Rita Dinis criou uma camisa que previne nódoas

Rita Dinis trocou uma carreira na consultoria pelo desafio do empreendedorismo e criou a Ambassador Portugal, uma marca de camisas e pólos que previne nódoas e maus odores.

Rita Dinis, fundadora e CEO da Ambassador.

Natural de Leiria, Rita Dinis é a cara por trás da Ambassador Portugal, uma marca de camisas personalizadas e pólos com tecnologia que previne nódoas e odores, e que tem a ambição de chegar a todo mundo. Com licenciatura em Economia pelo ISCTE e mestrado em Gestão pela Católica-Lisbon, trabalhou três anos na PwC, onde ganhou experiência em consultoria de gestão e desenvolvimento de recursos humanos.

Deixou de parte a carreira em consultoria e aventurou-se no mundo do empreendedorismo para criar a Ambassador Portugal, juntamente com o seu companheiro, Daniel Costa. Apesar de não ter qualquer especialização na área do design ou da confeção, compensa com a curiosidade que tem pelo setor têxtil, um “bichinho” que herdou da sua avó, costureira, com quem passou grande parte da sua infância.

Como surgiu a ideia de criar a Ambassador e o que a levou a acreditar que conseguiria transformá-la num negócio?
Surgiu quando ainda estava na PwC. Em várias conversas, entre amigos e em contexto profissional maioritariamente masculino, todos se queixavam da tremenda dificuldade em manter as suas camisas brancas. Ao pensarmos em todas as reuniões stressantes, ambientes fechados, almoços apressados e longos dias no escritório, os desafios eram claros: suor, nódoas, manchas e maus odores. E foi assim que passámos das preocupações para a procura de soluções e chegámos onde hoje estamos! 

A Ambassador é a primeira marca registada de camisas customizadas e pólos que alia as melhores fibras naturais de tecidos à tecnologia infundida que previne nódoas e odores. Foi uma ideia construída a dois, entre mim e o Daniel Costa, meu companheiro há nove anos. Conhecemo-nos na faculdade, quando frequentávamos a licenciatura em Economia, no ISCTE, e onde o “bichinho” pelo empreendedorismo foi crescendo. Em comum, temos o grande sentido de compromisso com tudo aquilo que fazemos. Somos apaixonados pela atitude de “colocar a mão na massa” e de nos envolvermos na resolução dos problemas. Partilhamos também um background em consultoria nas Big Four – o Daniel na Deloitte e eu na PwC.

Desde o início acreditámos que o facto de sermos um dos primeiros a explorar este nicho de mercado, tão específico, nos permitiria transformá-lo num negócio sustentável e escalável, algo que tem vindo a ser corroborado pelo envolvimento dos nossos primeiros Ambassadors (os primeiros clientes, ou “pequenos investidores” se pensarmos na lógica de crowdfunding) e atuais parceiros.

“O mais difícil não é começar uma startup, é saber crescer e manter.”

Quais as fases mais importantes na concretização do negócio?
Quando se é uma startup, todas as fases de um projecto são importantes. No nosso caso as mais relevantes foram ultrapassar o objectivo de financiamento inicial de 26 mil euros na campanha de crowdfunding na plataforma Indiegogo e alcançar a entrega atempada das nossas camisas e pólos aos clientes da campanha.

Recentemente, li que cerca de 95% das marcas de roupa fecham passado um ou dois anos porque não conseguem satisfazer as entregas, seja por falta de coordenação na produção ou por falha na entrega dos próprios fornecedores. O facto de termos feito as entregas atempadamente foi de longe a nossa maior conquista! Aliás, foi mais fácil vender do que a própria gestão da produção. Aos nossos primeiros Ambassadors comprometemo-nos fazer as entregas em outubro e no final desse mês todas as encomendas foram despachadas. A fase mais importante está sempre para vir. O mais difícil não é começar uma startup, é saber crescer e manter.

As camisas Ambassador aliam as melhores fibras naturais à tecnologia infundida, prevenindo nódoas e odores.

