Christina Bengtsson: “ Atrevo-me a dizer que o foco é mais importante do que o QI”

Entrevista com Christina Bengtsson, ex-militar e campeã mundial de tiro de precisão e autora do livro “The Art of Focus”, em que fala da sua experiência de vida dedicada ao foco, que considera vital para o futuro da humanidade. Christina Bengtsson é a keynote speaker da 10.ª Grande Conferência Liderança Feminina.

Christina Bengtsson é líder mundial em foco.

Nascida na Suécia, Christina Bengtsson decidiu aos 23 anos que seria a melhor do mundo numa área. Disciplina, criatividade, muito foco e um pouco de loucura, estão na base do seu sucesso que a levou, após sete anos de treino intenso, ao título de campeã militar mundial de tiro de precisão. Foi a primeira mulher a chefiar o Gabinete de Ligação Europeu do CISM — Conseil International du Sport Militaire, bem como a primeira mulher a ser admitida na equipa nacional sueca de tiro militar, tendo sido distinguida, duas vezes, com a medalha de Comandante Supremo. Integra ainda o corpo docente do Programa Internacional Executivo da Stockholm School of Economics.

Christina Bengtsson, autora do aclamado livro The Art of Focus —10.9, é considerada uma líder mundial do pensamento, tendo dedicado a sua vida a desenvolver e a ensinar a arte do foco, sendo figura assídua em múltiplas conferências corporativas e internacionais, assistidas por milhões de pessoas. O ruído e distrações crescentes à nossa volta tornam cada vez mais difícil encontrar e manter o foco, e Christina Bengtsson considera que para enfrentar desafios é preciso ensinar todas as gerações a desenvolver as ferramentas para recuperar a clareza mental. E seria desejável que os líderes pudessem ser role models de foco para as suas equipas. Porque, diz a especialista, o foco é contagioso.

Christina Bengtsson é a keynote speaker da 10.ª Grande Conferência Liderança Feminina, promovida pela Executiva a 19 de outubro, em Lisboa, onde vai revelar as ferramentas para aguçar a mente na carreira e na vida pessoal.

 

Enquanto antiga militar e atleta de tiro de precisão, como é que acabou por se dedicar à escrita, ao ensino e à formação sobre a arte do foco?

Aconteceu muito naturalmente. Sempre tive um grande interesse pela capacidade cognitiva e emocional humana, mesmo antes de iniciar as minhas carreiras como atleta e oficial.  E encontrei um escape para esta paixão tanto quando me desafiava na carreira de tiro como em situações de exigência militar. Lembro-me de como analisava, não só a mim própria, mas também os outros, registando e documentando tudo para obter novas perspetivas e dimensões mentalmente excitantes.

Sem dúvida, que o aspeto mais importante de toda a minha aprendizagem que me levou a vários sucessos, tanto como profissional e pessoa, foi a capacidade de me libertar das distrações interiores e exteriores e, assim, despertar o meu potencial, significado e direção interiores — simplesmente ignorando a perturbação e tendo uma mente livre — uma espécie de pilar, tanto para um excelente desempenho numa perspetiva de curto prazo, como para um esforço construtivo, de longo prazo e significativo.

Mas só depois de ter deixado o desporto e o exército é que me deparei com uma realidade diferente, em parte no mundo dos negócios, mas também na vida quotidiana, onde vi que as pessoas tinham perdido algumas das características que formam a base de uma vida focada. Venho de mundos onde o foco era elevado a parte integrante do trabalho e respeitado como uma capacidade necessária, e entrei num outro mundo onde as atitudes a curto prazo, as soluções rápidas, a fragmentação, a dependência da atenção e a escassez de tempo eram a norma.

Então, decidi que algo tinha de ser feito. Era óbvio que todas as lições que se tinham revelado tão úteis para mim, teriam ainda mais valor se fossem partilhadas com outros. Depois de, durante anos, ter ajudado muitas pessoas em diferentes estratos da sociedade, de diferentes partes do mundo, culturas e áreas, e de ter recebido muitas reações úteis, tive agora a dolorosa confirmação de que a capacidade humana de se focar está atualmente sob grande pressão e que a falta de concentração é universal.

