A economia travou a fundo devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus. Uma parte significativa da humanidade foi enviada, com sucesso, para trabalho remoto. Em consequência disso e depois de mais de um ano, “está toda a gente a repensar a vida, a querer mudar de local de trabalho”, revela Paula Marques, diretora executiva para a Educação, Inovação e Digital na Nova School of Business and Economics. Salienta que isso até é normal, porque a paragem obrigou-nos a refletir, “algo que até nem gostam muito de fazer”.
Muitas pessoas descobriram agora que são seres geográficos e não precisam de estar nas instalações das empresas para trabalhar, pois podem fazê-lo a partir da China, Tailândia ou de outro local qualquer. Mas isso implica vários desafios, porque habitualmente aprendemos a trabalhar socialmente, juntos, o que é importante em termos de conhecimento e menos importante no que respeita à criatividade. Para Paula Marques, “o que falta agora é criar tecnologias que nos permitam melhorar a conexão entre as pessoas que trabalham”, para ajudar, sobretudo, os mais novos, aqueles que entraram pela primeira vez nas organizações e não criaram ainda as suas redes de contactos.
Mas o trabalho remoto também trouxe consigo problemas de isolamento e solidão. Paula Marques explica que ainda não há muitos estudos feitos neste campo, mas salienta um realizado pela Microsoft que mostrou que o trabalho remoto aumentou a conexão no seio das suas equipas e o decréscimo destas com as outras e o exterior. “Aquilo que aconteceu nas famílias, por causa da pandemia, ocorreu também nas organizações e isso prejudica a inovação”, defende.
É necessário haver pessoas com uma visão sistémica das coisas. Têm de ser especialistas, em duas ou três áreas, mas devem ter curiosidade por várias outras.
No entanto, as mudanças provocadas pela pandemia parecem ter acelerado a economia. Pelo menos é o que salienta o jornal The Economist, que defende que a economia terá avançado cinco anos. E quais serão as capacidades necessárias em 2025? Paula Marques explica que já há empresas a fazer esta análise prospetiva e que muitas delas não são nada de novo. Apenas “não as temos trabalhado porque temos estado focados em ser apenas robôs”, afirma, salientando que agora é necessário haver pessoas com uma visão sistémica das coisas. “Têm de ser especialistas, em duas ou três áreas, mas devem ter curiosidade por várias outras”, defende a docente.
Minoria não é o todo
Mas o que se está a falar aqui é essencialmente sobre serviços, os sectores que não produzem nada de sólido e palpável. São entre 30 e 35% das pessoas que trabalham em países como os Estados Unidos, Noruega ou Finlândia, que vivem muito dos serviços. “Mas se pensarmos no mundo como um todo, os trabalhadores do conhecimento constituem uma minoria”, diz Paula Marques. “É verdade que o seu trabalho tem impacto nos outros, mas não nos podemos esquecer que precisamos de comer e alguém tem de semear, cuidar e colher”, defende, o que traz à conversa algo essencial. É que estamos todos interligados e que é preciso pensar em larga escala quando se procura resolver problemas.
Paula Marques tem 47 anos. É diretora executiva para a Educação, Inovação e Digital na Universidade Nova Business School, onde trabalha com executivos, “pessoas com formação, experiência, que voltam para a universidade”. É também investigadora e desenvolve processos de mudança em empresas e organizações que procuram alterar o paradigma que ainda hoje estamos a viver. “Trabalho em projetos de transformação, de mudança de uma mentalidade pro-revolução industrial, muito mais ligada à eficiência, à produção rápida e barata, para uma outra com mais qualidade, mais valor acrescentado, mais mental”, explica. Diz que a sua missão é, também “provocar o pensamento das pessoas”.
Paula Marques gosta da frase de Agostinho da Silva “Quando descobrires uma coisa que resulta contigo, e que achas positiva, guarda-a para ti. Não andes a pregá-la”, porque “isso significa que cada pessoa tem o seu destino e deve ter liberdade de escolha e de pensamento”.
Explica que a maioria das que frequentam os cursos quer uma receita, uma lista. Mas “o que é necessário é aumentar o seu nível cultural e de consciência em relação ao mundo, para serem mais curiosas e procurarem ser livres para opinar e tomarem as suas decisões”.
Gosta, em particular, da frase de Agostinho da Silva “Quando descobrires uma coisa que resulta contigo, e que achas positiva, guarda-a para ti. Não andes a pregá-la”, porque “isso significa que cada pessoa tem o seu destino e deve ter liberdade de escolha e de pensamento”. Defende que é a única forma de resolver a situação complexa que estamos a passar, e que “temos de ser seres humanos melhores para que isso possa acontecer”.
Não nos tirem o trabalho
Há mais de 200 anos que o mundo aposta numa economia baseada em eficiências de escala. Nesta forma de agir, que começou na revolução industrial, o sucesso das empresas implica fazer mais rápido e barato que a concorrência. “É um jogo que já acabou por aqui e passou para países asiáticos como a Índia ou o Bangladesh, que o praticam melhor que nós”, diz Paula Marques, defendendo que é necessária a mudança para a aprendizagem de escala, para as organizações deixarem de ter a sua vantagem competitiva nos braços das suas pessoas e passarem a ter nas suas cabeças.