Como conseguiram cumprir todos os prazos?
Quem está fora da indústria pode não se aperceber da logística necessária para conseguirmos ter tudo entregue a tempo. Foi preciso uma grande capacidade de negociação, organização e de dizer “não” a fornecedores e a potenciais parceiros e clientes. Tivemos de gerir 14 fornecedores, desde as fábricas das matérias-primas (tecido, linha, botão madrepérola, etiquetas, embalagens, gráfica) às fábricas de confeção das camisas e dos pólos, sem esquecer o empacotamento e o despacho por transportadora.

A média de fabrico destes produtos é entre três e quatro meses e nós conseguimos fazê-lo em dois meses e meio, mas foi preciso insistir muito com os fornecedores e foi crucial tê-los genuinamente connosco. Lembro-me de estar a conduzir na autoestrada, dias antes de despacharmos todas as encomendas, com a carrinha cheia de camisas e pólos para serem empacotados durante o fim-de-semana e de começar a chorar de satisfação.

Qual o investimento inicial e como se financiou?
A fase de desenvolvimento de produto, enquanto ainda estava na PwC, foi suportada por mim e pelo Daniel ao longo de um ano e meio. Durante esse período gastámos cerca de 7 mil euros com as visitas a feiras e a fornecedores no Norte, desenvolvimentos nos tecidos e malhas, design dos produtos e registo da marca. Para nos financiarmos tivemos de investir o nosso pé-de-meia no projeto, que acreditamos ser vencedor, e de abdicar de alguns prazeres, como viajar. Movidos por esta crença, o desenvolvimento do projecto passou a ser rapidamente o nosso novo maior prazer [risos].

Apostámos muito no desenvolvimento do produto e do conceito e sempre primámos pela qualidade. Como queríamos ter um conhecimento profundo sobre o que estaríamos a vender, fizemos questão de ir aos melhores fornecedores portugueses, os quais trabalham com as melhores marcas de luxo do mundo, consultar laboratórios de referência, e desenvolver amostras de tecidos e malhas com várias combinações tecnológicas. Criámos mais de 50 protótipos de camisas e polos. Lavámos, usámos, partilhámos com a nossa rede mais próxima de amigos e pedimos feedback. Ultrapassámos os limites técnicos e, depois de muitos testes, sentimo-nos orgulhosos de mostrar ao mundo os nossos produtos!

“Avançámos com a campanha de crowdfunding de produtos na plataforma Indiegogo e apostámos numa comunicação em inglês para sermos o mais abrangentes possível e alcançarmos o maior número de potenciais clientes.”

Porque recorreu ao crowdfunding e qual o montante que conseguiu por essa via?
Precisávamos de passar de um powerpoint teórico, estrategicamente bem desenhado e comunicado, para a prática. Depois, foi necessário validar que existiam clientes interessados na Ambassador. Finalmente, precisávamos também de tração de mercado e de financiamento para realizar a nossa primeira produção, principalmente para as matérias-primas e confecção dos produtos, mas também para investir na loja online e na ativação da marca. Os tecidos e malhas são exclusivos nossos e por isso as quantidades mínimas de produção tendem a ser mais elevadas. Percorremos o “caminho das pedras”, caminho este que não é recto. Na verdade ele é repleto de curvas, obstáculos, subidas e descidas.

No início do ano passado contactámos com dezenas de business angels portugueses, mas enquanto uns nos pediam participações no capital superiores a 50‰,  por estarmos ainda numa fase muito embrionária, outros não investiam numa fase tão inicial e queriam primeiro ter a validação de mercado. Tornou-se uma “pescadinha de rabo na boca”, mas foi nesse momento que surgiu a ideia de inverter a lógica tradicional do mercado e de passar do “primeiro produção, depois venda” para “primeiro venda, depois produção”.

