Mayka Rodriguez: “Nunca me senti privada de poder evoluir, por ser mulher”

Na liderança de um Comité Diretivo quase exclusivamente feminino, Mayka Rodriguez, diretora-geral do hotel Sofitel Lisbon Liberdade, considera que há um compromisso com a igualdade de género nos grandes grupos hoteleiros, mas reconhece que ainda falta maior representatividade no segmento de luxo.

Mayka Rodriguez é diretora do Sofitel Lisbon Liberdade.

Em pequena, o fascínio pelas letras quase a conduziu ao jornalismo, mas a ambição profissional de seguir outros rumos mais promissores acabou por ditar a formação e o ingresso no setor turístico, onde Mayka Rodriguez acumula uma experiência de mais de 20 anos. Em 1995, a atual diretora-geral do Sofitel Lisbon Liberdade juntou-se ao grupo hoteleiro Accor para não mais abandonar as fileiras da companhia, passando por diferente insígnias, desafios e geografias. França, Guadalupe, República Dominicana, Colômbia, Guiné Equatorial, Egito, Abu Dhabi e Barein foram alguns dos pontos de passagem, até à chegada a Lisboa, onde, em 2017, ascendeu, pela primeira vez, ao cargo de diretora.

Fazendo questão de manter uma liderança “de porta aberta” e afirmando o gosto pelo contacto com as pessoas, Mayka Rodriguez, sublinha que dirigir um hotel “não é mais um trabalho de mulher do que de homem: é igual”, mas identifica mais-valias na liderança feminina, pela “capacidade acrescida de escutar e envolver as pessoas”. Às jovens mulheres que sonhem com uma carreira em hotelaria, a executiva deixa ainda palavras de alento: “com benevolência, paciência e perseverança, não há limites”.

 

Formou-se em turismo. Como surgiu a paixão por essa área?

Não foi uma vocação que se tenha feito sentir desde miúda. Eu queria ser jornalista, gostava muito de escrever. Mas sendo Espanha um destino muito turístico, optei por seguir essa área, para ter um desenvolvimento profissional mais acelerado, até porque foi numa época em que Espanha teve um boom turístico, com os Jogos Olímpicos de Barcelona e a Expo 92, em Sevilha. A vocação acabou por surgir com o tempo.

E como é que se desenrolou a sua carreira no turismo?

Depois de me formar, tive oportunidade de sair para conhecer o mundo, que foi também um dos intuitos de ter seguido turismo. Gostava de viagens e de línguas e tive a oportunidade de viajar para os quatro continentes, sempre com o mesmo grupo. Desde que finalizei o curso que ingressei no mesmo grupo hoteleiro onde me mantenho até hoje, o grupo Accor. Passei por diferentes insígnias do grupo, mas sobretudo pela Sofitel, e senti-me sempre ligada aos valores deste grupo.

Comecei como operacional. É curioso que, no meu primeiro ano de trabalho como operacional, na receção de um hotel em Paris, os meus pais foram visitar-me ao hotel e ficaram um pouco desiludidos: tanto investimento na formação e agora estava a ajudar com as malas dos clientes. Mas fiz questão de lhes explicar que é assim mesmo que funciona: na hotelaria, há que passar pelas posições operacionais, para conhecer bem o negócio e poder crescer profissionalmente, a partir daí.

Depois da área operacional estive também no Marketing e vendas. Não sei se sou boa comercial, mas tento ser boa negociadora. Gostei muito de trabalhar nas operações, de fazer vendas no internacional, de frequentar feiras e estar em contacto com os agentes de viagem e pessoas do mundo inteiro. Fui andando de país em país. Estive em França, depois fui para o Caribe francês, Caribe hispânico e Colômbia. Depois mudei completamente de continente, estive em África, nomeadamente no Egipto, e no Médio Oriente, em Abu Dhabi e no Barein e, então, sem programar e sem esperar, vim para Portugal. Não estava nos meus planos imediatos voltar para a Europa, mas foi algo que foi importante para mim, porque Lisboa e Portugal eram bons destinos para voltar à Europa.

 

“A política de porta aberta favorece o diálogo”

Em que país é que se tornou diretora de hotel?

Foi em Lisboa que assumi, pela primeira vez, a posição de diretora-geral de um hotel.

Foi um convite súbito, mas irrecusável?

Exatamente. Desde logo, a oportunidade surgiu numa marca em que eu já tinha trabalhado alguns anos e de que gosto muito, a Sofitel. Além disso, estávamos em 2017 e Portugal, e nomeadamente Lisboa, ocupava as primeiras posições entre os destinos mais interessantes da Europa. Vim numa altura excelente para Lisboa, que estava já a ser muito cobiçada, havendo diversos mercados interessados, e com um projeto muito desafiante, que passava pela renovação do hotel. Foi algo muito interessante, porque conjugou-se o crescimento importante do negócio na vertente comercial com a possibilidade de crescer em termos de equipa e de renovar os espaços: portanto, uma renovação que passava pela criação de um novo conceito.

