Antonina Barbosa é a diretora geral e de enologia da Falua, grupo de vinhos com quatro empresas produtoras nas regiões Tejo, Douro e Porto e Vinhos Verdes. Iniciou a sua atividade profissional como investigadora na Universidade Católica do Porto, mas não conseguiu resistir à capacidade de sedução do sector de vinhos, onde começou a trabalhar há 20 anos. Por isso foi natural o regresso, como responsável de enologia da Falua, investimento da João Portugal Ramos na região Tejo. Anos mais tarde Antonina Barbosa criou também, de raiz, o projeto deste produtor na Região dos Vinhos Verdes, antes de começar a trabalhar para o Grupo Roullier, um dos principais negócios internacionais do sector de fertilizantes, com cerca de 4 mil milhões de euros de faturação anual, depois de este ter adquirido a Falua em 2017. Dois anos depois, assume a gestão de um investimento que a casa mãe francesa pretende que se torne num dos principais grupos nacionais de vinhos. A sua forma de estar na vida, o seu percurso, feito naturalmente graças às suas qualidades como enóloga, como é evidente, mas também ao seu empenho, capacidade de gestão e de relacionamento com os outros, e também de levar projetos até ao fim, são certamente fatores que pesaram na sua escolha para um cargo “onde está muita coisa feita e tudo por fazer”, como gosta de salientar.
De que forma é que a sua formação a tem ajudado a garantir o desempenho das suas funções ao longo do seu percurso?
Nasci em Monção, no Alto Minho, num meio onde predomina a vinha e vinho da casta Alvarinho. Essa ligação era muito próxima, em casa, porque as vinhas e o vinho faziam parte da vida da família. Mas não liguei muito a esta área nos meus primeiros anos e estudei Bioquímica na Faculdade de Ciências do Porto com a ideia de me tornar investigadora.
Acredito que “o nosso destinto está traçado” e talvez por isso fiz o estágio de fim de curso e a minha primeira vindima na Cockburn’s, empresa produtora de Vinhos do Porto, apesar do tema do meu trabalho não incidir sobre vinhos. Decorria no ano de 2000. Logo a seguir fui convidada, pela Universidade Católica do Porto para assumir um grande projeto no sector de biotecnologia, que estava a desenvolver com uma grande empresa de vinhos, a Sogrape. Fiquei lá, como responsável, durante quatro anos. Era um trabalho muito focado nos percursores dos compostos aromáticos, na descoberta de novas moléculas e envolvia tudo o que influenciava a sua produção nos vinhos, desde o solo, à vinha e trabalhos na vinha, à adega. Tudo isso levou-me a ter de estudar enologia e todas as áreas relacionadas a fundo, e a envolver-me cada vez mais. Após dois anos de trabalho, fiz a pós-graduação em enologia da Universidade Católica, onde fiz o mestrado dois anos depois sobre o mesmo tema.
Foi a seguir que fui convidada pela João Portugal Ramos para ser a responsável pela nova adega da Falua que a empresa estava a construir em Almeirim, onde ingressei em 2004. Fiz várias coisas neste grupo, que também produzia vinhos no Alentejo, Beiras, Douro e Vinhos Verdes, onde montei, de raiz, o seu projeto. Isso obrigou-me a viajar mais, porque estava metade da semana no Tejo e a outra nos Vinhos Verdes, o que foi benéfico porque passei a trabalhar e conhecer melhor outras regiões, fortalecendo ainda mais a minha ligação ao vinho. De tal forma que, hoje, não me imagino noutra área qualquer. Os genes estavam lá, a ligação ao sector também, mas precisei de dar uma volta maior para perceber que era na terra, na vinha, nesta área que eu queria estar.
Na minha carreira não tive muito tempo para pensar, porque as coisas foram-se encaixando umas nas outras. E até acho bom que isso tivesse acontecido.
Qual foi a decisão mais importante da sua carreira?
Na minha carreira não tive muito tempo para pensar, porque as coisas foram-se encaixando umas nas outras. E até acho bom que isso tivesse acontecido. Mas é verdade que tive de tomar algumas decisões importantes ao longo da minha vida.
