Na SIVA todos os dias são Dia da Mulher. Este foi o mote para uma talk, promovida pela SIVA e a Executiva, com três mulheres em cargos de liderança, o que ainda é uma raridade, que procuram empoderar outras mulheres, quer pelo seu exemplo, quer pelos projetos que lideram. O auditório da SIVA, na Azambuja, acolheu uma plateia interessada e entusiasta de mulheres e homens, para assistir a uma conversa inspiradora, entre Cristina Saiago, diretora-geral da Clarins, Manuela Doutel Haghighi, co-fundadora do Women@Microsoft Network Portugal e Joana Frias Costa, fundadora e presidente executiva da Inspiring Girls em Portugal.
Nesta talk, conduzida por Isabel Canha e Maria Serina, fundadoras da Executiva, vamos conhecer melhor estas três mulheres extraordinárias, com vidas e percursos distintos, mas que partilham a paixão pelo que fazem, e trabalham para melhorar a vida dos outros.
“O caminho para o sucesso dá trabalho e demora tempo”
Em Portugal, apenas 13,9% dos diretores gerais das empresas são mulheres. Cristina Saiago pertence a uma minoria de gestoras que conseguiu chegar lá. Economista de formação, começou por trabalhar no Banco Finantia, mas rapidamente se deixou seduzir pelo mundo da cosmética e da perfumaria. Estreou-se no Grupo Estée Lauder e, onze anos depois, mudou para a YSL. Em plena crise de 2008, assumiu a direção-geral da Clarins, e desde então conseguiu colocar a marca de cosmética de luxo mais vendida na Europa, em n.º 1 na distribuição seletiva em Portugal e orgulha-se de liderar a única operação do Grupo que tem crescido todos os anos, apesar das crises.
O caminho para o sucesso, diz, “dá muito trabalho e demora tempo”. Destaca que é preciso ter um propósito e perceber que aquilo que se faz tem impacto no funcionamento da empresa. E explica que para o conseguir é preciso construir um ambiente seguro “onde as pessoas podem ser criativas e inovar, sem serem julgadas.” Uma vez alcançado, “o sucesso transforma-se em paixão”, afirma, salientando ainda que num mundo em constante mudança “temos de ser flexíveis para não ficarmos fora de jogo.” Para chegar onde está hoje, reconhece que foi preciso ter coragem para liderar em áreas desconhecidas e assumir o risco. Foi o que aconteceu em pleno Covid, quando, contrariando as diretrizes da casa-mãe francesa, tomou uma decisão arriscada, em conjunto com a equipa, de não ter nenhum colaborador em layoff, usando em alternativa uma estratégia inovadora, e como resultado, foi a única filial da Clarins, na Europa, a crescer nesse ano.
“Qualquer história de vida é um bom exemplo de perseverança, de como devemos seguir os sonhos e vocações, sejam homens ou mulheres”
Coragem nunca faltou a Manuela Doutel Haghighi, que saiu de Portugal em 1995 para ir estudar e ficou pelo estrangeiro mais de 25 anos. Trabalhou em 7 países em 3 continentes, e fez a sua carreira em multinacionais de tecnologia como a IBM, onde esteve 17 anos. Regressou a Portugal em 2021 e, agora na Microsoft, onde está há três anos, como Global Customer Success Account Director, a gerir clientes e equipas multiculturais de uma conta global, co-criou o primeiro Women Network da Microsoft Portugal. Foi quando viveu e trabalhou no Reino Unido que se juntou à rede Women Network, e começou a interessar-se pelas regras informais do mundo empresarial. “Nessas conversas falava-se, por exemplo, de autopromoção, de arriscar. Na escola, ninguém nos prepara para isso, as regras no sistema de ensino são estudar muito, ter boas notas, acabar um curso e depois achamos que as regras no mundo empresarial são iguais e, não é assim”, esclarece. Pelos países por onde passou, aprendeu a importância da união feminina, e desde há três anos que partilha e difunde a sua experiência de networking e empoderamento em Portugal, enfatizando que “ensinamos as regras informais a todos, e não apenas às mulheres.”
Joana Frias Costa tem mostrado à futura geração de mulheres que podem ter tudo. Com mais de 15 anos de experiência na área da comunicação e responsabilidade social corporativa, tendo passado pelo turismo, indústria farmacêutica e setor financeiro, esta empreendedora, que se mantém há uma década como professora no ensino superior, partilhou que as questões da igualdade de género sempre foram a sua causa. Ainda que estivesse envolvida em missões sociais, sentia que podia dar mais. “Queria fazer algo que tivesse impacto na comunidade”, explica. Quando se cruzou com o projeto Inspiring Girls “tinha dois empregos, uma filha de dois anos e estava grávida”, conta, mas sentiu que “aquela era a oportunidade de o trazer para cá.” Desde há três anos, que esta associação sem fins lucrativos se dedica a inspirar as jovens raparigas a alcançarem as suas aspirações profissionais, através de sessões em escolas, onde participam voluntárias, com os mais variados percursos pessoais e profissionais, que partilham as suas histórias e experiências: “Qualquer história de vida é um bom exemplo de perseverança, de como devemos seguir os sonhos e vocações, sejam homens ou mulheres.”