Era algo que já estava definido ou ainda veio a tempo de participar nessa redefinição de conceito?

Tive a sorte ter havido várias alterações na estrutura da organização, a nível regional, na altura, e isso fez com que eu ainda pudesse pôr a mão em vários conceitos. Pude participar, nomeadamente, na parte de conceção do lobby e do restaurante, o que envolveu um amplo trabalho de equipa.

Como é um dia típico de trabalho de uma diretora de hotel?

Não há dias típicos e não há rotina. Dantes via-se um diretor de hotel como alguém muito inacessível e, felizmente, hoje não é nada assim. Julgo que com a pandemia ficou ainda mais claro que um diretor de hotel não é uma figura imprescindível — se eu não venho, o hotel continua a funcionar, o trabalho continua a ser feito, as pessoas sabem o que têm de fazer. Mas faço questão de que a minha porta esteja sempre aberta. Obviamente que temos uma planificação para nos encontrarmos em certos momentos, e essa planificação do trabalho é fundamental. Mas tão importante como a planificação é esta política de porta aberta, que favorece o diálogo: se alguém tem uma dúvida ou sugestão, podemos falar, é só passar por cá.

Nesse sentido, um dia típico passa por estar à escuta do que as pessoas da equipa precisam, do que os clientes precisam, até porque diariamente também há encontros com os clientes. Gosto muito de ver os clientes que vêm regularmente, costumam ser bastante atentos e elogiosos e gostam, nomeadamente, do acolhimento que as equipas portuguesas lhes prestam.

 

“Se um líder não gosta de pessoas, está no local errado”

Que características ou competências considera fundamentais para se ser um bom diretor de hotel?

Como deve acontecer com qualquer líder dentro de um negócio, penso que o bom senso é muito importante. É também determinante rodear-se de bons talentos: o que ajuda um líder a poder levar a cabo todas as suas responsabilidades é rodear-se de talento. Os diretores são generalistas, não são peritos, tentamos saber de tudo um pouco, mas, na realidade, temos muitas lacunas e precisamos sempre de rodear-nos de bons talentos. Outra característica fundamental é gostar de pessoas: se um líder não gosta de pessoas, está no local errado.

Quais são os maiores desafios na sua função?

Por vezes, pode ser difícil alguma tomada de decisão, porque ela deve implicar outras pessoas que podem dar o seu ponto de vista.  Também devemos ser humildes e pedir ajuda, perguntar a quem sabe, seja um colega, seja um responsável, para ser capaz de tomar boas decisões.

Como é que tenta atrair e reter o talento, para que isto tudo funcione como deseja?

A pandemia consolidou uma tendência que já se percebia desde anos anteriores: as pessoas querem mais flexibilidade, não querem ter uma vida para trabalhar, querem um trabalho para viver. A pandemia trouxe alguns desafios. Para já, porque tivemos de separar-nos de bons talentos, tivemos de reduzir as equipas ao máximo. A atratividade da nossa área por vezes é um pouco difícil, porque trabalhamos todos os dias da semana, trabalhamos em horários diferentes, todos os dias do ano.

Há uma mitificação, de certa forma, da importância dos fins de semana e feriados. É claro que a vida em família, passa muito pelos horários em comum aos fins de semana, sobretudo para quem tem crianças em idade escolar. Mas, por exemplo, para as pessoas que ainda não têm crianças ou que não têm crianças tão novas, às vezes não ter especificamente os mesmos dias, as mesmas férias que a generalidade das outras pessoas também tem vantagens.

Quais são as principais tendências que vê neste momento, a curto prazo, na área do turismo?

Quando falamos em turistas, vemos uma flexibilização na questão das viagens. As pessoas querem e têm disponibilidade para viajar, mas também têm flexibilidade com a questão laboral. Isso permite que possam gerir o seu dia, fazer umas horas de trabalho e depois podem continuar a visitar Lisboa e a desfrutar da cidade. Outra tendência é de as pessoas quererem cada vez mais cuidar de si: wellness é uma tendência que veio para ficar. E as duas coisas juntam-se: eu trabalho, divirto-me, desfruto da gastronomia e cuido do meu corpo, portanto é importante que os hotéis também possam adequar a sua oferta para responder a esta demanda. O hotel, sobretudo quando está dentro da cidade, tem de ser um espaço de vida e um espaço de vida para quem dorme no hotel, mas também para quem transita no centro da cidade, seja residente em Lisboa, ou seja, alguém que está como turista, mas que efetivamente visita o nosso hotel.

 

“Nunca senti desigualdade de género dentro do setor”

Falámos já da carreira internacional, que começou logo que se formou. Acredita que para algumas mulheres isso pode ser um obstáculo para progredirem na carreira?