Avançámos com a campanha de crowdfunding de produtos na plataforma Indiegogo e apostámos numa comunicação em inglês para alcançarmos o maior número de potenciais clientes. Só assim conseguimos perceber quais os próximos passos a dar em termos de mercado e quais as apostas mais eficazes a nível de comunicação. O objectivo mínimo fixado foi de 26 mil euros, mas conseguimos angariar mais de 28 mil em apenas oito semanas, graças ao contributo de membros de 15 países diferentes. Até agora a Ambassador é o projecto português mais financiado na área de Fashion & Tech no Indiegogo.

Quais são as caraterísticas e as vantagens do material que usam?
Tanto as camisas como os pólos Ambassador são feitos de algodão 100% Pima. É um dos dois melhores tipos de algodão de fibra extra-longa no mundo. As fibras são 50% mais longas do que as de algodão tradicional, o que as torna mais sedosas e mais fortes. As nossas peças oferecem um extremo conforto, pela suavidade do tecido, e têm uma maior durabilidade. Temos a certeza de que o nosso produto dura mais do que qualquer outro tradicional de grandes marcas de luxo com preços muito superiores. E quando usamos as peças por mais tempo, garantimos que, a médio e longo prazo, menos recursos (naturais e financeiros) serão utilizados para compôr o nosso look intemporal.

“Desenvolver relações, envolver as pessoas no processo, procurar responsabilizar todos no processo, saber gerir imprevistos e dar a cara, literalmente, nos momentos mais críticos têm sido o segredo.”

Quais os principais desafios que enfrentaram para o fabrico de peças?
Em primeiro lugar, a obtenção do financiamento inicial, que ultrapassámos na campanha de crowdfunding no Indiegogo, em seguida, a validação do nosso conceito, através do número de vendas. No início, é complicado saber qual é a melhor estratégia para abordar o nosso cliente-tipo e quais os canais a utilizar,  pois não podemos “disparar” para todos os lados, pelos recursos limitados que temos em termos de tempo e financiamento.

Antes do lançamento da campanha fizemos o engagement da nossa comunidade através das redes sociais, mas acabámos por perceber que, apesar de termos bastante brand awareness, o nosso cliente-alvo estaria no LinkedIn, pela natureza do nosso produto e pela fase inicial da Ambassador. Entretanto começámos a consolidar uma estratégia de comunicação de “flirt” através do LinkedIn, que funcionou muito bem, e focámo-nos só nisso durante o restante mês e meio. As pessoas envolveram-se ao longo da campanha e quiseram contribuir para apoiar um projecto 100% português e inovador.

Como um dos nossos critérios é a qualidade e (ainda) poucas quantidades, encontrar os parceiros certos e com o fit que exigíamos foi um grande desafio. Ou não acreditavam que havia mercado para o nosso produto, considerado disruptivo, e não estavam dispostos a fazer tão poucas quantidades, ou acreditavam em nós e no produto e davam-nos a mão desde o início, mesmo com quantidades tão pequenas. Acreditamos que o segredo foi envolver os fornecedores neste projecto desde o início.

Após fecharmos contrato, o maior desafio foi conseguir cumprir os timings previstos. A decisão de centralizar toda a gestão do processo de produção foi essencial e evitámos argumentos como “atrasou-se porque estamos à espera do outro fornecedor”. Estivemos sempre em cima do acontecimento. Durante os meses de produção fomos três vezes ao Norte para resolver problemas. Na semana que antecedia as entregas tivemos de ir novamente à fábrica, de propósito, buscar o tecido, pois já era suposto estar na fábrica para a confecção. Se não tivéssemos ido, os clientes só iriam receber os produtos um mês depois.

Além disso, o desafio de perceber o encadeamento do processo de produção, saber quanto tempo e quanto custa cada parte do processo de produção, e, sem ter qualquer background na área, aliados às relações que fui desenvolvendo, foram essenciais à gestão da produção. Penso que desenvolver relações, envolver as pessoas no processo, procurar responsabilizar todos no processo, saber gerir imprevistos e dar a cara, literalmente, nos momentos mais críticos têm sido o segredo. 

As peças são feitas com algodão Pima, o que as torna mais confortáveis e duráveis.