O foco, uma competência tão vital, precisa de maior dedicação, tanto por nós como por toda a sociedade. A humanidade, o futuro do trabalho e as nossas estruturas culturais enfrentarão desafios — e oportunidades — que exigirão foco individual e coletivo.

Embora corresse o risco de falhar o meu objetivo, nunca corri o risco de me perder”

 

Aos 23 anos, decidiu tornar-se a melhor do mundo em alguma área. E conseguiu-o! Como é que isso foi possível e o que o levou a atingir o seu objetivo?

Embora o desporto seja extremamente exigente, tanto técnica como mentalmente, e as margens sejam tão pequenas que quase não existem, achei que era uma vantagem começar tarde. Já era uma pessoa mentalmente forte quando decidi ser a melhor do mundo em alguma coisa. Por isso, embora corresse o risco de falhar o meu objetivo, nunca corri o risco de me perder. E isso foi uma grande vantagem.

Além disso, o meu objetivo não era apenas ter uma medalha ao pescoço, mas também desenvolver-me como ser humano. Esta abordagem também foi uma vantagem quando percebi muito cedo que devia haver um significado mais profundo e uma paixão maior do que simplesmente ganhar — e havia. Esta abordagem trouxe mais calma a toda a competição e luta.

Além disso, a disciplina, a criatividade e talvez um pouco de loucura estão na base do meu sucesso — praticava tiro a meio da noite, em carreiras de tiro solitárias no bosque, só para ver como o meu corpo e a minha mente lidavam com isso. Numa Páscoa, cheguei mesmo a vestir traje de gala na carreira de tiro para criar um ambiente mais leve e, por conseguinte, uma maior acuidade, numa experiência que, de outro modo, seria muito aborrecida e repetitiva. Por vezes, até disparava contra biscoitos, só para mudar o padrão dos alvos normais em que o 10 era sempre tão pequeno — os biscoitos ajudavam-me a reduzir as exigências e a ter menos medo das pequenas margens.

O facto de eu ser tecnicamente muito pior do que todos os outros foi obviamente difícil e, no início, fez-me sentir que talvez o meu objetivo fosse impossível. Mas como não era razoável recuperar o atraso através do treino, isso obrigou-me a desenvolver o foco e uma concentração muito elevada em tudo o que fazia— em cada tiro. A qualidade passou a ser mais importante do que a quantidade e, apesar de todas as perdas, isso criou uma espécie de desenvolvimento exponencial, tanto de brilhantismo técnico como de uma autoestima profundamente enraizada.

 

Praticou mais do que as 10 mil horas consideradas necessárias para ser excelente num determinado domínio. De facto, calcula que tenha praticado 25 mil horas. Quais são as características de uma boa prática, uma prática que nos leva a melhorar e não apenas a repetir sem desenvolvimento?

Em parte, é ser capaz de aceitar e também de funcionar num estado de “aborrecimento”. Outro aspeto é aprender a identificar a falta de concentração e de foco. Por outras palavras, ser clara consigo mesma e estar disposta a parar de fazer algo que não funciona. Na verdade, também gostaria de desafiar a imagem de “nunca desistir” — porque, para mim, muitas vezes tem sido uma vantagem “desistir”, para abrir espaço para algo novo, mesmo que eu tenha mantido a visão alargada. É fácil identificar a nossa própria capacidade e desenvolvimento em relação ao que os outros fizeram, ou ao que os outros esperam fazer para atingir um determinado objetivo, mas talvez a estratégia mais forte e mais motivadora seja encontrar o nosso próprio caminho. Um terceiro aspeto é que, para mim, a prática não são apenas os momentos em que estou a treinar ativamente. Trata-se também de ter consciência dos pensamentos que tenho. Quando utilizo o termo disciplina, raramente me refiro à disciplina de me levantar cedo para um treino planeado, escrever ou o que quer que seja, mas sim à disciplina dos meus pensamentos — por exemplo, dar-me dois segundos de reflexão antes de dizer algo, escrever ou reagir a algo viral que me chamou a atenção… É uma forma de treinar a foco na vida quotidiana e de nos tornarmos um pouco mais conscientes, bem como de pensarmos um pouco mais positivamente sobre nós próprios, o que nos rodeia e as nossas ações.

 

Christina Bengtsson é campeã de tiro de precisão.

“O foco é uma mente livre das distrações que nos levam na direção errada”

 

O que é, então, o foco? É diferente da prática e da atenção plena?

