Sara Rego: “Um administrador virou-me as costas numa reunião”

Sara Rego é diretora-geral da 123Reg, no Reino Unido. Começou a carreira em Portugal, mas há muito que vive e trabalha em tecnologia em Londres. Faz parte da minoria de mulheres com funções de liderança nesta área, mas não foi fácil fazer-se ouvir num mundo maioritariamente masculino. Ter pedido ajuda a outra mulher, que já passara pelas mesmas dificuldades, foi fundamental.

Sara Rego é diretora geral da 123Reg, uma empresa do Grupo GoDaddy.

Sara Rego deixou Portugal há 10 anos com o sonho de ir trabalhar para o Facebook. Escolheu uma das cidades onde isso lhe parecia mais exequível, Londres. Não trabalhou no Facebook, mas está satisfeita com o percurso que tem feito. Saiu de Portugal como gestora de produto na MEO e em três anos chegou a diretora-geral do K2 Group, que opera na área da internet e oferecem desde domínios, a servidores partilhados, VPS e servidores dedicados. Hoje lidera a 123Reg, empresa com mais de 250 funcionários e o maior registador de domínios do Reino Unido.

Confessa que a adaptação a um novo país não foi fácil, mas está convencida que escolheu bem. “O Reino Unido tratou-me bem, trabalhei muito, trabalho muito, mas tenho sido recompensada.”

Mas nem tudo foram rosas no percurso de Sara Rego. Perdeu uma promoção porque estava grávida, foi muitas vezes a única mulher em reuniões de boards e chegou a ver as suas opiniões ignoradas pelos pares masculinos. Como nunca acreditou que ser mulher defina que há áreas onde não devemos entrar, procurou a ajuda de outra mulher que já passara pelas mesmas dificuldades. E foi assim que aprendeu a ser respeitada num mundo onde os homens continuam em maioria, a tecnologia. Uma área que entrou na sua vida por acaso, mas hoje não se imagina a trabalhar noutra. Chama a atenção de que quantas mais mulheres entrarem na tecnologia, menos masculina esta área será. Para mudar o estado das coisas defende que é fundamental que as mulheres se apoiem entre si, mas sem alienar os homens. “É preciso o apoio de todos para alcançar a igualdade”, afirma.

 

Como foi o seu percurso até chegar à liderança do maior registador de domínios do Reino Unido?

Comecei a trabalhar em 1995 na MEO, do Grupo Altice, na área das telecomunicações móveis, onde entrei uma semana antes de esta empresa lançar o Mimo, o primeiro cartão pre-pago do mundo, e quando ainda só tínhamos telemóveis analógicos fixos. Em 2007, saí da MEO e entrei no mundo das telecomunicações fixas na Altice empresas. Pelo meio, tirava férias e ia fazer acões de formação nos PALOP’s: passei por Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé, Angola e Mocambique. Fazia formação na área de apoio a cliente, para funcionários dos correios e dos operadores de telecomunicações fixas destes países.

Trabalhei na área comercial durante 14 anos, até decidir mudar para a área de produto. Para estar mais bem preparada fiz uma pos-graduação em Gestão de Marketing e voltei para a MEO como gestora de pricing. Dois anos depois, saí para ir trabalhar para uma startup que operava em países com elevadas taxas de população sem acesso ao sistema bancário, como a Nigéria e o Quénia, na oferta de serviços de Mobile Money.

Em 2011, decidi ir viver para o Reino Unido e acabei em Londres como Gestora de Produto na UK2 Group. UK2 Group é composta por seis empresas que operam na área da internet e oferecem desde domínios, a servidores partilhados, VPS e servidores dedicados. Ao fim de três meses passei para diretora de produto e um ano depois para diretora de Marketing. Três anos mais tarde assumir a direção geral, com responsabilidade por quatro das seis empresas do grupo.

Em 2018, fui trabalhar para a GoDaddy, que também opera na área da internet, onde entrei como diretora geral de duas empresas no Reino Unido e em menos de um ano era também responsável por mais duas empresas na Alemanha. Em 2020, quando surgiu a oportunidade de lançar a marca GoDaddy Pro no Reino Unido e na India, achei que seria um bom desafio que me permitiria conhecer mais um mercado: a India, a economia com maior crescimento mundial. Como já conhecia muito bem os mercados do Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos, considerei uma excelente oportunidade pelo que aceitei.

