Nasceu em Angola, mas apresenta-se como angolano, português, nepalês, catalão e espanhol, pois vê o mundo como “um grande espaço para partilhar”, sem se importar com as fronteiras. Apaixonado por psicologia, aos 17 anos aprofundou a sua vocação influenciado por Aruna Giri Nat, psicólogo e vice-presidente da Associação Mundial de Yoga. Foi discípulo de Swami Gitananda, de Mingh Tung e de Sangye Nyenpa, um dos Rimpoches mais sábios em filosofia, com quem partilhou 12 anos, seis dos quais no mosteiro Benchen Phuntsok Dargyeling de Kathmandu, no Nepal. Em 2006, converteu-se em Lama. Segue a tradição Kagyu, uma das quatro do Dharma no Tibete.
Professor de Psicologia Budista e Meditação, quando se apaixonou por Barcelona, onde vive, fundou o Centro Dharmakaya, espaço em que desenvolve actividades relacionadas com o bem-estar. Nos últimos anos, tem desenvolvido programas de Mindfulness para executivos, como por exemplo para a Associação dos Financeiros de Espanha. Em Portugal, em conjunto com a InsightOut, desenvolveu um programa à medida para a PT, em que estiveram envolvidos 53 colaboradores da empresa. Fez ainda uma palestra para 65 quadros do BCP, sobre a gestão do stresse e das emoções e a importância do mindfulness.
Para leigos e resumidamente, o que é, afinal, o mindfulness, de que toda a gente fala? Definir o mindfulness de forma sucinta não é fácil. O conceito é simples, viver plenamente consciente da sua própria experiência. Uma técnica que desenvolveu Sakyamuni, mais conhecido por Buda, para tranquilizar e dominar a mente.
Muita gente pode pensar que se trata de mais uma moda new age. Qual a ciência que explica? Sempre foi uma moda new age até nos old ages. No fundo vivemos numa sociedade muito mais intelectualizada que antes e a curiosidade científica veio descobrir os benefícios e resultados assombrosos do mindfulness. Onde vivo, a sociedade de sábios, médicos, físicos, químicos e biólogos, psiquiatras e psicólogos não conseguiram deixar de acompanhar as descobertas científicas que se faziam nas universidades mais prestigiadas do mundo. Posso dizer que com a profundidade que envolve o mindfulness, é de interesse social o estudo dos seus benefícios em todos os campos. Muitos “iluminados” cheios de certezas absolutas aproveitam-se dessas descobertas para justificar as suas loucuras e espiritualidade, mas não transmitem a mínima tranquilidade ou honestidade.
Mindfulness é estar aqui agora, não num mundo alternativo com homens de quatro braços a flutuar no ar.
Em que difere da meditação? A palavra mindfulness é melhor que meditação porque ambas traduzem um substantivo (dhyana) e não um verbo. O termo “fazer meditação” ou “meditar” entra em contradição consigo próprio quando analisado profundamente, porque meditar não implica acção. Por isso os monges zen falavam da não acção ou não meditação. Talvez o treino de esse estado mental pudesse ser chamado meditação e o estado em si mindfulness. Também porque durante muito tempo meditar era coisa de gente estranha e dominar a mente coisa de quem não tinha realmente algo importante para fazer, essas palavras têm uma carga demasiado pesada e que convida à confusão.
Tem alguma coisa de transcendente? Se transcendente significa algo místico ou religioso ou esotérico, espiritual, pois, não. São antagónicas as duas percepções. Mindfulness é estar aqui agora, não num mundo alternativo com homens de quatro braços a flutuar no ar. Quando comemos podemos prevenir transtornos alimentares, e nesse caso poderias dizer que há mindfulness na alimentação. Porque comes? Para alimentar o corpo ou como resposta a uma frustração? Se dissermos que podemos transcender uma visão egoísta e auto destruidora e descobrir que o grande obstáculo para a felicidade reside em nós, então transcender não estaria mal utilizado.
Acho que se pagariam mais impostos se os fiscais fossem pessoas simpáticas e que nos ajudassem.
Meditação e local de trabalho parecem ser duas realidades antagónicas. Como conseguir abstrair-se num ambiente de interrupções e grande fluxo de informação, que exige estar alerta para todas as realidades? As empresas, os governos, as famílias são conceitos, alguns jurídicos outros sociais. Não existem por si próprios, são compostos por seres que sentem. O bem estar dos empregados é o bem estar da empresa, e isso reflete-se tanto a nível interno como externo, com os clientes. Porque é que ninguém gosta de ir à segurança social ou outros organismos? Entram já com medo. Estamos habituados a que aquelas pessoas estejam frustradas e cansadas, e com razão. Acho que se pagariam mais impostos se os fiscais fossem pessoas simpáticas e que nos ajudassem.