Depois de muitos anos a analisar esta questão, pergunto-me se o foco é a única solução fiável contra a fragmentação individual e social. Quando os nossos dias são regidos por soluções rápidas que não servem o nosso objetivo superior, temos de aprender a capacidade de resistir aos impulsos, exercer autodisciplina e manter o controlo cognitivo, e compreender como a presença, a atenção e a empatia aumentam as nossas hipóteses de sucesso.

A meditação, a atenção plena, são uma parte importante deste processo, mas estão principalmente ligadas à presença e à capacidade de, por vezes, “não pensar” — o que é importante. Mas o conceito de concentração também inclui precisão e excelência naquilo que realmente pensamos, na direção que tomamos e na forma como podemos, em conjunto, passar de um desfoque coletivo para uma concentração unida.

O foco, significa mais do que as pessoas podem inicialmente aperceber-se. As pessoas contactam-me de todo o mundo e perguntam-me frequentemente sobre o foco no sentido de desempenho máximo, de ir de A para B o mais depressa possível ou de se tornar mais produtivo. Embora eu tenha vontade de dizer que “sim, isso faz parte do que é o foco ou do que uma mentalidade focada pode proporcionar”, a minha experiência e o meu trabalho mostraram claramente que também devemos ter em conta uma perspetiva mais profunda do foco para compreender o seu verdadeiro potencial.

 Que valores fundamentais estão subjacentes a uma mentalidade focada? Que relação tem o foco com a empatia, a capacidade de ouvir, de aprender e de comunicar?  O foco consiste realmente em tirar partido da capacidade humana de se orientar a si próprio e às suas ações na direção certa — e não é disto que precisamos mais do que nunca? De uma forma simples, o foco é uma mente livre das distrações que nos levam na direção errada. Mas não se trata apenas de ser capaz de se focar e de se orientar corretamente, mas também de ser capaz de se afastar do que não é bom, nem construtivo, nem sensato.

O foco permite alcançar a excelência, a nitidez, a clareza e a utilização adequada do nosso potencial cognitivo e emocional (através do nosso próprio esforço). Para lá chegar, temos de começar por nós próprios, quem somos, o que queremos e o que podemos fazer. Temos de nos ligar à nossa identidade interior e é aí que existe uma ligação à meditação.

Consegui atingir um público relativamente vasto e trabalhei com pessoas que vão desde estudantes entusiastas e com vontade de viver que se preocupam com a mediocridade, até celebridades e investidores, extremamente bem-sucedidos, que procuram objetivos e propósitos, depois de já terem percorrido um longo caminho. Estes últimos podem necessitar de estratégias para se desenvolverem a nível emocional, espiritual e existencial, ou para colocarem o seu capital humano onde este tenha mais significado para os outros e para si próprios. O que é melhor e mais construtivo para uma sociedade fragmentada e polarizada é quando estas duas categorias de pessoas se encontram num foco comum que conduz ao bem. É nessa altura que podemos realmente falar de um impacto social positivo.

Quando começamos a sentir a nossa motivação, o foco torna-se uma força crescente que substitui a ambiguidade, a incerteza e a influência de todas as direções possíveis. Atrevo-me a dizer que o foco é mais importante do que o QI.

“Uma forma de resistir a todos os impulsos do exterior é construir a autoestima, sem a influência constante dos outros”

 

Afirmou que uma mente concentrada é o nosso ativo mais importante. Como é que podemos treinar e desenvolver esta competência crucial? O que caracteriza o seu Modelo de Foco?

O Modelo de Foco surgiu-me como num momento de inspiração, durante uma manhã, na carreira de tiro, numa altura em que me sentia frustrads pelo facto de estar exausta, nervosa e preocupada. Na minha cabeça, naquele momento, senti que era a pior atiradora do planeta e que todo o meu esforço parecia terrivelmente sem sentido. Embora soubesse que nada disso era verdade, tremia de nervosismo durante a competição.