Em Setembro de 2021, fui convidada e aceitei com muito agrado, o cargo de diretora-geral da 123Reg, uma empresa com mais de 250 funcionários e o maior registador de domínios do Reino Unido.

 

“O estigma de que a tecnologia é para homens leva a que poucas mulheres queiram trabalhar nesta área”

Entrou no mundo da tecnologia por mero acaso ou era uma vocação?

Entrei por mero acaso, continuo por vocação, Hoje, acho impensável trabalhar noutra área. A velocidade a que a tecnologia avança é para mim fascinante, há uma necessidade constante de aprendermos coisas novas, de estarmos a par da inovação.

Com quase duas décadas a trabalhar em tecnologia, quais as principais diferenças que nota em relação à presença feminina nesta área?

No Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos, noto cada vez mais mulheres em cargos de topo, noto uma maior consciencialização para a necessidade de trazer mulheres para esta área e noto por parte das empresas uma tentativa cada vez maior em contratar talento feminino, em garantir igualdade no tipo de cargos ocupados e na sua remuneração. No Reino Unido, uma empresa com mais de 250 funcionários é obrigada a apresentar um relatório anual onde constam o número de funcionários femininos vs masculinos, os cargos ocupados e compara ordenados e prémios. É um relatório obrigatório, público e tem como objetivo dar a conhecer possíveis discrepâncias. Caso estas existam, temos que indicar o que vamos fazer para mudar.

Ainda assim, apesar de notar melhorias, continua a haver muito por fazer. Li recentemente um relatorio da PwC, que diz que mulheres ocupam apenas 5% dos cargos de lideranca em empresas de tecnologia no Reino Unido.

Quais os principais desafios que as mulheres enfrentam quando trabalham em tecnologia?

O estigma de que a tecnologia é para homens leva a que poucas mulheres queiram trabalhar nesta área. E isto começa logo na escola quando é necessário escolher uma carreira. Se mais tarde decidem optar por uma carreira em tecnologia, levam a desvantagem de ter menos conhecimentos e ter de fazer um esforço maior. Depois quando falamos em tecnologia, nomes como Steve Jobs, Bill Gates e Mark Zuckerberg são os mais citados. Quem conhece a Radia Perlman ou a Marissa Mayer?

Eu não estudei tecnologia, mas entrei na área no início da minha carreira, acompanhei a evolução das telecomunicações e fui fazendo cursos nas áreas onde sentia maior dificuldade. E tenho uma característica que considero importante: aprendi a não ter vergonha de fazer tantas perguntas quanto as necessárias quando não percebo algo.

Até sermos conhecidas na área temos que fazer um esforço bastante superior ao de um homem para mostrar o nosso valor e passamos por situações que não lhes acontecem. Por exemplo, uma vez em que estávamos a preparar o lançamento de um novo servidor dedicado, um colega disse-me em frente a várias pessoas, para eu não me preocupar com as características do servidor, porque era muito complicado! Ri-me, ignorei e no final chamei-o à parte e expliquei o que ele tinha acabado de fazer. Depois fiz-lhe várias perguntas sobre o servidor, perguntas para as quais ele não sabia a resposta. Afinal, era complicado para ele, não para mim. Acredito que este meu colega aprendeu uma lição valiosa.

Se há poucas mulheres na liderança de empresas, na área da tecnologia ainda há menos. A Sara é uma dessas poucas mulheres. O que contribuiu para que tenha conseguido contrariar esta tendência?

Tive algumas experiências menos positivas. Cheguei a ser a única mulher em várias reuniões. A experiência mais relevante e a que me levou a tomar uma decisão, foi uma reunião de direção, em que em dez pessoas seu era a única mulher. Um dos administradores não executivos, não só me interrompeu várias vezes, como me virou as costas. Fiquei sem reação e aqui percebi que se queria avançar na minha carreira em tecnologia, precisava da ajuda de uma mulher que já tivesse passado pelo mesmo. Pesquisei e encontrei umas das mulheres à frente do projecto Lean In London. Contactei-a, expliquei-lhe os desafios por que estava a passar, as minha funções e ambições, pedi-lhe ajuda e correu bem: acreditou em mim e ajudou-me.

