Rita Soares: “Não estamos interessados em esbanjar dinheiro nas férias, mas em perpetuar o trabalho da nossa família”

Rita Soares entrou na empresa para ajudar o namorado, hoje marido, a expandir a Garrafeira Soares, empresa distribuidora de vinhos e bebidas do sul do país que fatura 80 milhões de euros. Hoje a sua família é, também, proprietária da Herdade da Malhadinha Nova, que reúne um hotel de luxo e uma empresa de produção agrícola. Ambos os negócios cresceram de forma sustentada, a pensar no futuro da família

Rita Soares é CEO da Garrafeira Soares e da Herdade da Malhadinha Nova.

Quando Rita Soares se juntou à Garrafeira Soares, o negócio da família do marido, João Soares, era uma pequena distribuidora com uma loja no Algarve. Mas o negócio começava a crescer. Hoje é administradora e CEO da holding que detém a Garrafeira Soares, que conta com 28 estabelecimentos e também distribui vinhos no sul do país. Deverá faturar cerca de 80 milhões de euros este ano. 

Três décadas depois o negócio expandiu-se, mantendo-se nas mãos da família. À Garrafeira Soares juntou-se a Herdade da Malhadinha Nova, no Alentejo, em 1998, o que contribuiu para realização do sonho da família de produzir vinho. Anos mais tarde foi acrescentado o negócio do turismo, com a construção da primeira unidade de alojamento do seu hotel de luxo. Este ano, esta área de negócio deverá faturar sete milhões de euros, metade dos quais do negócio da hotelaria e turismo. São mais de 30 anos de evolução, com passos dados com objetivos definidos e de forma sustentada, na criação de projetos de qualidade que perdurem no tempo.

Licenciada em Educação, Rita Soares não hesitou em optar por um percurso diferente do que tinha inicialmente sonhado, tendo usado tudo o que aprendeu na gestão dos recursos humanos das empresas da família. Também aproveita todas as viagens que faz, em trabalho ou em lazer, para trazer ideias que possa aplicar, sobretudo, no hotel da Herdade da Malhadinha Nova.

 

Qual a importância daquilo que aprendeu durante a sua formação, e ao longo da vida, no desempenho das suas funções?

Nasci em Lisboa em 1972, mas fui com os meus pais para o Algarve quatro anos depois. Sempre fui muito curiosa e, quando era nova, tinha vontade de fazer muitas coisas.

Não era aquela jovem que queria ser médica ou cientista, ou qualquer outra coisa muito definida. Talvez porque gosto muito de pessoas, optei por estudar na Escola Superior de Educação João de Deus, em Lisboa, que terminei. Mas gostava de ter aprofundado mais os meus conhecimentos nas áreas da educação especial, psicologia e arte. A formação que segui e a sensibilidade que tenho para as pessoas, que é importante em qualquer área, têm sido muito úteis, não só para educar os meus quatro filhos, mas também para desempenhar bem funções numa área em que me foquei muito nas nossas empresas, a dos Recursos Humanos.

Tento aproveitar o melhor de cada uma das nossas pessoas, o que é um grande desafio por serem todas diferentes. Mas não pretendo, nem nunca pretendi, que sejam boas em tudo, porque isso não acontece. Isso tem sido útil para conseguir fixar os recursos humanos nas nossas empresas.

Como gosto também muito de artes, fui desenvolvendo essa vertente através da frequência em vários cursos. Isso tem sido, para mim, muito importante para a forma como penso e faço a gestão de projetos, como a reconstrução e decoração das várias casas do nosso hotel.

 

Quero aproveitar a vocação das pessoas, aquilo que possam dar de melhor para as empresas. Esta filosofia talvez tenha contribuído para termos na Garrafeira Soares pessoas a trabalhar há mais de 30 anos.

 

Quais são os seus princípios de gestão de recursos humanos?

Aquilo que quero é aproveitar a vocação das pessoas, aquilo que possam dar de melhor para as empresas. Por isso, quem entra é colocado numa área que goste ou se foque mais e, depois, vamos vendo se é capaz de desempenhar bem funções noutras áreas. Na fase de adaptação é bom procurar que façam aquilo onde se sentem mais confortáveis e motivados.

