido um enorme sucesso, mas foi um processo muito complicado e que demorou imenso tempo. Foi tudo muito bem pensado e analisado para ser o sucesso que as pessoas veem. Ter um prémio de inovação, mais uma vez, dentro de muitos dos prémios que temos recebido nos últimos anos, foi e continua a ser ótimo por sermos considerados uma grande inovação. O último relatório imobiliário de uma das grandes imobiliárias do mundo classificou-nos como uma referência global, ou seja, não atribuía como referência um continente, mas sim todo o mundo. Tudo isto deixa-nos muito contentes.
“Tudo o que é difícil pode trazer resultados substancialmente melhores. Este reconhecimento só existe porque a certa altura da minha vida tomei a opção de a girar quase em 90º e transformá-la numa vida um bocadinho diferente daquela que tinha pensado.”
De que forma é que o seu percurso a ajudou neste projeto?
Nunca pensei voltar ao mercado imobiliário. A minha área de formação é Marketing e fiz início de carreira na Sonae Sierra, na gestão de centros comerciais. Depois acabei por abraçar a ideia de trazer a Time Out para Portugal e de abrir a revista semanal em Lisboa em 2007 e mensal no Porto em 2010, mas nunca pensei que voltaria a tomar conta de um espaço desta forma. Toda a experiência que eu trazia da gestão de operações e das necessidades que um centro comercial tem, consegui, de alguma forma, mesmo neste formato inovador e muito diferente, aplicá-la.
Que conselho de carreira deixaria a uma jovem executiva?
Tudo o que é difícil pode trazer resultados substancialmente melhores. Hoje, ver este reconhecimento, a evolução do projeto, recebermos pessoas todos os dias e ser um desafio, só existe porque a certa altura da minha vida tomei a opção de a girar quase em 90º e transformá-la numa vida um bocadinho diferente daquela que tinha pensado. Uma jovem empresária deve ser empreendedora e pensar todos os dias numa ideia que lhe possa trazer um negócio futuro próprio e torná-la numa grande empresária. O futuro está em cada uma de nós poder fazer a sua empresa com as pessoas em quem confia e nos projetos em que acredita. Acordar todas as manhãs e ir trabalhar para um projeto em que se acredita faz toda a diferença. Acredito também que nunca se deve deixar ou pôr de parte a possibilidade de ter uma vida pessoal mais ativa porque vale sempre a pena.