“Só somos bons a liderar quando dedicamos tempo à nossa esfera pessoal”
Das atitudes e comportamentos que fizeram a diferença para serem bem-sucedidas, identificadas no mais recente livro das fundadoras da Executiva, De Trainee a CEO, Manuela Doutel Haghighi destaca as que mais impactaram cada fase da sua vida. “Quando era trainee, queria ganhar visibilidade e também tive mentores e sponsors, que me ajudaram a orientar para onde ia.” Depois do burnout, aos 33 anos, salienta a gestão do stress, “percebi que não era a supermulher e tive de gerir expectativas.” Quando começou a fazer escolhas orientadas, confessa que se deu o clique e começou a trabalhar com paixão, “tenho paixão pela mudança, pela transformação no meu dia a dia.”
Para Cristina Saiago, a gestão do stress foi fundamental na sua progressão profissional. Sendo por definição “uma problem solver“, reconhece que o seu otimismo lhe dá “endurance e resiliência” para ultrapassar obstáculos. Além disso, confessa ser muito obcecada pelo longo prazo: “sei que tenho de ter sempre à minha volta uma equipa competente, que me consiga acompanhar e a quem eu consiga confiar os caminhos da empresa, e isso faz toda a diferença.”
Trabalhar com paixão é o que move Joana Frias Costa. “Ser completamente apaixonada pelo que faço começou verdadeiramente com este projeto, que implicou risco e muito apoio familiar”, revela. Paralelamente, considera que a gestão do stress e a conciliação são fundamentais, defendendo que a conciliação é a base para se ser bom naquilo que se faz, “só somos bons a liderar quando dedicamos tempo à nossa esfera pessoal.”
“Não temos de ser tudo ao mesmo tempo, e devemos assumir isto sem culpas”
Não há fórmulas secretas para conseguir conciliar e fazer tudo. Manuela Doutel Haghighi revela que não sendo perfecionista tem algumas regras de ouro para encontrar o equilíbrio: dormir oito horas e, mesmo quando não o consegue, organiza a sua vida à volta destas horas de sono, desligar do trabalho aos fins de semana e nas férias e nunca prescindir de estar com os amigos.
Cristina Saiago admite que a maternidade é dura e fisicamente exigente, tendo sido posta à prova quando aos 8 meses de gravidez foi contratada para reestruturar a Yves Saint Laurent. “Quando a minha filha tinha dois meses recomecei a trabalhar”. Valeu-lhe o apoio familiar, tal como aconteceu a Joana Frias da Costa que afirma que a conciliação passa por ter uma boa rede, sendo importante que os homens repartam tarefas, assumam as responsabilidades e as normalizem. “Não temos de ser tudo ao mesmo tempo, e devemos assumir isto sem culpas”, enfatiza.
Quanto mais evoluiu na carreira, mais resistências encontrou, revela Manuela Doutel Haghighi. “Num contexto em que sou a única mulher, a mais jovem e do sul da Europa, esta é uma combinação de fatores extremamente difícil.” Cristina Saiago acrescenta que os “jogos políticos”, quando se chega ao poder, custam-lhe muito. Assim como lidar com pessoas mais agressivas. Mas “como sou muito calma, os outros ficam surpreendidos com a minha falta de reação ao mesmo nível e acalmam-se, acabando por vir ter comigo num plano diferente.” Também Joana Frias Costa experienciou situações semelhantes e conta que viu muitas mulheres talentosas perderem oportunidades “por não pertencerem aos boys club.” Para além deste lado negro, reconhece que no seu caso, ter tido uma diretora que acreditou nela e lhe apresentou o projeto Inspiring Girls foi determinante: “é muito importante existirem mulheres a empoderar outras mulheres e que as puxem.”
“Gostava que o tempo passasse depressa para que a igualdade de género não fosse um desejo, mas uma realidade para as portuguesas”
Muito pragmática, Manuela Doutel Haghighi, acalenta o desejo de ver as mulheres portuguesas mais sorridentes, mais relaxadas, e mais confiantes nelas próprias, lançando o repto: “Deixem de ser perfecionistas, e tenham coragem.”
O desejo maior de Cristina Saiago é que o tempo passe depressa. Reconhece que já foi feita muita coisa, avançou-se, mas demorou muito. “Há ainda muito por fazer e, eventualmente, vai demorar muitíssimo tempo. Gostava que o tempo passasse depressa para que a igualdade de género não fosse um desejo, mas uma realidade para as portuguesas.”
Por seu lado, Joana Frias Costa gostaria que as jovens raparigas tivessem um boost de autoestima e que as mulheres ganhassem maior representatividade em todas as áreas, chamando a atenção para o facto de em Portugal “representarem apenas 10% das lideranças do poder local, quando são mais de metade da população.” E conclui, afirmando que “uma sociedade onde as mulheres não estejam representadas não é justa nem equilibrada.”
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