A primeira, a de deixar a investigação para passar a trabalhar, não foi difícil, porque estava cheia de vontade de pôr em prática tudo o que tinha aprendido. Foi sobretudo uma oportunidade que agarrei, que teve só a desvantagem de ter de ir viver para Santarém, longe dos meus lugares habituais. Como é evidente, foi um grande desafio, por implicar uma mudança significativa no meu percurso, mas fez todo o sentido. Depois, as coisas foram acontecendo com naturalidade.
A última mudança, que implicou deixar o Grupo João Portugal Ramos, ao qual estava ligada há 16 anos, e integrar o Grupo Roullier, já foi uma decisão que me obrigou a pensar muito. Mas foi sobretudo difícil em termos emocionais, já que era uma decisão óbvia, em termos de carreira, no dia em que a tomei.
Por vezes, é necessário mudar o rumo e abraçar novos desafios se queremos crescer. E eu não acredito que isso seja possível, pelo menos de forma significativa, se permanecermos a trabalhar no mesmo sítio. Com isto quero dizer que, apesar de terem ocorrido muitos desafios na minha vida de trabalho no dia a dia, foram acontecendo naturalmente, tal como as decisões que tomei. Acho que tem de ser assim.
Qual é a parte mais aliciante do seu trabalho?
O meu trabalho atual é muito aliciante e tem sido o mais desafiante que tive até agora. E porquê? Porque tenho de olhar para o negócio como um todo. Mas é algo que sempre gostei de fazer, apesar de nunca ter tido a responsabilidade alargada atual, pois faço também a gestão das áreas comerciais e de marketing e comunicação, para além da de produção.
Atualmente, o Grupo Roullier não produz vinhos em mais nenhum país e a aquisição e criação de quatro empresas vem da ideia de se criar um grupo grande e forte em Portugal.
Qual é o seu principal desafio atual?
Quando temos, no mesmo negócio, viticultura, enologia, áreas comerciais, de marketing e comunicação, e de gestão, é essencial manter todas ligadas e a funcionar no mesmo sentido. Isso tem de se refletir na qualidade do trabalho que se faz e daquilo que se produz, mas também nos resultados da empresa.
O meu grande desafio atual é dispor de pelo menos um dia para fazer vinhos, e esquecer o resto. Como já temos equipas formadas com essa responsabilidade, é uma área a que dedico hoje muito menos tempo do que, por exemplo, à comercial, que ainda está a ser construída.
Não basta apenas fazer bem vinho. Também é preciso saber vendê-lo, e isso constitui um desafio ainda mais importante numa empresa como a nossa, que está a crescer muito. Atualmente, o Grupo Roullier não produz vinhos em mais nenhum país e a aquisição e criação de quatro empresas vem da ideia de se criar um grupo grande e forte em Portugal. Para que isso aconteça temos de consolidar todos os negócios, mais antigos e recentes, de forma rápida, e isso implica que estejamos muito bem organizados, para podermos alcançar os objetivos. Os de expansão no mercado nacional e internacional são muito grandes, o que implica um grande investimento na equipa comercial.
Esses objetivos já estão a ser alcançados?
Nós costumamos dizer que está muita coisa feita e tudo por fazer. A entrada recente das empresas do Douro no grupo está a obrigar-nos a olhar de novo para a organização. Mas, durante este ano, já vamos ter o fruto do que temos vindo a criar e construir até agora.
É importante saber construir marcas e comunicar, para dentro e para fora da empresa. Se não o soubermos fazer internamente, de forma a manter as equipas muito motivadas, nunca iremos conseguir fazer uma excelente comunicação externa.
Quais são as competências mais importantes para exercer o seu cargo?
Têm de ser várias. Entre outras, muita capacidade para lidar com as pessoas, porque nunca trabalhamos sozinhos e sim em equipa. Por isso, é essencial rodear-nos das pessoas certas e mantê-las motivadas e empoderadas para gerir as suas equipas. Essa é uma das competências mais importantes para exercer o meu cargo.
