Os dados são o petróleo dos novos tempos

As fake news ofuscam o debate que deveria estar centrado na crescente produção de dados e na forma como queremos geri-los, nomeadamente em relação aos valores da liberdade e da privacidade dos cidadãos, defende Carla Guedes, partner da Reputation, que acaba de lançar o seu primeiro livro: Insights de Comunicação.

Carla Guedes é partner da Reputation e diretora de comunicação do ISQ.

O ambiente que nos domina na atualidade é de profunda incerteza e condicionado por alguns princípios de natureza militar, que se sobrepõem à lógica económica que nos têm vindo a determinar há largas décadas. O já denominado ambiente VUCA (sigla militar dos anos 90) ou VICA em português: volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Não sabemos ainda para onde vamos, mas não temos dúvida de que há quem esteja a tirar partido desta situação: as empresas que gerem dados e, por outro lado, as que fabricam factos falsos ou fake news.

Sendo duas realidades distintas, o domínio das fake news, que, recorde-se, não surgiu com esta crise pandémica, acaba por ofuscar o debate que deveria estar centrado na crescente produção de dados e na forma como queremos geri-la, nomeadamente em relação aos valores da liberdade e da privacidade dos cidadãos.

Neste cenário de risco assistimos a uma desinformação à escala global com milhões de notícias falsas. Há empresas que vivem disto, com lucros enormes, um negócio que já existe há muito tempo, usado para diferentes fins (campanhas eleitorais, por exemplo) e que tem florescido. Se já ao nível do marketing político não é ético, imagine-se num cenário em que está em causa a saúde pública, como é o caso atual de pandemia. Todos os dias ouvimos e lemos muitos disparates e o grave é o efeito que isso pode causar nos menos atentos.

A verdade é que este é um negócio de sucesso pois as notícias falsas tendem a correr muito rápido. Quem as gere consegue um elevado tráfego e dá vontade de dizer que palermas são aqueles que as consomem porque não põem em causa o que recebem e não procuram outras versões.

A forma como este tipo de mensagem é construída, toda a desinformação à volta do coronavírus, contém os truques necessários: imagens associadas a testemunhos, linguagem descritiva, histórias pessoais, repetição da mensagem.

Mas porque é que o ser humano partilha fake news? Quais as motivações? E porque acredita? Segundo um estudo recente da Universidade de Regina, no Canadá, “muita gente não pensa sobre a veracidade de uma informação antes de a partilhar numa rede social. E, muitas vezes, divulga notícias que podem ser falsas só porque elas são coincidentes com a sua opinião”. Também a Universidade de Stanford fala no tema no final da década de 1970: “Pessoas com visões opostas encontram fundamento para as suas crenças no mesmo conjunto de evidências disponíveis”. A BBC Future lembra que a forma como este tipo de mensagem é construída, toda a desinformação à volta do coronavírus, contém os truques necessários: imagens associadas a testemunhos, linguagem descritiva, histórias pessoais, repetição da mensagem.

Estamos atualmente num ponto de viragem para uma revalorização da comunicação social e do jornalismo de uma forma genérica, face ao paradigma das redes sociais que se tem imposto como fonte de informação para um conjunto muito significativo da população mundial.

Todo este cenário está a afetar a credibilidade do sector da informação. No entanto, creio que estamos atualmente num ponto de viragem para uma revalorização da comunicação social e do jornalismo de uma forma genérica, face ao paradigma das redes sociais que se tem imposto como fonte de informação para um conjunto muito significativo da população mundial. Para isso estará também a contribuir a forma como alguns responsáveis políticos mundiais têm vindo a lidar com a realidade covid-19.

Mas também nunca se procurou tanta informação, até fruto da vulnerabilidade física e emocional em que as pessoas se encontram atualmente, estando mais disponíveis para consumir conteúdos. E, mesmo que não queiram, são bombardeadas pelas redes sociais. Mais uma vez: se por um lado a transformação digital trouxe vantagens inquestionáveis como o permitir-nos estar conectados à distância e a trabalhar, por outro massificou os conteúdos e as fontes. Qualquer um de nós pode ser hoje fonte de informação e criador de conteúdos.

Lembremos o escândalo da Cambridge Analytica com as eleições dos EUA ou as suspeitas que surgiram em torno do Facebook. Este cenário é assustador: os nossos dados são usados para fins questionáveis e não existem sanções. Questões éticas, morais, democráticas estão aqui em causa.

É caso para dizer: é o algoritmo, estúpido! Mas há o outro lado da história: se bem usado, o algoritmo pode ajudar a desenvolver novos modelos de negócio em vários domínios: gestão jurídica, saúde, recursos humanos, investimentos.

Em suma, dados, segurança cibernética e democracia. Um triângulo que deve ser olhado com cuidado e preocupação e que carece de regulação. Mas o que é certo é que o “mundo” de exploração de dados vale mais do petróleo nos dias que correm!

Texto originalmente publicado no Expresso, em 11 de Maio de 2020 e que integra o livro Insights de Comunicação.

Insights de Comunicação

Insights de Comunicação é o primeiro livro da Carla Guedes. Este livro agrega um conjunto de textos no âmbito da comunicação escritos nos últimos 20 anos e publicados nos mais diversos meios de comunicação nacionais, que no conjunto traçam uma história da comunicação em Portugal.

Os artigos constituem uma reflexão sobre as várias dimensões da Reputação: comunicação interna, comunicação corporativa, gestão de crise, gestão de stakeholders, CEO na reputação da organização, responsabilidade social, marketing verde, identidade das marcas, sustentabilidade, confiança, inovação, ética na comunicação, comunicação digital, country branding, liderança, governance, fake news, SEO (search engine optimization), teletrabalho, o valor dos dados, entre outros temas.

O livro realça ainda a importância da boa comunicação para toda e qualquer organização numa sociedade democrática, apresentando as principais tendências de comunicação e reputação num mundo cada vez mais digital, que vive um período histórico em 2020.

Carla Guedes nasceu em Angola, e veio para Portugal após a revolução de 25 de abril. Licenciada em Comunicação Social pela FCSH, iniciou a sua carreira nas redacções do Diário Económico, Expresso e RTP. Ingressou depois em agências de comunicação como Ideia Certa, Weber Shandwick e GCI. O seu percurso profissional inclui uma passagem pelo Ministério da Economia e o acompanhamento de duas candidaturas politicas em África (Moçambique e Angola). Fundou a Reputation, em que se mantém como partner, e atualmente é a responsável pela comunicação do Grupo ISQ.

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