O Modelo é uma simplificação brilhante e visual do que é uma mente focada (numa perspetiva de desempenho). Explica como o facto de o cérebro poder essencialmente focar-se apenas numa coisa de cada vez é uma vantagem e não uma limitação, e dá uma imagem de como, com a escolha certa do pensamento, nos podemos libertar de pensamentos que nos distraem, por vezes baseados no passado ou no futuro, e simplesmente eliminar o ruído irrelevante — e, neste estado, atingir o nosso verdadeiro potencial. O lugar onde as decisões são tomadas em bases sensatas. Onde reina a lucidez, a autenticidade e a capacidade de alcançar aquilo de que somos capazes.

 

O nosso foco está à venda e que, por isso, facilmente ficamos presos a um comportamento de consumo superficial que pode até interferir com a nossa robustez existencial. Por essa razão, temos de nos salvar a nós próprios e às nossas empresas de sermos apanhados numa “desfocagem” coletiva e numa histeria viral sem fim.

 

Como podemos optar por não reagir nem nos distrairmos, quando há tantas coisas a acontecer à nossa volta e as empresas poderosas estão a desenvolver formas subtis, mas muito eficientes, de captar a nossa atenção?

A nossa capacidade de pensar à frente e atrás no tempo é única, mas por vezes também nos tira do foco. Permite-nos evocar imagens de cenários futuros que por vezes atrapalham mais do que ajudam. Refletimos sobre a razão pela qual algo correu como correu, ou não correu como queríamos, ou como algo vai correr, ou preocupamo-nos que não aconteça. Saltamos de uma solução para outra, respondemos nos canais digitais e procuramos constantemente novos canais. Tudo isto fragmenta a nossa mente e perdemos o foco de que tanto precisamos para funcionar bem e agir de forma coerente, com as diretrizes estabelecidas.

E é exatamente isto que está a acontecer a muitos de nós neste preciso momento — um número assustador de pensamentos está a ser desperdiçado em opiniões irrelevantes.

O ponto do Modelo de Foco é poderoso: se conseguirmos entrar neste lugar de foco, temos a capacidade de quebrar a tendência e guiar-nos na direção certa sempre que sentimos que estamos a entrar num padrão de pensamento reflexivo ou distrativo. É assim que nos recompomos e afastamos o ruído irrelevante, a desinformação e também a preocupação sem fim. Podemos permitir que nos ajude a cumprir as diretivas e orientações em vez de discutir se determinadas medidas estão certas ou erradas. Podemos permitir que nos ajude a identificar mais facilmente o que nos distrai e a distinguir entre o que é importante e o que é menos importante.

Trata-se de passar de um modo de atenção automática para um modo de atenção controlada e criar estruturas nas nossas vidas que nos deem tempo para refletir e assumir uma posição cognitivamente mais elevada. Uma posição mais elevada do que as “indústrias da opinião” criadas para captar a nossa atenção e envolver-nos em coisas que não têm um valor real mais profundo, quer para nós próprios quer para o mundo em geral.

Uma forma de resistir a todos os impulsos do exterior é construir a autoestima, sem uma influência constante dos “outros”. É aqui que o potencial cognitivo e emocional do ser humano pode florescer. É onde pensamos por nós próprios. E é importante que as instituições e organizações criem um ambiente em que as pessoas tenham a capacidade e o tempo para desenvolver este tipo de força mental. Os comportamentos e sentimentos que reforçam a nossa resistência à indústria da atenção em que vivemos são quase o oposto daqueles que vemos e que são amplificados de forma viral, como a vergonha, a culpa e o medo. Estes sentimentos tiram-nos do foco. Ao passo que a empatia, a bondade e a boa interação dão-nos foco.

Numa altura em que a nossa soberania cognitiva é posta em causa, o foco é um capital humano importante, que serve a sabedoria humana. Precisamos de compreender os mecanismos subjacentes à forma como as nossas vidas se apresentam — que o nosso foco está à venda e que, por isso, facilmente ficamos presos a um comportamento de consumo superficial que pode até interferir com a nossa robustez existencial. Por essa razão, temos de nos salvar a nós próprios e às nossas empresas de sermos apanhados numa “desfocagem” coletiva e numa histeria viral sem fim.

 

“Substituí a eterna procura de resposta por contentamento e calma construtiva”

 

Em que sentido é que a concentração liberta todo o nosso potencial? O que é que podemos esperar mudar?