Ajudou-me a posicionar-me num mundo de homens, ensinou-me técnicas como a power pose, ajudou-me a perceber porque determinados homens têm esta forma de lidar com mulheres: em algumas áreas, como a banca de investimento, por exemplo, muitos homens mais velhos nunca trabalharam com mulheres e se trabalharam, elas estavam em posições hierarquicamente inferiores. Deu-me contexto e alertou-me para a necessidade de chamar a atenção dos homens com quem lido diariamente para as desigualdades que as mulheres vivem. A verdade é que precisamos do apoio de todos para alcançar a igualdade.

 

“Enquanto grávida, fui rejeitada para uma promoção e para uma mudança de funções”

O que mais gosta naquilo que faz?

Gosto da tecnologia, gosto da necessidade de estar sempre a aprender coisas novas.  Gosto do facto de trabalhar numa empresa que tem uma razão para existir muito clara: o que fazemos ajuda os nossos clientes a terem uma presença online, ajuda-os a expandir os seus negócios para onde quiserem, sem limitações de fronteiras.

Qual o maior desafio da sua carreira?

Ser mulher. Enquanto grávida, fui rejeitada para uma promoção e para uma mudança de funções. Disseram-me que ter uma carreira não era compatível com ser mãe e que a bebé ia ficar doente e eu ia faltar muito ao trabalho.

Em 2007, tinha a minha filha tinha 2 anos, decidi ir tirar uma pos-graduacao em marketing management. A maioria das pessoas disse-me que era impossível trabalhar a tempo inteiro, ter uma filha pequena e fazer uma pos-graduação. Mas fiz. E tanto eu como a minha filha ficámos a perceber que podemos fazer tudo o que quisermos.

Não acredito que ser mulher implique ter que escolher. Se caiu tudo em cima de mim? Sim, tive que fazer um esforço maior do que um homem faria, mas fi-lo na mesma.

Por outro lado, ser direta e clara já me levou a ser vista como agressiva, se fosse homem seria assertiva. Esta forma de pensar, infelizmente não vem apenas de homens, há muitas mulheres que também pensam assim.

Mantenho uma coach, diferente da inicial, uma mulher que ocupou vários cargos de topo em empresas de telecomunicações, que me acompanha e me tem ajudado a lidar com os vários desafios pelos quais tenho vindo a passar e que continuarei a passar à medida que a minha carreira continua a evoluir.

No seu LinkedIn percebe-se que aposta na formação e em várias áreas. Qual a sua principal motivação?

Trabalhar em tecnologia implica estar a frente de novas tendências. Como directora geral tenho que saber como várias áreas funcionam e para isto preciso de formação e acima de tudo, tenho que me manter actualizada. Para além disto, gosto muito de estudar!

Nao estudei tecnologia, estudei marketing, por isso senti necessidade em fazer uma formação em STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) porque é a minha área e onde tenciono continuar. É um curso específico e adaptado a empresas de tecnologia, desenvolve o nosso pensamento crítico.

Atualmente, estou a fazer uma formação na Cornell University, que traz uma excelência académica muito grande, pois os Estados Unidos são um pais que está muito avançado tecnologicamente. Aprincipal mais-valia desta formação é a aquisicao de novos conhecimentos, não só ao nível do conteúdo do programa como do contacto com pessoas da mesma área, que estão espalhadas por todo o mundo.  Quero manter as minhas competências actualizadas, estar a par de novas tendências e consolidar conhecimentos.

Que conselho deixa a uma jovem que goste de tecnologia, mas que está convencida de que ainda é uma área onde terá muita dificuldade em evoluir?

Nao permitir que ser mulher defina que há áreas onde não devemos entrar. Não desistir e não ter medo de pedir ajuda a mulheres que já passaram pelo mesmo. Enquanto mulheres, temos de nos apoiar e ajudar umas às outras, mas sem alienar os homens. Ajudar todos a entender os desafios pelos quais passamos, porque a verdade é que muitas pessoas não têm noção.

Ler livros como o Lean In, da Sheryl Sandberg, Why Women Don’t Ask, de Linda Babcock, Os Pensamentos Secretos de Mulheres de Sucesso, de Valerie Young. Livros e artigos escritos por mulheres que passaram pelo mesmo e que nos ajudam a entender que não estamos sozinhas naquilo que possamos estar a viver.

Quantas mais mulheres trabalharem em tecnologia, menos dominada por homens será esta área.

 

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