Num vocabulário de novas palavras e expressões a que já nos habituámos, há algumas das quais esperamos ver-nos livres a curto ou médio prazo, como distanciamento social, álcool-gel, infetados, nova etiqueta… mas há outras que vieram para ficar, como o teletrabalho, e também “reinventar”. A todo o momento lemos, e ouvimos dizer, que esta e aquela atividade vai ter de se reinventar, para poder sobreviver no novo mundo pós-Covid, que não sabemos muito bem quando irá começar, mas pelo qual ansiamos…
Mas reinventar não é coisa de hoje, é algo de sempre, como bem demonstra a história que vos vou contar.
Nas últimas décadas assistimos a um movimento de “dispensa”, por muitas empresas, de quadros a partir dos cinquenta e poucos anos, em alguns casos com soluções de rescisão, com uma indemnização, ou, mais perto dos sessenta, de pré-reformas. E, assim, uma multidão de profissionais já maduros foi indo para casa. Se alguns, antecipando esse momento de ansiada liberdade, desenvolveram um plano B, iniciando verdadeiramente uma nova etapa, muitos são os que, presos a uma rotina de várias décadas, e apanhados de surpresa, se sentem perdidos e se acomodam em casa às pantufas e à televisão, envelhecendo precocemente ou mesmo entrando em depressão, porque perderam a capacidade de sonhar.
E depois, há os que se reinventaram.
Arturo Fuentes vive em Madrid com a mulher, Beatriz, um casal unido e feliz como conheço poucos. Ambos juristas, ele numa grande multinacional, aos cinquenta e poucos anos foi-lhe proposta a saída, enquanto a mulher prosseguia o seu trabalho, numa empresa do sector financeiro. Arturo não tinha, aparentemente, um plano B. Foi ficando em casa, e Beatriz contou-me que, ao fim de algum tempo, se começou a preocupar seriamente com ele – muito calado, muito introspetivo, sempre agarrado ao computador, distraído… ela bem tentava propor-lhe atividades, mais um curso universitário, idas ao ginásio, mas nada lhe parecia interessar, tão ensimesmado que estava. A minha amiga já estava quase a pedir ajuda para o marido, quando um belo dia ele lhe disse que tinha escrito um livro!
E Arturo não escreveu um livro qualquer. Escreveu um thriller, com um título sugestivo “También los demonios tiemblan”, uma história arrepiante e empolgante, passada entre a Escócia e Itália, entre o sec. XVI e a atualidade, com um herói que é arqueólogo marinho e que não resiste a um bom mistério por desvendar. E que mistérios… o livro – como os que se seguiram da saga, cujo último volume acaba de publicar – prende-nos de tal forma que temos dificuldade em fechá-lo, porque a ação decorre a um ritmo trepidante, à sombra de um “demónio da água”, que habita as profundezas dos lochs das brumosas Highlands. Quando chegamos perto do fim queremos avançar, mas resistimos, porque temos pena de o terminar… não é por acaso que um book blogger do país vizinho lhe chamou “o Dan Brown espanhol”, título que lhe assenta que nem uma luva e que é totalmente merecido.
A saga “También los demonios…” deve o seu nome ao facto de, em todos os livros, Arturo misturar, de forma magistral, lendas do folclore local dos países onde a trama se desenvolve, com crimes por desvendar. Tudo se interrelaciona, como acabamos por perceber. Da selva amazónica à agreste ilha de Gavdos, na Grécia, dum mosteiro budista na Mongólia à Londres da Grande Praga de 1665, seres sobrenaturais e irmandades secretas cruzam-se ao longo das páginas, sendo até, de alguma forma, o autor algo premonitório, uma vez que o terceiro volume versa sobre uma estranha peste, uma epidemia que regressa na atualidade, após ter feito estragos há séculos atrás…
Arturo tem já uma legião de fiéis leitores, da qual tenho muita honra em fazer parte. Há poucos dias, quando lhe disse que já tinha chegado o seu último livro, partilhou comigo uma mensagem de uma leitora mexicana. Através do Instagram, a leitora contava-lhe que a mãe se tinha tornado uma grande fã sua através do Kindle (livro digital da Amazon). A filha queria fazer-lhe a surpresa de lhe oferecer um livro em papel, autografado pelo autor. Perguntava-lhe se existia essa possibilidade. Arturo estava entusiasmado, porque não há nada que torne um escritor mais feliz do que saber que as suas histórias chegam aos leitores, e os tocam de alguma forma. Escrever permite-nos estabelecer uma conexão com os nossos leitores, onde quer que estejam, por esse mundo fora.
Autor de quatro livros publicados, premiado e elogiado pela crítica, Arturo soube reinventar-se e descobrir uma nova vocação, uma nova ocupação, uma nova paixão. Mais: um novo sentido para a sua vida, depois de terminar uma carreira de 30 anos. Reinventar-se, afinal, não é mais do que voltar a sonhar, e perseguir esse sonho; acreditar que somos capazes de tudo aquilo que nos propusermos. E são os sonhos que fazem o mundo avançar, como diz António Gedeão no seu lindíssimo poema “Pedra filosofal”.
Se todos ou muitos de nós formos capazes de nos reinventar, como vai ser, já está a ser, tão necessário, então acredito que vamos poder reconstruir este mundo devastado, e fazer dos nossos sonhos realidade.
Obrigada, Arturo, pelo teu exemplo de coragem, de inteligência, de reinvenção. E de sucesso, também.
(Ah, e já agora, se lerem em espanhol, não percam as aventuras de James Allen e dos seus amigos. O último da saga mistura “nazis, bruxaria, rituais no coração de África, conspirações, minas de diamantes de sangue…” e romance, claro. Os livros de Arturo são tudo menos previsíveis, por vezes até brutais, mas sempre com uma inata elegância que nos cativa da primeira à última página. Podem encontrá-los na Amazon… e boa leitura!)
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