Sabemos hoje que uma pessoa triste ou irritada é menos inteligente do que quando está feliz e tranquila. O discurso interno que temos para connosco próprios modifica zonas cerebrais. Sabemos que a prática de mindfulness aumenta a massa cinzenta na zonas da concentração e da felicidade, do amor. A meditação é um potenciador da zona direita do cérebro onde está a criatividade. Para os directores e os líderes poder aprender a ouvir e a funcionar com o programa de software de cada um dos empregados não é fácil, e é um benefício para todos. O mercado de valores, a política, os conceitos são feitos por experiências humanas. Melhora essa experiência e melhoras o mundo.
Como é que o tema chegou ao Forum Económico Mundial? Felizmente há sangue novo no mundo empresarial, no mundo da música e do desporto, onde o mindfulness tem um papel importante também.
Ser feliz é fácil, mas é mais fácil esquecer-se de ser feliz.
Muitas empresas apostam também em projectos de mindfulness para os seus colaboradores. Que resultados são observados? O empresário antigo que se via separado dos seus empregados, cuja opinião era a única que contava, deu lugar a um ser mais inteligente e mais humano. Os benefícios são múltiplos: produtividade, felicidade, iniciativa, concentração, disponibilidade, adaptabilidade, flexibilidade, confiança, honestidade, companheirismo e sentido de equipa…não sei por onde começar sinceramente. Há benefícios clínicos, psicológicos, sociais que vão de par e que podem transformar uma empresa em algo mais que isso. A empresa é uma egrégora, depende agora saber o que representa.
Qual o tempo necessário para praticar até obter esses benefícios? O tempo depende muito de cada um. Há pessoas muito apegadas à sua visão já construída da vida. Esse mapa encontra-se no lado esquerdo do cérebro e é construído pelas experiências de vida de cada um. Há pessoas que 20 anos, 30 anos, 40 anos depois pensaram que o homem ainda não podia ir a lua porque não há elevadores. Outros pensam que a única solução é o petróleo, ou os sistemas políticos antigos. Por isso, o papel de quem ensina mindfulness é tão importante. É só uma questão de explicar bem e convencer. Depois de alguém se decidir sentar e por a sua mente só no movimento abdominal, os resultados sentem-se nesse momento. Passado pouco tempo as ondas cerebrais respondem e começam um trabalho incrível que pode regenerar zonas do cérebro. Não é necessário esperar mais do que isso. Ser feliz é fácil, mas é mais fácil esquecer-se de ser feliz.
OBRA SOCIAL
Em 2006 Gustavo Preto Pacheco fundou um lar para crianças órfãs em Katmandu, capital do Nepal. Seguiram-se rapidamente contributos para obras em Kaipong, na Índia, e centros no Burkina Faso e no Haiti. Um dos seus primeiros projectos foi a transformação uma aldeia na Índia, Sarnath, onde trabalhou para conseguir que os habitantes conseguissem sobreviver com os seus próprios recursos, abandonando a caridade. É fundador e vogal especial da Fundação Petit Món.
O orfanato que fundou no Nepal foi afectado pelo sismo? Todos os nepaleses e amigos foram afectados pelos sismos. Não houve danos estruturais, se é ao que se refere, mas a sociedade civil em geral e os meus meninos em particular sofreram e vão continuar a sofrer os efeitos pós-traumáticos destes sismos, tanto a nível de recursos, como psicologicamente.
Como consegue acompanhar a actividade do centro em Barcelona e as obras que fundou no Nepal Índia, Burkina Faso e Haiti? O meu trabalho tem sido fundar projectos e não tanto acompanhá-los. Sou observador, mas há gente que está a fazer bem o seu trabalho. Esses têm muito bom coração. Gosto de arquitetar o projeto e construir, o seguimento é feito por outras pessoas. Sigo essas pessoas e elas contam-me. Uma vez por ano vou visitar os meus meninos e vejo como estão, se são felizes e se estão a transformar-se em bons cidadãos para este mundo. Muitas vezes preocupamo-nos em deixar um bom mundo para os nossos filhos, mas seria importante também deixar bons filhos para o nosso mundo. Estou mais preocupado pelo que não consegui ajudar ainda. É que cada dia que passa morrem 36 mil e não tive tempo nem capacidade para ajudar esses. Sinto-me envergonhado por não poder fazer mais.