Depois é importante saber construir marcas e comunicar, para dentro e para fora da empresa. Se não o soubermos fazer internamente, de forma a manter as equipas muito motivadas, nunca iremos conseguir fazer uma excelente comunicação externa. Para mim, e neste momento, o trabalho de gestão das equipas e das pessoas tem um papel preponderante no resultado final da empresa.
Como é que motivas as pessoas. Como é que as suas equipas trabalham melhor, com mais alegria e eficiência?
Ter todas as pessoas que trabalham com a empresa motivadas e com vontade de cá estar e trabalhar é um dos meus principais desafios e, acho, de qualquer líder. A maioria passa um terço da sua vida a trabalhar. Por isso, têm de gostar do que fazem. Isso só acontece se os líderes lhes conseguirem transmitir que a empresa também é delas, e que todos são importantes para a organização, desde aqueles que trabalham na vinha ao diretor de exportação, algo que tentamos cultivar no dia a dia. Manter sempre as pessoas com vontade, motivadas e satisfeitas é um trabalho contínuo. Não pode ter interrupções.
Vamos arrancar o ano com mais de uma dezena de comerciais para o mercado nacional, que irão comunicar diretamente o que fazemos aos nossos clientes, sejam eles garrafeiras, estabelecimentos do canal Horeca ou outros, de forma a que percebam bem aquilo que produzimos e vendemos.
Quais são os principais princípios de boa gestão de um grupo de empresas vitivinícolas com várias localizações em Portugal, que produzem vinhos bem diferenciados, para assegurar a fluidez e eficiência do processo produtivo?
O grande truque é procurar manter a autenticidade e identidade dos projetos que estamos a desenvolver, cada um no seu lugar e com as suas características. Têm de ser autónomos. É essa a mensagem que passo em todos, porque não temos de copiar o modelo daquilo que fazemos bem num deles para os outros, mas sim fazer bem em cada um. Numa altura em que já temos um portefólio muito alargado de referências, estilos e identidades para apresentarmos aos consumidores, é preciso que eles os distingam para que isso se torne numa vantagem de mercado.
Mas também é preciso comunicar todo o projeto.
Nós estamos a fazer isso. O Grupo Roullier acredita muito na proximidade, seja dentro da empresa seja fora. É, por isso, que vamos arrancar o ano com mais de uma dezena de comerciais para o mercado nacional, que irão comunicar diretamente o que fazemos aos nossos clientes, sejam eles garrafeiras, estabelecimentos do canal Horeca ou outros, de forma a que percebam bem aquilo que produzimos e vendemos. É este projeto piloto que estamos agora a criar. Ligado a tudo isto há todo um trabalho de comunicação e marketing que queremos associar, também gerido por nós, com decisões e conteúdos que são muito internos e feitos com base no trabalho da nossa equipa, para podermos comunicar a imagem daquilo que estamos a construir.
Que conselho daria a uma jovem que quer fazer carreira nesta área?
Primeiro, que faz muito bem em vir para esta área, para onde deve vir bem preparada. Depois, que precisa de acreditar e fazer da melhor forma, ultrapassando barreiras sem partir muitos muros para chegar lá, porque é um caminho onde nem tudo são rosas. Basta lembrar que há muitas enólogas a trabalhar no sector de vinhos, mas poucas ocupam lugares de topo. Muitas são números dois.
Mas como não sou muito feminista, acho que as coisas têm de acontecer naturalmente e espero que o meu papel e a minha história ajudem essas meninas a terem uma vida mais realizada, até porque quem vai começar agora a trabalhar vai fazê-lo num mundo muito diferente daquele que eu iniciei há 20 anos. O caminho vai ser mais fácil, com as oportunidades a aparecer com mais frequência, num mundo ainda muito dominado por homens. Têm sobretudo de gostar, acreditar e dedicar-se ao que fazem, como é óbvio, porque a sorte dá muito trabalho.
Como aquilo que conseguimos ser é muito fruto do nosso trabalho, quem acreditar, se esforçar e tiver competências, chegará cada vez mais rápido onde deseja.
Leia mais entrevistas com mulheres nos vinhos