Docente na área de aprendizagem, a que se dedicou há cerca de dez anos, depois de ter constatado que existem milhares de publicações e outros tantos cursos sobre a forma como as máquinas aprendem, mas nenhuma sobre aprendizagem humana, Paula Marques especializou-se na forma como os humanos aprendem. “Fascina-me perceber como seres hiper frágeis como nós, tábuas completamente rasas quando nascemos, conseguem produzir coisas como uma bomba atómica em apenas 30 a 40 anos”, explica, acrescentando que Charles Darwin dizia, para explicar isso, que o grande segredo da humanidade é a capacidade de as pessoas se interligarem umas com as outras.
Paula Marques também estuda a forma como podemos trabalhar com as máquinas para encontrar as competências necessárias para levar o melhor dos humanos para lhes somar. “É preciso que nos somemos a elas e não que elas nos tirem trabalho”, defende.
O cientista tem orgulho em dizer que não sabe. É isso que faz todos os dias. Nas empresas as pessoas têm receio de o admitir, pois correm o risco de ser despedidas.
Licenciada em Economia, foi auditora da PwC, onde trabalhou um pouco por todo o mundo, o que contribuiu para ter uma “visão diferente sobre as coisas”. Passou ainda pelo Banco Privado Português e pela Porto Business School antes de ingressar na Nova Business School. Começou, há dez anos, a fazer perguntas sobre as quais não conseguia achar respostas, e, por isso, decidiu encontrá-las por si própria. Diz que sofre de curiosidade extrema sobre quase tudo. E como tem dificuldade em escolher algo e teve de optar por um tema de investigação, selecionou a criatividade, “como uma das grandes competências de futuro”. Quando começou a investigar, houve uma coisa que se diferenciou, desde logo: a disparidade entre a forma de estar das pessoas das empresas e da ciência. Cita, como exemplo, que “o cientista tem orgulho em dizer que não sabe. É isso que faço todos os dias”, diz, acrescentando que nas empresas as pessoas têm receio de o admitir, pois correm o risco de ser despedidas. Por outro lado, “nas empresas vive-se muito mal com a possibilidade do debate, enquanto os cientistas esperam isso, que alguém tenha uma opinião contrária, porque isso é necessário para a ciência avançar”.
Não há receitas
Por influência do pai gosta de filosofia económica. Diz que os grandes consultores atuais nesta área são filósofos como Alain de Botton, conhecido por popularizar a filosofia e divulgar o seu uso na vida quotidiana. Na situação atual, este alerta para “o perigo de passarmos de uma sociedade onde eramos explorados, para uma outra onde somos irrelevantes, dispensáveis, algo tão traumático para o ser humano como a exploração”, revela Paula Marques dizendo, no entanto, que não devem ser feitas grandes adianta neste momento em relação ao futuro, até porque ainda não há respostas concretas em relação a isso. Há empresas a trabalhar 100% em forma remota com sucesso e o envolvimento de todas as suas pessoas, e outras que não conseguiram isso. Segundo Paula Marques, não há receitas para todos, “mas temos de ir experimentando e ajustando, para ir aprendendo”.
AS NOVAS MOTIVAÇÕES PARA TRABALHAR
O que nos move hoje não difere muito do que movia os nossos antepassados na Antiguidade Clássica e na Idade Média. Segundo Paula Marques, “temos as mesmas paixões, queremos as mesmas coisas, sofremos com os mesmos problemas e o que nos faz rir ou chorar é muito parecido”. As empresas que perceberem melhor a necessidade de criatividade, de aprendizagem das suas pessoas, permitindo que estejam dentro delas, mas sejam livres, serão as mais apelativas, desde que saibam comunicar, a cada um, para que é que o seu trabalho serve. E o que é que as pessoas procuram no novo mundo do trabalho?
Simplicidade
As organizações tornaram-se muito complexas, mas as pessoas querem simplicidade, um trabalho que compreendam. Consultores, como Alain de Botton, aconselham mesmo a que sejam geridas como mercearias ou padarias, para que todos saibam exatamente o que estão a fazer.
Participação
As pessoas não querem estar integradas num esquema em pirâmide, em que o líder manda e todos obedecem. Querem ser ouvidas e dar a sua opinião, até porque muitas vezes sabem mais sobre determinados temas do que ele.
Conexão
Querem estar integradas numa tribo e pedem isso, porque não querem estar sós. É algo recorrente, resultante das mudanças que estamos a viver, que fizeram com que as pessoas estejam um pouco cansadas e baralhadas.
Diversidade
Querem sítios onde aprendam e haja uma liderança que as desafie e colegas que as ensinem, tal como se estivessem na escola. Por isso, as organizações têm também de ser universidades.
Liberdade
As empresas que permitam que as pessoas estejam dentro, mas se sintam e sejam livres, serão as mais apelativas.