Há diferentes experiências: há pessoas que não tiveram tanta mobilidade, mas que conseguiram evoluir, seja no mesmo hotel, seja em hotéis vizinhos. É certo que para hotéis de luxo, é sempre importante ter uma experiência mais internacional. Sempre que haja um equilíbrio de vida que permita levar a família de um lugar para o outro é ótimo, mas isso ocorre tanto na hotelaria como noutros setores. É também ótimo para os miúdos porque, em geral, adaptam-se muito facilmente e, atualmente, há muita educação internacional em muitos pontos. É melhor que esta experiência internacional comece logo no início da carreira na hotelaria.

Por outro lado, quanto à questão do género, há um compromisso muito importante nos grandes grupos hoteleiros. Nos hotéis de luxo, há uma percentagem menor de mulheres na direção de hotel ou outras posições corporativas mais importantes, mas há um trabalho importante que está a ser feito nesse sentido e essa altura chegará.

Tive muita sorte, porque nunca senti desigualdade de género dentro do setor. Nunca me senti privada de poder evoluir, por ser mulher. Não gosto muito de falar de percentagens e de quotas, mas se estas não existissem, era mais difícil que as empresas avançassem nesse sentido. O importante, mais do que as percentagens ou quotas, é alcançar um bom equilíbrio. Por exemplo, aqui no hotel, dentro do comité diretivo, somos quase todas mulheres. E às vezes digo: vou ter de equilibrar, porque senão vamos ter o problema oposto. Mas não é algo que tenhamos planeado, simplesmente tentamos captar os melhores talentos, independentemente de serem homens ou mulheres e há um conjunto de circunstâncias que propiciaram que fossem mulheres.

Ao longo de mais de 20 anos de carreira, nota que cada vez há mais mulheres diretoras de hotel?

Muitas mais. E no segmento de luxo talvez seja onde há menos, mas em todas as outras categorias de hotéis há imensas.

E acha que as mulheres trazem algo de diferente à liderança dos hotéis?

Eu acho que sim. Acho que a mulher pode mais facilmente equilibrar a questão dos egos, é uma profissão muito ligada às pessoas e a mulher pode ter essa capacidade acrescida de escutar e envolver as pessoas. Para mim, não é um trabalho mais de mulher do que de homem: é igual.

 

“Quando se casa com a hotelaria, é para o bom e para o menos bom”

Dos vários países por onde passou, que lição trouxe de cada um deles?

Para mim, a abertura cultural foi o mais importante. Porque quando alguém passa por alguns destinos, como é o caso do Médio Oriente, com mais de 50 nacionalidades dentro de um hotel – e estamos a falar da equipa, não dos clientes – é realmente enriquecedor esse intercâmbio entre diferentes culturas. Em todos os lugares por onde passei aprendi algo. Conseguir integrar-se com as pessoas locais e aprender com elas, conhecer a sua cultura e viver como elas é muito importante. A abertura cultural ajuda imenso: por exemplo, por mais semelhanças que existam, Espanha e Portugal não têm a mesma cultura, é uma cultura diferente, uma língua diferente e é importante vir com essa abertura. Eu já tinha estado em Portugal e havia muitas coisas que desconhecia.

Outra questão relevante é que, atualmente, devido à dificuldade de atrair talentos, estamos a receber muitos talentos de diferentes culturas que agora estão a viver em Portugal e que, às vezes, têm dificuldade com a língua, mas conseguimos comunicarmos e integram-se na nossa equipa. Antigamente isso não acontecia tanto. Claro que é importante que haja uma boa base local, porque para o cliente é muito importante que haja recomendações que sejam dadas pelas pessoas daqui, mas também apreciam o facto de haver um ambiente multicultural.

Do que é que mais gosta no seu trabalho?

Das pessoas, de estar com as equipa, comunicar com a equipa, mas também com os clientes, os clientes são diferentes todos os dias ou alguns já vêm regularmente e já se tornam um bocadinho da casa. Durante a pandemia, havia alguns que nos escreviam para saber como estávamos.

Do que é que menos gosta?

Eu acho que quando se casa com a hotelaria, é para o bom e para o menos bom. Eu acho que tudo faz parte do pacote. É uma questão de responsabilidade. Claro que às vezes há tarefas de que gostamos menos, mais administrativas ou burocráticas, mas que fazem parte das responsabilidades que temos.

Que conselho daria a uma jovem que esteja a pensar fazer carreira em hotelaria?

Com benevolência, paciência e perseverança, não há limites. É importante sair e ver o que se passa noutras cidades, noutros países e aprender. Dar-se tempo, não querer queimar etapas, há tempo para tudo. Quando se vai trabalhar para outros países, desfrutar do que esses países podem oferecer, para aprender também. É bom que saiam primeiro para conhecer o que há fora.

 

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