Sandie Costa está na PwC há 18 anos e em julho deste ano foi promovida a partner, reforçando a liderança do Transaction Services, da área de Advisory. É licenciada em Economia pela Faculdade de Economia do Porto, tem uma especialização em corporate Finance pelo CEMAF-ISCTE, fez o PAGE da Universidade Católica, o MBA executivo da Porto Business School e o Advanced Development Program na Nova School of Economics. Trabalhou na PwC Finland e participa regularmente em projetos internacionais, sobretudo em França. É ainda docente nas áreas de due diligence, voluntária da Junior Achievement Portugal e membro fundadora do Women in Business Club da Porto Business School.
Licenciou-se em Economia e entrou para a PwC logo que terminou o curso. Que sonhos tinha nessa altura?
Na faculdade tinha feito trabalhos na área de desenvolvimento regional, que me tinham dado muito gozo e cheguei a pensar trabalhar nessa área mas as oportunidades não eram muitas. No último ano tive a oportunidade de assistir a apresentações de empresas e achei (e bem) que a consultoria se adequava ao meu perfil. Mais tarde, cheguei a ter uma oportunidade para “mudar de rumo” mas estava a gostar tanto do que estava a fazer que optei por ficar na PwC.
Trabalhar em consultoria, e na mesma empresa, durante 18 anos fazia parte dos seus planos? Nunca sentiu vontade de mudar para outro setor? O que a mantém nesta área?
Confesso que, na altura, nunca imaginaria que estaria na PwC 18 anos depois! Mas sempre que sou levada a refletir sobre o que faço, apercebo-me que sou feliz com a minha profissão e não me arrependo. Cheguei várias vezes a pensar mudar (aliás, cheguei a despedir-me) mas acabei por nunca fazê-lo. A consultoria é uma área muito dinâmica, em que estamos em constante aprendizagem e mudança, e apesar de isto poder causar algum desconforto, também é o que nos faz crescer e evoluir.
Confesso que, antes de ser mãe, tinha grandes receios sobre se seria possível compatibilizar uma carreira exigente como a da PwC com o papel de mãe. Nem todos os dias é fácil, mas quando há vontade, consegue-se tudo e, se tivesse uma profissão menos exigente (se é que as há hoje um dia), poderia sentir-me a definhar.
Muito mudou na consultoria nestas quase duas décadas. Quais os principais desafios profissionais que enfrentou?
Pela própria definição da profissão, temos que estar sempre na vanguarda da inovação e do conhecimento, o que obriga a estarmos constantemente a aprender e a reinventarmo-nos. Fala-se muito hoje da necessidade de nos preparamos para estarmos em constante aprendizagem, e na consultoria temos isso desde sempre. O ritmo de mudança é que está a aumentar vertiginosamente.
Hoje, os tempos de resposta exigidos são mais curtos, a nossa base de análise tem de ser mais ampla (com toda a assombrosa quantidade de dados disponíveis) e temos de tentar aceder a toda a informação, o que é, só por si, desafiante.
Como qualquer promoção, largar as tarefas que anteriormente nos davam tanto gozo pode ser o mais difícil.
Nunca pensou em fazer carreira internacional?
Nasci, e vivi, em França (daí a origem do meu nome), e fiz Erasmus em Itália. Sempre tive o bichinho e o sonho de fazer carreira internacional. Tive a sorte de trabalhar em diversos projetos internacionais, muitos dos quais implicavam estadias fora (em França, Espanha, Itália, Islândia, Angola e Índia), e de me poder candidatar a um período de trabalho noutro país.
Inicialmente, pensei ir para o Reino Unido mas apareceu a oportunidade da Finlândia, que sendo um país radicalmente diferente, foi uma experiência extremamente enriquecedora. Os finlandeses são extremamente pragmáticos (nem almejam a perfeição como nós), focados (eu era a única a entrar no escritório e a cumprimentar as pessoas) e organizados. Em contrapartida, têm, regra geral, menos capacidade de adaptação e uma menor visão holística. Trouxe algumas boas práticas da Finlândia, sobretudo em termos de pragmatismo e de simplificar, mas não trocaria.
E com todas estas experiências, fui colmatando a minha “sede de internacionalização”, até porque sendo uma multinacional, todo o ambiente da PwC é multicultural e temos constantemente formações ou projetos internacionais (neste momento ando a trabalhar com equipas em três países distintos).
