Susana Castelo: os desafios da mobilidade das cidades

Susana Castelo, CEO da TIS, defende que é preciso mais e melhor informação sobre uma rede pública de transportes credível, que seja uma alternativa real em relação ao transporte individual, mas defende que também é essencial uma mudança no comportamento das pessoas.

Susana Castelo é CEO da TIS.

Em 2050 a Terra deverá alcançar as 9 mil milhões de pessoas, das quais 70% deverá viver em zonas urbanas, o que fará crescer ainda mais ameaças como a gestão deficiente de resíduos, o congestionamento de tráfego e a poluição atmosférica. Por tudo isso, Susana Castelo, CEO da TIS, alerta que é preciso agir para que grandes zonas urbanas, como as do Porto e Lisboa, se tornem realmente sustentáveis.

A líder desta empresa de consultoria em transportes, inovação e sistemas com mais de 25 anos de atividade no mercado, salienta que já “está a ser feita muita coisa”, como, por exemplo, a expansão atual das redes de metropolitano e de metro ligeiro de superfície nas duas principais cidades nacionais, depois de anos de paragem, assim como a atual oferta de transporte público rodoviário, em particular nas áreas metropolitanas destas duas cidades, mas não chega. “Há mais veículos elétricos, a hidrogénio e gás natural, que são menos poluentes”, explica, “mas depois de ter havido uma retração da vontade política em avançar para um caminho mais sustentável em termos ambientais, ainda há muito trabalho a fazer”.

 

Desafios de gestão

Susana Castelo licenciou-se em Engenharia do Território no Instituto Superior Técnico, em 1996. Como começou por trabalhar na área de planeamento de transportes e gostou, sentiu que precisava de saber mais e fez uma pós-graduação sobre o tema na sua universidade. Mas teve o seu primeiro filho nessa altura, e não conseguiu desenvolver e entregar a tese, o que fez mais tarde, em 2008, já depois de vários anos a trabalhar na TIS. Para a construir, viajou até França e Inglaterra, países que tinham implementado projetos nessa área com abordagens diferentes, cujo conhecimento foi útil para o trabalho que queria produzir.

Para esta responsável, que precisa sempre de fazer qualquer coisa mais, até porque se aborrece com a rotina, o conhecimento é essencial. Procura sobretudo aquele que tem a ver com novas áreas de investimento da sua empresa, para suprir lacunas e superar desafios. Por causa das suas funções atuais, fez uma pós-graduação em Gestão na Universidade Nova de Lisboa, que lhe deu “mais pistas e alicerces”. Fez outra em mindfullness, que a “ajudou a posicionar e estruturar a minha vida, e o momento que estou”, conta. “Tenho sempre de estar a fazer coisas que, não sendo radicalmente diferentes, têm de ser o suficiente para me sentir desafiada”, diz

A TIS é uma PME com 30 pessoas que tem como clientes autarquias, alguns portos nacionais, a Comissão Europeia e empresas como a Brisa, Sonae Sierra, ANA e Ikea, entre outros. Esta consultora portuguesa especializada em transportes e mobilidade, abrange todos os modos e escalas. “Se, por exemplo, for necessário desenvolver um plano mobiliário de transporte que conjugue todos os modos, que inclua a estratégia para resolver os seus problemas, juntamos as peças todas de forma a que contribuam, entre outros, para a descarbonização e a melhoria da qualidade de vida das pessoas”, explica, acrescentando que a TIS faz também coisas de mais pormenor como estudos sobre deslocações pedonais ou cicláveis, ou o desenvolvimento de planos para implementação das redes que respondem melhor às necessidades das pessoas. “Como trabalharmos em todos os modos e escalas, temos a vantagem de podermos acrescentar a experiência que adquirimos nuns projetos, noutros”, explica.

Numa empresa com uma atividade complexa, o principal desafio diário da sua gestora “é resolver problemas, garantir o pagamento de ordenados, que as pessoas estão felizes e motivadas e a satisfação dos clientes”. São tarefas que implicam muita atenção e consomem tempo e energia. Mas, para Susana Castelo, é também muito importante perspetivar quais são os projetos e produtos que a sua empresa deverá desenvolver “e responder às novas necessidades que vão surgindo”.

 

A sustentabilidade das cidades

Não é fácil de implementar projetos de melhoria da sustentabilidade das cidades, já que estas também são as suas pessoas. Tanto as que nelas vivem, como as que nelas trabalham todos os dias. Por isso, decisões como a retirada de lugares de estacionamento, sobretudo em zonas em que os edifícios não têm garagens, preocupam naturalmente as pessoas e condicionam a decisão política.