Pensemos no contrário, na quantidade de potencial que se perde num emaranhado de informação e irrelevância. Fico entristecida ao ver isso. Sabemos que a sobrecarga de informação e a indústria da atenção, para mencionar apenas duas coisas, causam isto — onde quer que estejamos hoje, alguém ou alguma coisa requer a nossa atenção. Por isso, deixo perguntas de reflexão que podem ajudar a dar uma resposta à questão:

O que acontece a um mundo em que toda a gente quer ser vista pelo maior número possível de pessoas, a toda a hora?

O que acontece à qualidade do que fazemos quando prevalece uma comparação constante com os outros e o espaço para a consideração é reduzido a quase nada?

Haverá tempo para a humanidade exercer a excelência, explorar e desenvolver o seu potencial humano? Ou seja, como podemos enfrentar os desafios futuros e ver as oportunidades, se não protegermos e revelarmos primeiro o nosso potencial cognitivo e emocional?

O que corremos o risco de perder com tudo isto são objetivos e um propósito mais profundo.

Teremos ido tão longe que em breve seremos uma humanidade despedaçada, cujo vazio tem de ser preenchido com um objetivo?

Todos nós precisamos de entusiasmo, de uma mentalidade positiva virada para o futuro e da convicção de que podemos alocar isso a nós próprios e que nos é permitido estar apenas nos nossos pensamentos — pelo menos durante uma parte do nosso tempo de vigília. Quando aprendi a respeitar a minha própria atenção, aprendi também a respeitar a dos outros, e pude ver que isso era muito positivo a vários níveis. De certa forma, substituí a eterna procura de resposta por contentamento e calma construtiva.

E, finalmente, devo dizer que, na minha opinião, a expressão “potencial pleno ” é um pouco vaga. O potencial é relativo e pode ter diferentes significados para diferentes pessoas e em diferentes situações. Mais compreensível, talvez, seja a experiência de funcionar tal como realmente somos e estamos treinados para tal, funcionando a longo prazo, sem fadiga, e construindo a nossa vida e ações com base num sentido e razão inerentes.

O que ganhamos com o foco é estarmos satisfeitos com o que é, e connosco próprios, e sermos capazes de usar esta “plataforma” para nos dar a coragem de nos esforçarmos e de almejarmos mais alto. No entanto, talvez não vejamos que a falha está dentro de nós e que a solução para uma vida quotidiana construtiva começa, de facto, no nosso próprio intelecto.

“Na busca do sucesso, devemos focar-nos em quem somos e no que temos”

 

Somos bombardeados com instruções para sermos eficientes, bonitos, bem-sucedidos, saudáveis e em forma. Como podemos ter a certeza de que estamos a prestar atenção às coisas que realmente importam?

Querer ser bonito não é errado, nem o desejo de ser bem-sucedido. E ser ambas as coisas também não é errado. O problema surge apenas quando essas buscas se tornam numa obsessão, em vez de desejos saudáveis e naturais, afastando assim outras coisas de maior importância. Através do conceito de foco, podemos decidir por nós próprios o que é belo e não nos regermos apenas pelo que os outros possam pensar. Eu acho que é ótimo ser bonita, mas também não tenho medo de ser vista como um pouco feia. Consegui fazer do foco algo belo e desejável. Talvez isso queira dizer que tanto nós como as outras coisas são mais bonitas quando fazem sentido para as outras pessoas também. Quando nós ou alguma coisa é realmente importante a um nível profundamente humano.

Quando nos deparamos com exigências, superficialidade e excesso de tudo, um ponto de partida e um esforço metafórico é realmente “pensar por si próprio”, resistir aos impulsos e manter-se próximo dos seus valores fundamentais — e dar tempo a si próprio e aos outros. Descobrir o que é importante e alcançar uma direção e clareza, e depois manter-se fiel a elas, leva tempo. Também temos de decidir o que não fazer. Talvez uma das minhas citações se enquadre neste contexto: “Para travar a escassez de tempo cada vez maior, precisamos de mudar as nossas ideias em relação ao que pensamos que temos de ter e, em vez disso, aprender a ver o que não precisamos.”