Também procuro encontrar complementaridades entre as partes boas das várias pessoas para constituir um todo. Isso fascina-me e é uma das coisas que mais me atrai no trabalho com os recursos humanos. Esta filosofia talvez tenha contribuído para termos, na nossa empresa inicial, a Garrafeira Soares, pessoas a trabalhar há mais de 30 anos. É algo que me deixa orgulhosa.

 

O que é que se passa na Herdade da Malhadinha, projeto mais complexo de gerir, dado que inclui produção agrícola e agropecuária, uma adega e um hotel?

Na Herdade da Malhadinha o desafio é maior, por ser uma área onde o emprego tem muita volatilidade. É uma zona do país muito remota, onde é difícil fixar as pessoas, até porque há falta de alojamento próximo. Percebendo essa dificuldade, construímos alguns e temos condições para que todas as pessoas da equipa fiquem em Albernoa, a aldeia mais próxima. Ainda assim é difícil motivar jovens para esta área de hotelaria, e fixá-los numa aldeia com 500 habitantes durante muito tempo, a não ser que constituam família. Estamos perto do Algarve e até de Lisboa, mas esta acaba por ser uma vida um pouco diferente.

 

A Família Soares na Herdade da Malhadinha Nova.

A Família Soares na Herdade da Malhadinha Nova.

 

Mas se tiverem filhos, as exigências são outras, já que são precisas opções para os deixar, como creches, e escolas para os educarem.

Sim. É, por isso, que pessoas como o nosso sommelier, que já constituiu família, se fixam nas cidades e vilas mais próximas, como Beja ou Castro Verde, onde já há mais condições para isso, apesar de serem diferentes das que se encontram nas grandes cidades. Por isso, as pessoas que se fixam têm de gostar da natureza e de ter uma vida mais isolada e tranquila, o que não acontece muito.

Estou agora menos na parte de recursos humanos, mas ainda faço muitas entrevistas de recrutamento, para encontrar as pessoas certas para todas as áreas das empresas. O meu trabalho atual abrange mais as áreas de estratégia, comunicação e marketing da unidade hoteleira da Malhadinha, mas também a vertente comercial. O Paulo Soares, o meu cunhado, está mais na gestão da Garrafeira Soares. O João, meu marido, dedica-se à parte comercial desta empresa e da Herdade da Malhadinha, onde também é responsável pela estratégia e gestão da propriedade em todas as suas vertentes, a agrícola, os vinhos e a hotelaria.

À medida que as duas empresas crescem e se vão organizando e profissionalizando os seus diferentes canais, também vai sendo cada vez mais necessário trabalhar no seu rumo, na estratégia e governança, que é o que eu, o meu marido e o irmão, os administradores da empresa, fazemos mais hoje em dia. A Margaret, a minha cunhada, é docente na Universidade do Algarve e tem desenvolvido alguns dos nossos projectos de investigação na área dos vinhos.

 

Como sou curiosa e gosto de saber tudo sobre aquilo em que me envolvo, aprendi tudo o que era necessário sobre vinhos e turismo e hotelaria.

 

Como e porquê começou a trabalhar na empresa da família?

Quando tinha 17 ou 18 anos, foi necessário ajudar o João (Soares), meu namorado na altura, no desenvolvimento da empresa fundada pelos meus sogros em 1983, que estava no início de expansão com a abertura de mais lojas. Foi durante o verão.

Ainda fiz o estágio do curso que tirei, mas acabei por voltar e trabalhar em definitivo na empresa. Nessa altura, cheguei à conclusão que não ia fazer nada do que tinha idealizado quando era mais jovem. Mas como tinha entrado num mundo muito interessante e fascinante, entusiasmei-me. Sentia-me muito feliz, e envolvi-me, de forma empenhada, no desenvolvimento da Garrafeira Soares, tal como o estou, desde o início, no projeto da Herdade da Malhadinha.

 

Quais foram as dificuldades dos primeiros tempos, e como é que as superou?

Na minha vida tive muitos desafios, que superei. Comecei a namorar com o meu marido quando tinha 16 anos e a trabalhar na empresa da família um par de anos depois. Estivemos juntos a desenvolver o negócio da Garrafeira Soares durante alguns anos e a minha primeira filha nasceu apenas quando comprámos a Herdade da Malhadinha.

As duas empresas foram crescendo por objetivos. Depois de decidirmos o seguinte, trabalhámos para lá chegar e assim sucessivamente. Eduquei os meus filhos da mesma forma, com o objetivo de se sentirem felizes e realizados.