Quais as competências que considera fundamentais para se destacar na sua atividade?
Vontade de aprender, capacidade de adaptação e procura constante da excelência. Nesta área, temos todos os dias de fazer mais e melhor.
Foi promovida a partner recentemente. Quais as principais mudanças que esta promoção tem implicado?
Como qualquer promoção, largar as tarefas que anteriormente nos davam tanto gozo pode ser o mais difícil. Sou uma pessoa muito “hands-on” e deixar de saber todos os detalhes e controlar tudo, está a ser um processo. Isso é, no entanto, mais do que compensado com a maior capacidade de pensar e atuar mais estrategicamente e de ter mais tempo para acompanhar os nossos clientes.
Tento acompanhar os meus filhos nos trabalhos de casa e ir buscá-los à escola. Mas não é possível todos os dias. Às vezes, começa a esboçar-se um sentimento de culpa mas penso: “E se eu fosse todos os dias, qual seria a oportunidade do pai criar laços com eles?”
Viaja regularmente entre Lisboa e Porto e também acompanha alguns projetos internacionais. A conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar é um desafio para si?
Eu diria que equilibrar tudo é mesmo o principal desafio! Com vontade, dedicação, e com a clara noção de que não podemos fazer tudo consegue-se. Tento acompanhar os meus filhos diariamente nos trabalhos de casa e ir buscá-los à escola. Mas não é possível todos os dias. Às vezes, começa a esboçar-se um sentimento de culpa mas penso: “E se eu fosse todos os dias, qual seria a oportunidade do pai criar laços com eles?” E em casa, já abdiquei de sugerir as ementas ou de organizar os utensílios de cozinha.
Que hábitos diários contribuem para o seu sucesso?
Quer pela minha personalidade quer pela minha profissão, não consigo ter grandes rotinas e não consigo organizar-me a muito longo prazo. Tento ter todos os dias tempo de qualidade com os meus filhos e de refletir e agradecer o dia, sobretudo aqueles em que tive mais dificuldades, e pensar no que poderia ter feito diferente.
É voluntária na Junior Achievement Portugal. Qual a principal mais-valia que retira dessa experiência?
Pode soar a cliché, mas eu sou uma “pessoa de pessoas” e, portanto, acho todas as oportunidades de contacto com pessoas enriquecedoras. Também acho que devemos tentar contribuir para a comunidade. Dado que não tenho muito tempo livre (e uma agenda imprevisível), apoiar a JAP (um programa em que damos entre 6h a 8h de formação em literacia financeira a uma turma) é uma boa solução de compromisso.
Sempre que tenho que preparar uma aula (sendo que a JAP nos dá já tudo muito bem estruturado), penso para mim mesma “mas porque raio me meti nisto?” Mas saio das aulas sempre de coração cheio e com a sensação de ter ajudado aqueles jovens a ver as coisas numa perspectiva diferente (e a dar ainda mais valor ao papel dos professores!)
Na minha segunda licença de maternidade, duas semanas antes da data prevista de regresso, não me sentia preparada. Andei uma semana a pensar sobre o que iria dizer ao líder da minha área e, quando lhe liguei, a resposta foi: “volta quando estiveres preparada”.
A sua preocupação em que mais mulheres cheguem a cargos de responsabilidade e liderança está em sintonia com os princípios da PwC. Participa ativamente em ações internas na sua empresa com este objetivo?
Os dados sobre a ainda existente desigualdade de género são factuais e é uma realidade que não se pode negar. Tenho a sorte de trabalhar numa empresa que está atenta e tenta combater o gender gap (a PwC foi das primeiras empresas a lançar estudos para avaliar o nível de desigualdade, a lançar iniciativas para combatê-las e a apoiar iniciativas globais, como a HeforShe).
A nível interno, existe um grupo responsável por dinamizar ações para a diversidade (não só, mas passando muito pelo género) no qual estou envolvida, mas acho que o maior apport que podemos trazer é no dia-a-dia, pelo exemplo e pelo incentivo. Mesmo na PwC, já cheguei a ouvir comentários de “vai ser mãe, vai querer tirar uma licença de 9 meses e depois vai querer dedicar-se mais aos filhos”. Sendo que felizmente, já foi há uns anos e estes comentários tendem a desaparecer.