Penso também que devemos praticar a definição de padrões mais baixos para nós próprios. Quando disparava a arma, antes de ter esta perceção, durante longos períodos quase nunca estava satisfeita com nada além de 10.9, ou seja, um 10 absoluto, tão precisamente no meio quanto possível. A maioria das pessoas no mundo do tiro achava que os 10 eram bons, e outras, como a minha mãe, por exemplo, achavam espantoso que eu acertasse no alvo — e ela tinha razão! Só que, na altura, eu não compreendia bem isso. É claro que o meu desempenho teria sido muito melhor se eu tivesse compreendido que o que estava a fazer era fantástico, mesmo que por vezes conseguisse um 10.2… E muitas pessoas podem provavelmente reconhecer-se nisto — acreditar que todos os outros estão a estabelecer padrões elevados — e não saber que estão de facto errados… Talvez outra citação se enquadre aqui: “Na busca do sucesso, devemos focar-nos em quem somos e no que temos, em vez de andarmos atrás do que não somos e não temos.”

Focarmo-nos noutra pessoa através da empatia também é bom. Cria uma distância de nós próprios e pode ajudar-nos a compreender que existem outras realidades, além daquela que achamos ser a única. E isso é muito útil. Neurologicamente, procuramos a dopamina, e isso também pode ser conseguido cuidando dos outros e aproximando-nos de outra pessoa — obtendo uma resposta na vida real.

A simplicidade dá respostas ao complexo e o meu tiro de precisão como metáfora tem ajudado muitas pessoas. A estrutura clara do tiro, sob a forma de concentração no momento (foco a curto prazo) e objetivo e significado à vista (foco a longo prazo), e o poder da precisão dão às pessoas um significado sólido numa existência incerta e num futuro por vezes sombrio – estrutura, significado e esperança!

“Puxar o gatilho” também se torna uma metáfora para “tu decides”. Estás no comando, e este é um sentimento muito importante quando somos alimentados por tantos ideais e necessidades. No meio de uma enxurrada de pensamentos distrativos e irrelevantes, desinformação e ansiedade sobre o futuro e sobre ser suficientemente bom, o meu trabalho é uma forma de utilizar os meus conhecimentos e experiência para contribuir para um pouco mais de serenidade, um pouco mais de bondade e autocompaixão, e um pouco mais de controlo cognitivo.

 

Neste ambiente rápido e com défice de atenção, quanto tempo é necessário para desenvolver esta filosofia?

O ruído crescente à nossa volta e uma economia da atenção cada vez mais acelerada tornaram difícil encontrar e manter o foco. As limitações de tempo e a irreflexão ganharam terreno, e habituámo-nos a andar eternamente de um lado para o outro e a responder diretamente ao que se tornou viral. A preguiça de operar à superfície em vez de em profundidade é notória. O bom senso deu lugar à miopia, às soluções rápidas e às mudanças de uma tarefa para outra.

Nestes tempos, em que a importância do nosso potencial intelectual é grande, mas em que muitos procuram informação externa, em vez de refletirem por si próprios, vale a pena recordar que os feeds de notícias e as redes sociais foram concebidos para apelar aos nossos impulsos e para retirar o foco do nosso interior, onde a lucidez resiste e onde o bom senso prevalece. O simples facto de ter isto em mente é um passo na direção certa.

É preciso dar tempo ao tempo. Mesmo uma pequena diferença de atitude pode valer muito — uma tentativa de cada vez…  O foco não é uma solução rápida. E nunca será.

 

“Seria desejável que os líderes pudessem ser role models no foco”

 

As mulheres são boas multitaskers (executantes de várias tarefas em simultâneo). Será esta capacidade contraproducente?

Eu diria que o multitasking é para as máquinas, não para os seres humanos. Tentar fazer várias coisas ao mesmo tempo pode ser considerado eficaz, mas é em grande parte contraproducente e demora mais tempo do que pensamos. O que acontece de facto é que os nossos diferentes desejos/tarefas competem pela rede de atenção do cérebro e interferem com processos muito rápidos. Além disso, parece que a nossa memória de trabalho é afetada negativamente ao tentarmos ser multitask. Em vez de ver o multitasking como uma capacidade, veja-o como algo que, por vezes, tem de ser feito e que, por vezes, pode ser muito agradável — ouvir um livro enquanto cozinha, por exemplo.