Como sou curiosa e gosto de saber tudo sobre aquilo em que me envolvo, aprendi tudo o que era necessário sobre vinhos e turismo e hotelaria. Li muito, e procurei aprender sempre mais um pouco em todas as viagens de trabalho que fiz ao longo dos anos, tirando algum tempo livre para isso.

Foi o que aconteceu este ano, durante uma viagem comercial que eu e o meu marido fizemos à Cidade do México, onde ficámos mais um fim de semana. Contratámos um guia para visitar os sítios onde pudéssemos aprender algo mais sobre a sua história. Entre outros, fomos ao Palácio de Bellas Artes, o seu principal teatro de ópera e à Casa Museu de Diego Rivera y Frida Kahlo. Também visitámos pirâmides e fizemos um voo de balão de madrugada, depois de nos levantarmos às 4h da manhã.

A vida é maravilhosa e temos é de a aproveitar mais e melhor. Apesar de ter ido trabalhar e ter tido uma atividade intensa durante aqueles dias, com muitas reuniões, é assim que gosto de viver. Enriqueço o meu conhecimento e isso ajuda-me na gestão das minhas empresas. É também por isso que procuro ficar nos melhores hotéis. Observo pormenores, o que fazem e como fazem, e trago depois esse conhecimento para a Herdade Malhadinha. A sua vertente turística é um projecto que, no fundo, não é igual a nada por ser o resultado das nossas vivências, daquilo que vamos vendo e aprendendo nas nossas viagens. Depois comunicamos isso à equipa, para os motivar e incentivar e também para demonstrar que continuamos a ir para a frente.

 

Não estamos interessados em comprar carros da gama alta, barcos de recreio, ou em esbanjar dinheiro nas férias, mas sim empenhados em comprar mais um bocadinho de terra e na criação de mais raízes que solidifiquem o que fizemos até aqui e perpetuem o resultado do trabalho da nossa família

 

Quais foram os principais sucessos do seu percurso até agora?

No fundo, é tudo aquilo que construímos e o patamar onde chegámos, através de um percurso feito com empenho em tentar fazer o melhor, mas de forma prudente, transparente e consistente.

Passo a passo construímos, consolidamos, investindo sempre sem grandes loucuras e com capitais próprios, sem abrir as nossas empresas a investimentos externos, e fugindo de todas as tentações de produzir mais e rapidamente.

Tentamos que cada ano seja melhor que o anterior, procurando inovar e fazendo com o máximo de qualidade possível. É isso que aconteceu e acontece na Herdade da Malhadinha.

Quando a comprámos estava abandonada. Não tinha água nem luz. O projeto agrícola foi iniciado com a plantação de 20 hectares de vinhas. E, ao longo do tempo, fomos acrescentando terra, mais áreas de plantação, sempre devagar e de forma ponderada. Ainda agora acrescentámos mais 200 hectares de uma propriedade contígua à atual, o que nos dará acesso direto à estrada nacional. Tem algumas ruínas onde poderemos investir no futuro, mas não para já.

Saliento que todos os nossos projectos visam a criação e implantação de marcas, que temos depois de cuidar e preservar. É o que acontece com a Herdade Malhadinha, que não é apenas um hotel. É também uma empresa que cria vacas, ovelhas, cavalos lusitanos, tem olival e vinha e produz e comercializa azeite e vinho.

Tudo o que vai acontecendo, principalmente na Malhadinha, mas também na Garrafeira Soares, tem, como base, a perspetiva de deixarmos as nossas empresas organizadas, de forma a que os nossos filhos possam, também eles, continuá-las com alguma tranquilidade e sem muitos problemas. Com a perspetiva de se deixar um legado, as coisas tornam-se, talvez, mais sólidas, com raízes mais profundas. Não estamos interessados em comprar carros da gama alta, barcos de recreio, ou em esbanjar dinheiro nas férias, mas sim empenhados em comprar mais um bocadinho de terra e na criação de mais raízes que solidifiquem o que fizemos até aqui e perpetuem o resultado do trabalho da nossa família. Adoro pensar que o nosso hotel ainda estará cá daqui a 100 anos, e gosto de imaginar que a sua história irá referir que foi uma unidade muito bem pensada e construída, para onde os clientes continuaram a voltar. Quero salientar, com este exemplo, que o que mais me orgulha é tudo o que nós construímos, quer a nível familiar quer a nível empresarial.

 

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