“É preciso continuar a fazer o caminho, que levará a que haja disponibilidade de melhores transportes públicos e mais pessoas a caminhar, em cidades com menos poluição, ainda que continuem congestionadas”, defende Susana Castelo, já que não advoga uma mudança radical, que impeça a circulação de automóveis nas zonas urbanas. Mas considera ser “necessário chegar-se a um ponto de equilíbrio, ou Portugal arrisca-se a ficar muito aquém de cumprir os requisitos necessários para conter as alterações climáticas”. O país tem de reduzir as emissões de CO2 em 35% até 2030 e chegar à neutralidade carbónica até 2050. Como Lisboa, Porto e Guimarães anteciparam essa meta para 2030, “não é com as soluções do costume que chegamos lá. Vamos ter de ser atrevidos”, afirma.

Mas quaisquer que sejam as soluções encontradas, o que é essencial é que o sejam mesmo, e que haja alternativas úteis para as pessoas se deslocarem nas cidades com comodidade, quando necessitam, e num período de tempo viável e exequível, o que não acontece agora.

Os transportes podem ter horários, mas raramente são cumpridos, a intermodalidade existe em termos físicos, mas não há emparelhamento dos modos de transporte. Para além disso, não há rotas alternativas que coloquem todos os pontos das cidades à mesma distância em termos temporais. Ir, por exemplo, da Ramada, no concelho de Odivelas, a Algés, no concelho de Oeiras, demora duas horas de transportes públicos e 10 a 15 minutos de automóvel, já que há uma via rápida a ligar os dois concelhos. E também não há informação disponível sobre os transportes públicos que permita, aos utentes, saber quais são as alternativas para se deslocarem de um ponto para outro e poderem fazer escolhas mais lógicas.

 

Falta de informação

Como explica Susana Castelo, há uma grande aposta na melhoria dos equipamentos, na bilhética, mas não uma oferta credível de autocarros, comboios e metropolitanos que permita, a quem precisa de deslocar nas cidades portuguesas, deixar o carro em casa. “E nem é tanto o tempo que demora cada viagem, porque as pessoas adaptam-se se for um pouco superior, desde que possam prever os seus percursos”, diz a gestora, acrescentando que, para além da incerteza em relação às escolhas, aquilo que tem falhado mais é a disponibilidade de informação. “Há, claramente, uma aposta nas infraestruturas nos últimos anos. Mas se queremos mudar a forma como nos deslocamos, temos de disponibilizar informação credível e dar enfase à previsibilidade e ao cumprimento dos horários”, defende.

Há um par de anos foi criada uma autoridade mobiliária de transportes, “com equipas muito capacitadas para perceber o que está a funcionar bem, mal e o que se pode melhorar”, conta Susana Castelo. Em parte, essa melhoria passa por um melhor planeamento, a implementação de tecnologia, a intervenção nas vias de trânsito e a melhoria dos transportes públicos.

O que se fez primeiro é conhecido: a redução do preço do passe de transportes, que custa agora 30 euros para andar em todos os transportes da capital e 40 para a Área Metropolitana de Lisboa. E, para algumas pessoas de alguns concelhos é grátis ou tem um preço ainda mais barato.

 

Mudança de comportamentos

Mas a mudança de paradigma da mobilidade nas cidades implica muito mais do que isso, como já se falou atrás e, também, “alterações no comportamento das pessoas, incluindo pais, autarcas e comunidade escolar”, defende Susana Castelo. Mas para que isso aconteça é preciso encontrar soluções cirúrgicas e não para um conjunto abstrato de pessoas, o que implica mais conhecimento. Por exemplo, sobre as necessidades específicas dos alunos de cada escola, para saber o que precisam para poderem andar mais a pé, bicicleta e transporte público. “É um trabalho que estamos a desenvolver e nos dá muito prazer fazer, em que procuramos ajudar a resolver problemas para que as cidades e vilas funcionem melhor”, conta Susana Castelo, acrescentando, ainda, que espera que o trabalho da sua empresa contribua para que os nossos filhos e netos possam andar mais a pé. “Uma rua com crianças é uma rua diferente”, conclui.

 

 

Susana Castelo na 1.ª pessoa

Qual a forma de gerir de Susana Castelo?

 Procuro ser otimista e conciliadora. Além disso, tenho de saber a quantas andamos na empresa. Pior do que um mau contexto é não saber em que contexto estamos. Por isso, tento estar sempre a par dos indicadores que me permitem avaliar como é que está o negócio, as pessoas, a forma como nos posicionamos.

O que é que nunca pode acontecer na empresa?

Entregar, a um cliente, um trabalho que se sabe que está mal feito. Uma coisa é não reparar numa falha, que podemos pedir para retificar. Mas se sabemos que existe, não podemos entregar o trabalho.

 

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