Sinto que nós, mulheres, temos qualidades completamente diferentes às quais devemos dar mais espaço e das quais nos devemos orgulhar. Apercebi-me disso enquanto oficial, tanto numa posição de chefia, como também, e talvez principalmente, em situações mentalmente difíceis no terreno ou em missões. Para citar apenas alguns exemplos, é possível manter o grupo, ver as suas necessidades e convidar à vulnerabilidade, à bondade e à consideração nas situações mais difíceis. Criar o foco de um grupo através destas capacidades é ainda mais eficaz do que dar instruções rigorosas.

 

Que papel têm os líderes na promoção do foco nas suas equipas?

O foco é contagioso. Por isso, seria desejável que os líderes pudessem ser role models no foco. Mas é claro que isso é estabelecer um padrão relativamente alto, porque o ritmo é muito elevado e é necessária alguma (re)estruturação e um acompanhamento cuidadoso.  Por conseguinte, o papel de um líder é também criar condições para que os colaboradores desenvolvam o seu próprio foco — uma espécie de responsabilidade social. É claro que isto pode, provavelmente, ser diferente para diferentes organizações e empresas e não pode ser feito num piscar de olhos, mas é muito motivador quando os efeitos positivos começam a ser vistos e sentidos.

Ao ter a coragem, tanto a nível interno como externo, de defender os valores fundamentais e os métodos de trabalho que constituem a base do enfoque, promovendo assim também as qualidades humanas, um líder torna-se parte de uma mudança positiva do sistema que contribui para uma sociedade mais saudável e menos fragmentada.

 

“Recuperar o foco significa dar às pessoas a possibilidade de se libertarem do ruído constante”

 

Em que consiste o seu programa “Reclaim Focus” e quais são os seus objetivos?

É um projeto arrojado que resulta da minha vontade de fazer mais do que posso enquanto líder de ideias, guru e role model.

O “Reclaim Focus” está empenhado em esclarecer o valor do foco e o impacto que este tem a nível individual e social. É uma organização sem fins lucrativos que, através da investigação, se esforça por ajudar as gerações atuais e futuras a aprender estratégias de concentração para a vida. Trata-se de capacitar os indivíduos a utilizarem o poder do foco para ganharem liberdade, melhorarem o desempenho e levarem uma vida mais preenchida.

O nosso objetivo é criar uma comunidade de empresas, filantropos e líderes de opinião em torno do poder do foco e ter um impacto positivo num mundo fragmentado. Este objetivo baseia-se numa metodologia que demonstra como o foco é utilizado para enfrentar os principais desafios do local de trabalho e da sociedade.

Todos queremos que o potencial humano se desenvolva e não seja prejudicado e, se a nossa ambição é passar da indefinição, da ambiguidade e da superficialidade para a clareza, a frontalidade e a qualidade, independentemente de estarmos a olhar para uma perspetiva grande ou pequena, então temos de nos ajudar uns aos outros.

 

Como podemos educar os nossos filhos para que estejam preparados para prosperar nesta sociedade tão cheia de distrações?

Nós (adultos) temos de dar o exemplo e mostrar-lhes o que é o verdadeiro foco. Se eles não souberem o que é estar focado, como é que vão saber pelo que se devem esforçar quando forem adultos? Como podem saber o que devem proteger em si próprios e nos outros seres humanos?  É importante fazê-los compreender que o seu foco e atenção são uma mina de ouro para uma indústria, treiná-los com estratégias de foco e ajudá-los a construir a autoestima a partir de dentro, em vez de a partir do exterior, e assim conduzi-los ao caminho de não serem apanhados no ciclo da gratificação instantânea.

Num mundo que compete por atenção a todo o momento, e onde o autocontrolo deficiente das pessoas está a ser explorado, é cada vez mais importante que trabalhemos em conjunto para garantir que não só as crianças, mas também os adultos, não se tornem recetores inativos de irrelevância, mas possam criar significado através dos seus próprios esforços.

Recuperar o foco significa dar às pessoas a possibilidade de se libertarem do ruído constante e recuperarem o controlo sobre os seus pensamentos e atenção. “Reclaim Focus” esforça-se por fazer isso, dando aos indivíduos e às mentes jovens as ferramentas para se libertarem do ruído de fundo e da distração e recuperarem a sua clareza mental. Por fim, é importante não só ajudar os jovens a desenvolver uma capacidade de concentração, mas também ensiná-los a utilizá-la de forma sensata e dar-lhes esperança.

 

Veja a TEDx Talk de Christina Bengtsson.

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