Texto de Marta Carvalho Araújo, CEO da Castelbel
“Nos 336 quilómetros que ligam Santa Apolónia a Campanhã o pendular só circula à sua velocidade máxima de 220 Km/hora em três curtos troços que totalizam 78 quilómetros, 23% do total do trajecto. (…) A viagem continua a ser um autêntico rally onde os maquinistas tão depressa aceleram até aos 200 Km/hora como reduzem para os 120, para depois aumentar para 160 e a seguir frenarem para 80. A velocidade deste percurso é tudo menos uniforme e isso reflecte-se no desgaste do material.”
Assim começa um artigo de Carlos Cipriano para o Público. Lê-lo fez-me lembrar da péssima distribuição de esforço que caracteriza demasiadas empresas nacionais e que resulta não só num desempenho medíocre (se andasse a uma velocidade constante e intermédia de 170 km/h, por exemplo, o Alfa Pendular poderia ir de Lisboa ao Porto em 2 horas, em vez das quase 3 horas atuais) como num desgaste desnecessário (e caro!) de pessoas e equipamentos.
Quantas vezes já nos deparámos com projetos cujo cronograma prevê uma distribuição impecavelmente homogénea de trabalho, mas cuja prática consiste em não mexer uma pá durante meses, para depois alocar, num regime 24/7 absolutamente irracional, todas as equipas e ferramentas existentes a uma só obra, no mês que antecede a sua inauguração oficial?
É este hábito coletivo de deixar tudo para a última hora, abrandando o ritmo enquanto ainda falta muito e dando tudo só quando já é mesmo urgente, que leva a que, em Portugal, se recorra demasiado às horas extra, que custam mais a todos: a quem as paga (que podia ter alcançado o mesmo resultado durante o horário normal de trabalho) e a quem as recebe (que também acaba por pagá-las em saúde, disponibilidade e tempo com a família).
E é a falta de planeamento e organização de muitas empresas que faz com que elas não consigam tirar “o máximo partido do seu produto topo de gama”: as pessoas.
Em muitas situações, o herói que salva o dia é o igualmente típico “desenrascanço” português: aquela capacidade de implementar soluções eficazes no último minuto e de viver sempre no fio da navalha, habitualmente defendida por quem acha que o improviso é sinónimo de inteligência.
O problema é que há muito mais Chicos Espertos do que MacGyvers. Chicos esses, que, nos tempos de estudante, diziam que só precisavam de estudar no dia anterior ao do exame para ter boa nota.
Infelizmente, o elogio público do tal desenrascanço e a propagação do mito de que só se trabalha muito (e bem) sob pressão funcionam como entraves à luta contra uma procrastinação sistémica, que, contrariamente à mera preguiça ou ao necessário descanso, resulta em “stress, sentimento de culpa, perda de produtividade e vergonha em relação aos outros, por não cumprir com as suas responsabilidades e compromissos”. Em suma: num desgaste semelhante ao do Alfa, gerado pela oscilação permanente entre o fácil e o difícil.
E se todos estes sentimentos negativos já surgem quando “deixamos para amanhã o que podíamos fazer hoje” (mas, ainda assim, acabamos por fazer), imagine-se o que acontece quando adiamos ad aeternum aquela lista de tarefas que ninguém nos atribuiu nem vai obrigar a cumprir… Falo, é claro, das grandes decisões pessoais, como casar-se, divorciar-se, mudar de emprego, ter filhos, emigrar, comprar uma casa, lançar-se num negócio próprio, voltar a estudar, começar a ir ao ginásio, ou adotar uma dieta saudável e equilibrada.
Sempre que não há prazos predefinidos, tendemos a procrastinar, arriscando-nos a incumprir as promessas de fundo que fizemos apenas a nós próprios. Aquelas obras verdadeiramente importantes que, tal como Roma e Pavia, não podem ser feitas num dia. Que não vão lá com sprints. E que, tal como a própria vida, não devem ser deixadas para a última hora.
Leia mais artigo de Marta Carvalho Araújo aqui.