Pessoalmente, temi mais antes de ser mãe do que depois do meu regresso de licença – sendo certo que precisamos de uma forte rede de apoio em casa. Na minha segunda licença de maternidade, duas semanas antes da data prevista de regresso, não me sentia preparada. Andei uma semana a pensar sobre o que iria dizer ao líder da minha área e, quando lhe liguei, a resposta foi: “volta quando estiveres preparada”. Fiz a licença alargada de oito meses e quando voltei, já voltei forte e ainda mais comprometida com a PwC.
Por isso, não perco uma oportunidade de incentivar as jovens mães a fazerem licenças de maternidade mais alargadas, caso o desejem, porque mesmo ao fim de nove meses, as aptidões profissionais não se perdem e, na vida de um bébé, uns meses podem ser a diferença entre ter uma mãe devastada por ter deixado o seu bebé pequenino na creche ou ter uma mãe que já se dedicou ao filho e que também ela está feliz por voltar a ter conversas “normais” e que a desafiam intelectualmente. Note-se que também já vi mães a terem que regressar mais cedo porque a licença de maternidade as estava a “cansar”. Somos todos diferentes e o importante é respeitar essas diferenças.
É também uma das fundadoras do Women in Business Club da Porto Business School (PBS). Quais as razões que a incentivaram a envolver-se nesta iniciativa e do que mais se orgulha de já ter conseguido concretizar?
As escolas de gestão tiveram de mudar e hoje têm um foco relevante, não só nas skills de gestão, mas em temas como ética e responsabilidade social. O tecido empresarial da área em que a PBS está inserida ainda é muito composto por pequenas empresas familiares e/ou com dimensão, mas ainda com forte influência dos accionistas.
O Women in Business (WiB) da PBS surgiu em primeiro lugar para criar awareness sobre o tema e trazê-lo para cima da mesa. A mudança de mentalidades é um processo moroso e que tem de ser efetuado paulatinamente. Há imenso trabalho que se pode fazer do lado das mulheres, mas quando se fazem iniciativas dessas, o público masculino é muito reduzido e por isso preocupamo-nos essencialmente em promover atividades que possam ter um público mais alargado.
Uma das iniciativas mais bem sucedidas do WiB foi dinamizar uma sessão no Alumni Day. Foi engraçado ver a expressão de muito dos presentes quando ouviam, muitos certamente pela primeira vez, os números sobre a desigualdade de género (os 108 anos para atingir a paridade, os 17% de média de diferença salarial). No final da sessão, tivemos um CEO a dizer: “Sabem, recentemente tivemos um projeto de expansão internacional e excluímos à partida todas as mulheres que eram mães, porque achávamos que não iam querer. Mas se calhar devíamos ter perguntado…”. Só por esse comentário, já valeu a pena!
Para o público feminino, para além de as desafiar, vamos brevemente lançar uma formação e algumas atividades.
Há estudos que comprovam que mesmo com maiores níveis de habilitação as mulheres têm mais medo de candidatar-se a empregos e promoções. Temos de ousar mais!
O que considera fundamental para que mais mulheres possam chegar a cargos de liderança?
Lean in! Não é só o título de um excelente livro de análise sobre as causas e as formas de combater a desigualdade, mas é de facto um grande conselho. Já há estudos que comprovam que, mesmo com maiores níveis de habilitação, as mulheres têm mais medo de candidatar-se a empregos e promoções. Temos de ousar mais!
Ter um coach ou mentor também é uma enorme mais valia. Tive a sorte de, num momento crucial da minha carreira, ter uma coach “fada Madrinha” e um mentor homem. Ajudam-nos a repensar e a vermos as coisas de outra perspectiva. E um homem partilha uma perspetiva ainda mais diversa e mais enriquecedora.
Qual o melhor conselho de carreira que recebeu?
Numa das 1as conferências da Executiva, a minha colega Maria Antónia mencionou: “Podemos ter tudo, não podemos é fazer tudo!”. Foi definitivamente uma frase que me marcou e na qual penso muitas vezes.
O que diria a uma jovem que pense que fazer carreira na consultoria e constituir família são projetos incompatíveis?
Que não desista! Nunca! Como Nelson Mandela uma vez afirmou: it always seems impossible, until it’s done!. É preciso fazer cedências mas com a capacidade de multitasking e de entrega das mulheres, tudo se consegue!