Em que medida as suas experiências profissionais anteriores a têm ajudado neste negócio?
A rede de contactos que adquiri ao longo destes últimos seis anos tem sido fundamental para impulsionar a marca. Ex-colegas e ex-chefes vieram a revelar ser potenciais investidores, o que faz com que hoje a criação e o fortalecimento destas relações sejam a nossa prioridade e estratégia de canal de distribuição. Além disso, muitos deles são os primeiros “Ambassadors”. É esta abertura de portas que temos estado a alavancar porque sem eles não seria possível ter chegado onde chegámos.

Também as metodologias de trabalho que a consultoria exige, bem como o trabalho de qualidade sob pressão, mantêm-se incorporados na nossa forma de trabalhar. São eles que nos têm permitido continuar a olhar para os problemas de forma estruturada.

Por fim, acho que o facto de já nos termos cruzado com bastantes realidades e diferentes pessoas nos permitiu perceber desde logo a importância de adaptarmos, em particular, o estilo de comunicação, pois temos de comunicar com o trabalhador de chão de fábrica, com um potencial investidor ou com um cliente, que podem ser de qualquer ponto de mundo.

“É preciso ter a humildade de reconhecer que não se sabe tudo, de cair muitas vezes e nos levantarmos de cabeça erguida.”

Que características tem que são essenciais enquanto empreendedora?
É preciso ter a humildade de reconhecer que não se sabe tudo, de cair muitas vezes e nos levantarmos de cabeça erguida, por isso destaco a resiliência. Depois o espírito obsessivo de “trabalhar, trabalhar, trabalhar, e mais trabalhar”. No fundo a paixão pelo que se faz! E a procura incessante por mais. O meu pai costuma dizer-me “que só estou bem onde não estou” [risos].

As camisas e os pólos podem ser personalisados pelo cliente.

Com menos de um ano, a Ambassador já está presente em quatro continentes. Qual é o próximo passo?
Neste momento há vários “próximos passos”. O primeiro é alargar a equipa. Estamos neste momento com candidaturas abertas para ocupar posições na área de Marketing/Social Media e função para a área de Operações e Apoio ao Cliente. Já estabelecemos dois protocolos, um com o ISCTE e outro com a Católica-Lisbon, para acolhermos alunos em regime de estágio e estamos à procura de parceiros mais maduros já com estas competências desenvolvidas dispostos a envolverem-se na Ambassador.

O segundo passa pela procura de injecção financeira para alavancarmos a Ambassador, quer na divulgação e activação da marca, quer para a compra de matérias-primas e confecção dos produtos para fazer face à crescente procura. Investidores e programas de incentivos são algumas das formas de financiamento que já temos em mente.

Desenvolver canais de distribuição sólidos é o outro ponto que importa focar, que temos desenvolvido e que queremos continuar a desenvolver nos canais de distribuição online e offline: além do nosso recente website, parcerias com afiliados, como é exemplo do Dott, da Inspiring Benefits ou outros afiliados, potencialmente com a Farfetch, Net-a-Porter, Amazom e Selfridges, seja através de várias entidades de lazer (golfe, hotelaria, vinhos), seja com espaços físicos (lojas multimarcas e pop-up stores).

Também ainda no decorrer deste ano estamos a contar participar em algumas feiras de moda masculina, como a Pitti Immagine Uomo.

Que conselho daria a uma jovem empreendedora que está a pensar criar uma marca de roupa?
Hoje existem muitas marcas de roupa, por isso, o meu conselho para alguém que queira apostar neste setor é que consiga responder de forma convicta e afirmativa a três questões: “Consigo ‘vender’ a minha ideia numa frase e num só produto?”, “Tenho uma almofada financeira para os “trambolhões” que posso vir a dar e que não estou a conseguir prever ao longo do caminho?” e “Tenho flexibilidade para me deslocar aos fornecedores e resolver os problemas caso haja algum imprevisto?”. Depois é trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar ainda mais!

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